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Entrevista Especial

- Publicada em 30 de Janeiro de 2012 às 00:00

Dilma foi mais incisiva do que Lula no Fórum, diz Grzybowski


ANA PAULA APRATO/JC
Jornal do Comércio
O sociólogo Cândido Grzybowski, uma das lideranças do Fórum Social Mundial (FSM), avalia que a presidente Dilma Rousseff (PT) já demonstra uma posição mais forte e alinhada às ideias do evento do que seu antecessor Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele exemplifica com o tom do discurso de Dilma na quinta-feira no Gigantinho e pelo fato de a presidente ter optado pelo Fórum de Porto Alegre, sem comparecer ao Fórum Econômico Mundial, de Davos, como fazia Lula. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Grzybowski ainda fala sobre desafios de organização do evento, por que Porto Alegre deve sediar apenas edições temáticas e não mais centralizadas nos próximos anos, e comenta as negociações que as entidades da sociedade civil têm que fazer com governos para manter a autonomia do Fórum.
O sociólogo Cândido Grzybowski, uma das lideranças do Fórum Social Mundial (FSM), avalia que a presidente Dilma Rousseff (PT) já demonstra uma posição mais forte e alinhada às ideias do evento do que seu antecessor Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele exemplifica com o tom do discurso de Dilma na quinta-feira no Gigantinho e pelo fato de a presidente ter optado pelo Fórum de Porto Alegre, sem comparecer ao Fórum Econômico Mundial, de Davos, como fazia Lula. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Grzybowski ainda fala sobre desafios de organização do evento, por que Porto Alegre deve sediar apenas edições temáticas e não mais centralizadas nos próximos anos, e comenta as negociações que as entidades da sociedade civil têm que fazer com governos para manter a autonomia do Fórum.
Jornal do Comércio - O FSM é um evento não governamental. Entretanto, nessa edição na Região Metropolitana de Porto Alegre, muitas das atividades com maior visibilidade tinham representantes governamentais nos debates, que acabam atraindo mais atenção da mídia. Qual é a sua avaliação?
Cândido Grzybowski - Mas o governo não está presente no Conselho Internacional nem na organização do Fórum. Temos uma Carta de Princípios muito clara, esse é um evento da sociedade civil. Mas não somos contra os governos participarem como convidados. E não podemos ter a oposição do governo, senão a realização do evento se torna inviável, temos que negociar tudo de forma coerente, inclusive questões de financiamento. Quando partidos democráticos e participativos estão no governo, esse processo é mais fácil. Mas sempre temos que estar alertas para que o evento não se torne objeto de promoção e propaganda do Estado. Não é tarefa simples convencer o governante de que ele é um participante como qualquer outro. Os partidos políticos sempre querem impor quem fala, quem é convidado e isso é um problema.
JC - Desta vez o encontro foi financiado por governos federal, estadual e prefeituras. De que forma isso interfere?
Grzybowski - No primeiro Fórum, conseguimos metade do financiamento com o governo e metade com a cooperação internacional. Dessa vez não tem dinheiro da cooperação, que não envia mais nada para o Brasil, foram só os três níveis do governo que entraram com os recursos. Ficamos nessa dependência do poder, e por isso é preciso negociar a nossa autonomia. Para a realização da Cúpula dos Povos na Rio+20, já estamos barganhando faz tempo.
JC - E como se faz para as entidades da sociedade civil manterem a autonomia?
Grzybowski - No primeiro FSM, em 2001, não podíamos contar com o governo federal, era o Fernando Henrique Cardoso (PSDB), mas ele também não iria se opor. Tínhamos quatro opções: Mário Covas em São Paulo, Antony Garotinho no Rio, Itamar Franco em Minas Gerais e Olívio Dutra aqui (Rio Grande do Sul). Achamos mais fácil fazer um acordo aqui, onde os governos estadual e municipal eram do mesmo partido (PT). A escolha de Porto Alegre passava por um governo que tinha o Orçamento Participativo na prefeitura. Depois, quase fomos engolidos pelo governo Olívio, porque ao nos apoiar, em todas as salas do Fórum estava escrito “Governo do Estado”, como se fosse um evento promovido por eles. Essa situação foi muito difícil de ser contornada. Na abertura, Olívio e Tarso Genro (prefeito da Capital na época) falaram, e não foi fácil negociar com eles - mais com Olívio do que com Tarso -, para que eles aceitassem ser como qualquer outro participante. E o encerramento foi nosso, só havia representantes da sociedade civil, Olívio não se pronunciou. Isso foi melhorando. Lula dizia: “Garantam que o Fórum é de vocês, não deixem que nenhum partido aparelhe esse troço”.
