As chuvas registradas no Rio Grande do Sul entre a sexta-feira e a
madrugada de domingo não foram suficientes para reverter as perdas
agrícolas. Produtores rurais de diversas regiões indicam que a
precipitação foi pequena e irregular. Dados da MetSul e da Emater
corroboram a percepção de que a chuva foi insuficiente, sobretudo na
Metade Sul e na região Noroeste.
Segundo o gerente regional da
Emater em Ijuí, Antônio Altíssimo, apenas a continuidade na precipitação
conseguiria estancar a quebra nas safras de grãos, mas ainda no sábado
parou de chover. “Na região de Ijuí a Emater centraliza dados de 47
municípios. Nessa região, 30% das cidades sequer registraram
precipitação no final de semana. Em 20% dos municípios a chuva foi
melhor, variou entre 70 e 80 milímetros, mas na metade da região a chuva
ficou entre 10 e 30 milímetros. Com isso, as estimativas de perdas
permanecem e devem aumentar se não chover mais”, detalhou ele.
Segundo
a Emater, a quebra na safra de milho chega a 60% e na lavoura de soja, a
40%. A produção de leite também foi reduzida em 40%. Na região central
do Estado, as chuvas foram pontuais e muito ruins. Na região do
Durasnal, em Cachoeira do Sul, a precipitação que chegou a 50 milímetros
em alguns pontos, foi de apenas dois sobre grande parte das lavouras de
soja. A média não ultrapassou 20 milímetros.
Cenário semelhante
ocorreu em Bagé. “Choveu cinco milímetros em um ponto, dez em outro, mas
em nenhum ultrapassou 20 milímetros. Essa chuva não resolve os
problemas do campo”, apontou o produtor rural Élio Coradini. Segundo o
Departamento de Água e Esgotos de Bagé, o déficit pluviométrico no
município é de 1,24 mil milímetros.
Eugênio Hackbart, diretor da
MetSul Meteorologia, diz que a chuva do final de semana foi resultado de
um corredor de umidade que se deslocava do norte da Argentina para o
Litoral gaúcho, sobre a Metade Norte do Estado. Sobre a região de Santa
Maria e o Sul do Rio Grande do Sul, uma massa de ar frio estacionária
evitou que chovesse forte.
“Na estação meteorológica de São
Leopoldo choveu 75,6 milímetros entre a sexta-feira e a madrugada de
domingo, o que elevou o acumulado de janeiro a 117,8 milímetros, volume
ainda abaixo da média histórica, que é de 138,1 milímetros”, disse. O
meteorologista afirmou que desde o início da estiagem, em 27 de outubro,
o esperado (de acordo com a média histórica) era de 307,1 milímetros
até 12 de janeiro. Porém, nesse período as chuvas somaram apenas 94,2
milímetros, um déficit pluviométrico de 212,9 milímetros. “Com a chuva
desse final de semana, o déficit baixou para 137,3 milímetros, mas ainda
é significativo”, afirmou.
As chuvas foram mais intensas nas
áreas mais próximas ao Litoral Norte. Segundo Hackbart, em Campo Bom a
precipitação chegou a 220 milímetros e, nas nascentes do Rio dos Sinos,
foram registrados 300 milímetros.
Tarso Genro anuncia
liberação de R$ 54 milhões para combater os efeitos da estiagem
A
soma dos recursos anunciados no sábado pelo governador Tarso Genro para
ações emergenciais de combate aos efeitos da seca e para medidas
preventivas é de R$ 54,42 milhões. Este valor é composto por R$ 28
milhões repassados pelo governo federal e R$ 26,4 milhões de recursos do
Estado. O anúncio foi feito em Jóia, na região Noroeste Colonial do
Estado, depois que o chefe do executivo viu de perto os efeitos da falta
de chuva.
O titular da Casa Civil, secretário Carlos Pestana,
que acompanhou a delegação composta pelo governador e pelos ministros da
Integração Nacional, Fernando Bezerra, da Agricultura, Mendes Ribeiro
Filho, e do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence, detalhou que parte
da verba federal já está nos cofres gaúchos. Segundo ele, são R$ 18
milhões que, a partir de hoje, estarão disponíveis para repasses às 300
prefeituras atingidas pela seca.
