Nenhum outro país além do Brasil conta com 114 registros ativos de povos indígenas isolados, e nada menos que 27 deles se acham sob risco de perder essa condição por força de obras com licença ambiental examinadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) de 2011 a 2017. O dado consta de um levantamento da fundação obtido pelo jornal Folha de S.Paulo.
Entre os casos controversos figuram as usinas hidrelétricas de Belo Monte, no médio Xingu, Jirau e Santo Antônio, no Madeira, e Telles Pires, no rio de mesmo nome. Todas obtiveram licenças de operação do Ibama, portanto estão em atividade.
As obras foram adiante sem estudos prévios aprofundados sobre a presença de isolados pela Funai, que atua a reboque do cronograma de construção. O número de técnicos para analisar os processos de licenciamento está aquém do necessário; e, no ano passado, extinguiram-se 87 cargos comissionados dessa área na fundação.
Na área da usina Telles Pires, por exemplo, a cerca de 50 km da Serra do Cachimbo e vizinha da Terra Indígena Kayabi, a Funai registra indícios de povos isolados, numa região que é também uma frente de desmatamento.
A bancada ruralista do Congresso ganhou força na administração de Michel Temer. Um projeto de lei para abrandar o licenciamento ambiental estancou na Câmara de Deputados, mas há outro do Senado (PLS 168/2018), ainda mais ambicioso, pelo qual os povos indígenas isolados nem seriam considerados no processo para obter licenças.
A maioria dos relatos de grupos não contatados ocorre nas regiões Norte e Centro-Oeste, área de abrangência da floresta amazônica. O fato de permanecerem sem contato com a sociedade urbana, em pleno século XXI, constitui forte indicação de que não pretendem fazê-lo.
A ideia é respeitar seu isolamento e preservar o território, além de evitar conflitos, como os que, por vezes, vitimam os próprios índios e caçadores ou garimpeiros. Também se objetiva preservar sua saúde, pois a falta de contato torna os indígenas vulneráveis a doenças da cidade, como viroses.