JC - O que o senhor achou da participação da presidente Dilma no Fórum?
Grzybowski - Lula costumava vir aqui e em Davos também. Dilma já deixou claro que fez uma opção, priorizou o nosso fórum, o que mostra que ela está do nosso lado. É claro que para o governante é uma questão difícil, sempre vai querer conciliar o maior número possível de acontecimentos. Mas o Fórum Social nasceu em oposição a Davos, então, o fato de comparecer aos dois faz com que não haja posicionamento contra o neoliberalismo, a postura é de centro, de indecisão. O discurso da Dilma é bem mais claro quanto à agenda neoliberal.
JC - Mas na parte ambiental ela foi bastante criticada?
Grzybowski - Esse é o ‘calcanhar de Aquiles’ do governo, mantém uma agenda muito mais voltada para o social, de políticas inclusivas, e condicionada ao crescimento do País. Isso é dramático, porque não é sustentável, o crescimento é destruidor e é, por si mesmo, criador de desigualdade. Os R$ 12 bilhões gastos no programa Brasil Sem Miséria não fazem frente aos R$ 120 bilhões gastos para financiar o agronegócio. E 90% dos miseráveis no Brasil são encontrados em torno de grandes produções de soja, cana, café etc., todos em volta do agronegócio e alojados em áreas que não são úteis. Então, estamos estancando o problema, mas nunca vamos resolvê-lo. O sistema é feito para criar miseráveis e destruição ambiental. Deveria ser voltado para a distribuição de ativos e não distribuir as sobras do crescimento. Enquanto não se tocar na propriedade nesse País, não resolveremos nosso problema estrutural de desigualdade.
JC - Além de críticas a temas como Código Florestal, houve descrença em relação à Rio +20.
Grzybowski - O Fórum surge com a questão social. Nesse sentido, todos os problemas podiam ser inseridos, como o ambiental. Mas fomos perdendo a presença de ambientalistas porque, em função da crise ambiental, eles decidiram agir mais pragmaticamente, já que o Fórum é um espaço voltado à discussão e à reflexão. O Fórum acabou ficando mais ligado à justiça social e deixou de lado a justiça ambiental. A Conferência (Rio +20) é um fracasso anunciado, pela conjuntura de crise e eleições. A questão ambiental não está na agenda dos grandes líderes, eles não querem saber, alguns até desconfiam se existe um câmbio climático. O Brasil pode fazer a diferença e servir de exemplo na Conferência, mas não sei se fará com esse discurso atual da Dilma (associar o crescimento à sustentabilidade).
JC - E isso foi cobrado na reunião fechada das lideranças do Fórum com Dilma?
Grzybowski - Escolhemos seis representantes de diferentes áreas e ela respondeu a perguntas. Quem associou melhor a questão da Conferência no Rio foi o João Pedro Stédile (líder do MST): citou o Código Florestal, os índios do Mato Grosso que estão sendo exterminados, e cobrou decisões do governo para acabar com isso e mostrar um posicionamento do Brasil, com exemplos, na Rio+20. Ela foi clara em relação ao Código Florestal: disse que os ruralistas não vão levar essa, que não serão eles os vitoriosos.
JC - O senhor fez uma crítica à pulverização das atividades neste Fórum Temático. Por quê?
Grzybowski - Além de ser descentralizado em Porto Alegre, temos que lidar com São Leopoldo, Novo Hamburgo e Canoas. Isso tem um lado bom, mas talvez os eventos (em outros municípios) pudessem ocorrer previamente, alguns dias antes, para que depois as atividades fossem concentradas em um só lugar. Mesmo em Porto Alegre, o deslocamento de uma parte a outra não permite que se participe de mais de um debate por dia. As pessoas preparam sua programação, mas ela acaba se bagunçando, como foi o caso com a chegada da Dilma (que falou no Gigantinho e não no Centro). Agora, por exemplo, o espaço da Ufrgs (onde ocorreram várias atividades) poderia ter sido mais bem utilizado. É claro que estávamos pensando em um Fórum Temático, de dimensões menores, mas ele acabou extrapolando esses limites.
JC - Há uma discussão sobre mudanças na organização?
Grzybowski - Estamos pensando em fazer um “Fórum dos Fóruns” e reunir todos que já organizaram - fóruns regionais, nacionais, continentais - para discutir esses problemas: que avanços em termos de cultura política estamos tendo com o FSM nesses anos? A dinâmica do Fórum é diferente em cada lugar, seria interessante aprender uns com os outros.
JC - Quando será o encontro?