Tarso, que viajou acompanhado
por alguns dos secretários de Estado, visitou a lavoura de milho do
pequeno produtor João Onofre da Silva, que teve perda total na área de
seis hectares. Em um ato na Câmara de Vereadores de Jóia, Tarso afirmou
que o governo do Estado irá tomar medidas emergenciais “para que não
haja um abatimento moral dos produtores”. Segundo ele, as medidas
abrangem a aquisição de milho ao preço de R$ 18,00 o saco, no Mato
Grosso, o subsídio do transporte do produto (considerando o preço de R$
24,00 que está sendo praticado no Rio Grande do Sul) e uma série de
medidas que devem ser anunciadas nessa semana. “Vamos buscar a
recuperação produtiva das regiões atingidas”, disse, ao detalhar que os
anúncios devem incluir “a questão das sementes e outras ações mais
complexas”.
Ao final da reunião em Jóia, o governador assinou
vários decretos. O Palácio Piratini detalhou que um deles autoriza a
transferência de recursos no valor de R$ 40 milhões aos municípios em
situação de emergência e que outra medida inclui mais 137 municípios
gaúchos nesta situação. Na ocasião também foi anunciado o investimento
de R$ 5 milhões da Secretaria de Habitação e Saneamento na extensão de
redes de água, compra de bombas para poços artesianos e reservatórios
nos municípios atingidos pela estiagem. Por fim, comunicou ao prefeito
Jânio Andreatta e lideranças locais a transferência de R$ 51,9 mil ao
município de Joia.
Para o ministro Mendes Ribeiro Filho, “o
produtor não deve deixar de plantar, apesar da estiagem, pois o governo
vai dar todo o apoio à agricultura”. O ministro da Integração Nacional
afirmou que irá incluir as áreas de estiagem recorrente no Estado no
Programa Água para Todos (originalmente voltado aos territórios do
semiárido nordestino), já Afonso Florence disse que o Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA) vai garantir trigo e milho para nutrição
animal para os agricultores que não possuem seguro. “A presidente Dilma
já garantiu um tratamento diferenciado do Rio Grande do Sul frente ao
problema da seca”, afirmou.
Entre as medidas anunciadas pelo MDA
está a prorrogação das dívidas dos agricultores afetados pela estiagem.
Segundo dados do ministério, atualmente o Seguro Agrícola cobre mais de
85% do crédito de custeio no Sul do País, incluindo o Banco do Brasil e
instituições privadas. Na próxima sexta-feira, um novo encontro será
realizado no Palácio Piratini. Participarão técnicos dos três
ministérios e de órgãos do governo do Estado, juntamente com
representantes dos produtores, para tratar das medidas a serem adotadas
para o enfrentamento da estiagem.
Produtores comemoram ganhos com irrigação
Rafael Vigna
Em mais um período crítico para o agronegócio gaúcho, pequenos e
grandes produtores rurais que venceram antigos receios e apostaram na
irrigação observam os efeitos de uma nova estiagem no Rio Grande do Sul
com outros olhos. Enquanto vizinhos de cerca contabilizam perdas com a
escassez de chuva que durou mais de 50 dias em alguns munícipios,
agricultores de diferentes regiões comemoram a produtividade e a
qualidade da safra colhida em parcelas da propriedade protegidas contra a
seca.
Em Três de Maio, no Noroeste gaúcho, Celso Weimer
terminou na quarta-feira passada a colheita de seus 18 hectares de
milho, uma das culturas mais afetadas até o momento no Estado, e
registrou média de 154 sacas por hectare. O segredo para manter a
produtividade em alta está na construção de uma barragem e na compra de
um pivô móvel que pode ser transportado para prover água a cerca de 30
hectares de três propriedades rurais.
O investimento não foi
baixo e teve de ser realizado por três sócios, que adiaram o sonho de
adquirir novas máquinas agrícolas e usaram a linha do governo federal
Mais Alimentos para financiar os R$ 127 mil necessários para a compra da
estrutura. Além disso, foi preciso desembolsar mais R$ 2 mil para
cobrir 20% do valor de construção do reservatório. Os 80% restantes
foram pagos pelo Estado, via Programa Pró Irriga, em 2009.
O
resultado, segundo Weimer, um dos primeiros a implantar um sistema de
abastecimento artificial no munícipio, há dois anos, foi a segurança e a
garantia de safra, independentemente das condições do tempo. “É preciso
aprender a trabalhar com irrigação. Chegamos a nos assustar. Achamos
que tínhamos feito um baita investimento e com o calor e o tamanho da
estiagem não teríamos o retorno necessário. Existem propriedades que
perderam tudo. Mas no final, o investimento pesado compensou. E muito”,
celebra.
O agricultor ainda possui 80 hectares não irrigados. Na
safra recorde de 2011, a média de colheita foi de 90 sacas por hectare.
No entanto, na área irrigada, ele alega ter colhido mais do que o
dobro, com 184 sacas por hectare. Weimer diz que os custos de produção
de uma área irrigada chegam a ser 30% maiores, mas os lucros da colheita
são, em geral, 50% superiores aos registrados em campos sem
abastecimento artificial.
“Aprendi a lição com a seca de 2005.
Na área irrigada, apesar de mais cara, é possível calcular o retorno
exato de todo o investimento, sem perdas, pois se trabalha com uma sobra
para salvar a plantação. Neste ano, não foi possível colher o esperado,
mas salvei a minha safra”, comemora o pequeno agricultor.
Na
outra ponta do agronegócio, os grandes produtores também colhem os
frutos da prevenção. Proprietário de 3,1 mil hectares de terras em
Panambi, Jorge Strobel já desembolsou muito em sistemas de irrigação,
entre R$ 6 mil e R$ 7 mil por hectare, sem os custos de perfuração de
reservatórios de água. Hoje com mais de 10% da propriedade irrigada, o
equivalente a 350 hectares (em 2012, 140 hectares de soja e 210 hectares
de milho), ele não perde o sono e, mesmo com o agravamento da seca nas
primeiras semanas de janeiro, não interrompe as férias com a família no
Litoral Norte.
Strobel acredita em perdas superiores a 80% no
milho de sequeiro e não confia em uma média muito maior do que 60 sacas
por hectare. Nas áreas irrigadas, espera compensar as baixas e
consolidar a média de 200 sacas, sem previsão de quebra para este ano.
“O atual momento do agronegócio no Estado é uma catástrofe geral. O
ideal seria ter mais área irrigada. Na verdade, isso demanda muitos
recursos. Mas compensa. É mais uma ferramenta de precaução e uma
salvação. Hoje a irrigação agrícola é o que nos dá o suporte”, afirma o
agricultor que chama a atenção para a necessidade de melhores
modalidades de seguros para as lavouras. Entretanto, revela não possuir
um hectare sequer segurado nas safras de verão. “Posso dizer que utilizo
a irrigação como uma forma de seguro agrícola”, conclui.
Strobel
explica que começou a investir em irrigação em 2005, com a compra de um
pivô de 94 hectares de cobertura. Desde então, ele vem ampliando,
sistematicamente, a área protegida, sempre aproveitando programas de
incentivo. No ano passado, completou o que faltava para garantir os 10%
de área irrigada apenas com recursos próprios. Ao todo, Strobel calcula
ter desembolsado cerca de R$ 2,45 milhões em cinco anos. O único
arrependimento, segundo o produtor, é não ter iniciado antes.
Pasto
e milho irrigados sustentam índices do gado
Em sua pequena
propriedade localizada em Senador Salgado Filho, Oto Rudi Tampke percebe
na prática o que estudos científicos defendem há pelo menos dois anos: o
pasto irrigado e com incidência de sol apresenta melhor desenvolvimento
do que em áreas desprovidas de abastecimento de água artificial. No
primeiro ano de funcionamento do sistema de aspersão nos 4,5 hectares de
grama tipo tífton, o agricultor considera concluído o objetivo
principal do investimento de R$ 40 mil - em financiamento total de
infraestrutura, bomba, energia e perfuração de açude -, que ainda é
utilizado em mais cinco hectares de milho.
“A preocupação maior
era abastecer a pastagem para o gado leiteiro. Como a irrigação passava
pela área do milho, já aproveitei para cobrir a canalização”, conta o
produtor que depende de 30 vacas leiteiras para o sustento da família.
Segundo Tampke, a produção média de 700 litros de leite por dia, em
novembro, aumentou no final de dezembro para 780 litros diários, apesar
do agravamento da seca no período. “Por enquanto estou faceiro mesmo.
Não com a seca, mas pelo fato de ter me protegido antes. Sem um sistema
de irrigação, nem as vacas leiteiras eu conseguiria manter. Se tiver
algum tipo de sobra nesta época de seca vou passar a pensar em ampliar a
área irrigada da propriedade nos próximos anos”, revela.
Em
Panambi, o produtor rural Jorge Strobel, que, além da agricultura, cria
cerca de 500 cabeças de gado leiteiro, diz não ter registrado nenhum
tipo de déficit na produção diária que chega a 15 mil litros. Ele
credita essa manutenção dos índices ao fato de destinar 60% da plantação
de milho irrigado à silagem das vacas. “Mesmo que se possa aproveitar
as quebras da seca para a silagem, plantamos milho próprio para não
comprometer o alimento e, por consequência, a qualidade e a capacidade
produtiva do gado”, destaca.(RV)