Grzybowski - Deve acontecer no segundo semestre, na Galícia (Espanha), para avaliar o que é e o que não é interessante fazer. Temos o princípio da auto-organização, porque se for organizado por um pequeno grupo, não dá conta da diversidade. Entretanto, deveríamos condicionar que qualquer atividade auto-organizada fosse ligada ao tema central do Fórum. Agora, por exemplo, quilombolas,  centrais sindicais, teriam de vincular suas programações com o meio ambiente. Assim se tornam debates em comum e têm tudo a ver.
JC - Até porque o encontro dos ativistas é um dos legados do Fórum, a formação de redes...
Grzybowski - Esse é o grande legado do Fórum e sempre acontece. Se o evento acabar, levaremos anos para criar algo parecido. O FSM é o berço de redes mundiais. Mas isso poderia ser mais efetivo. Aqui, tivemos problemas de logística - salas com equipamento, mas sem tradutor, por exemplo. Isso não pode mais acontecer. Temos que estabelecer um código para que tudo funcione. No Fórum de Dacar (Senegal), onde existe a maior universidade do Oeste da África, o reitor não dispensou os alunos durante o Fórum. Era período letivo, as salas estavam todas ocupadas, ficamos sem espaço. Com a confusão, precisamos de dois dias para arrumar o evento, que acabou acontecendo por causa da vontade dos participantes.
JC - E a itinerância do FSM?
Grzybowski - Para as grandes empresas, qualquer lugar é fácil para se reunir, são 2 mil que controlam todo o mundo. Em Davos, cada um paga dezenas de milhares de dólares para participar. É um encontro de multinacionais, alguns chefes de Estado comprometidos com isso e a grande mídia. Nós, que desejamos debater a cidadania, somos os outros 99%, temos uma capacidade limitada (de recursos). Então, a ideia de o Fórum se movimentar faz com que haja a renovação de cerca de 90% do público a cada lugar. Mesmo no Brasil, quando fomos a Belém (PA), era outro Fórum, muito diferente. Isso deve ser mantido - isso não quer dizer que não pode ser sediado mais de uma vez no mesmo local -, a ideia de rodar o mundo tem um papel a cumprir.
JC - O modelo é de um evento centralizado em anos ímpares e vários descentralizados nos anos pares. Porto Alegre vai sediar em todos os anos pares?
Grzybowski - Porto Alegre é uma referência quando se trata do FSM. Defendi o Fórum Temático aqui a cada dois anos. Agora a demanda é para que em 2013 (a edição mundial) seja realizada novamente aqui (como em 2001, 2002, 2003 e 2005). Mas na medida em que o evento se mundializou, já não temos o controle de todas as decisões. Temos uma influência, somos uma referência moral (os fundadores Oded Grajew, Cândido Grzybowski, Sérgio Haddad, Francisco Whitaker), mas o fato é que somos um pequeno grupo dentro do Conselho Internacional.
JC - Onde será o FSM centralizado de 2013?
Grzybowski - Em termos simbólicos, seria o momento de os “conquistados” salvarem a Europa; ou seja, fazer lá mas não deixar para os europeus e sim nós organizarmos, enquanto Conselho Internacional. Isso não é fácil, porque os europeus têm uma dificuldade em aceitar isso. Apareceram as candidaturas de Barcelona, da Galícia, de Turim (Itália). A outra opção seria no mundo árabe. Em princípio ficou estabelecido o Cairo (Egito), mas existem problemas pela configuração política atual. Uma das propostas é adiar o evento ou passar para a Tunísia, onde o movimento social é mais organizado. Também apresentou-se Porto Alegre - com o apoio do prefeito José Fortunati (PDT) e do governador Tarso Genro (PT). Mas é quase impossível o Conselho aceitar a candidatura de Porto Alegre.

Perfil

Filho de agricultores de origem polonesa, Cândido Grzybowski, 66 anos, é natural de Erechim (RS). Depois de estudar no seminário, formou-se em Filosofia pela Unijuí, onde iniciou sua atividade política como presidente do DCE. Participou de diversos grupos de organização popular, sindical e de trabalhadores rurais. Mudou-se para o Rio de Janeiro para fazer mestrado em Educação na PUC-RJ. Preso durante o regime militar, decidiu partir para a França, em 1975, onde ficou até a Anistia. No período, fez doutorado em Sociologia do Desenvolvimento, na Sorbonne. No retorno ao Brasil, foi convidado a trabalhar como professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). Em 1981, filiou-se ao PT. Paralelamente, colaborava com o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). Assumiu o comando do Ibase no início dos anos 1990, no lugar de Herbert de Souza (Betinho), e deixou a FGV e o PT. Depois, cursou pós-doutorado em Desenvolvimento Econômico e Social, na Universidade de Londres. No começo dos anos 2000, com outros representantes de entidades da sociedade civil, organizou o Fórum Social Mundial, do qual sempre foi integrante do Conselho Internacional.
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