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LEGALIDADE - 50 ANOS

- Publicada em 26 de Agosto de 2011 às 00:00

Militares da base aérea de Canoas impediram bombardeio ao Piratini


MARCO QUINTANA/JC
Jornal do Comércio
O major Cassiano Pereira segurava o coldre de sua arma na cintura, vermelho de raiva. Tinha acabado de ouvir do suboficial Caetano Vasto que não iria haver bombardeio ao Palácio Piratini.
O major Cassiano Pereira segurava o coldre de sua arma na cintura, vermelho de raiva. Tinha acabado de ouvir do suboficial Caetano Vasto que não iria haver bombardeio ao Palácio Piratini.
Era uma segunda-feira, 28 de agosto de 1961, e, apesar do rigoroso inverno, a base aérea de Canoas fervilhava. Doze caças estavam a postos, municiados com uma bomba de 130 quilos em cada asa.
Dependiam apenas de uma ordem para decolar e despejar a carga sobre a sede do governo gaúcho e sobre as pontes do rio Guaíba e do rio Gravataí. O comando veio direto de Brasília, via rádio, em mensagem codificada. Mas esbarrou na determinação de Caetano Vasto e de um grupo de sargentos e suboficiais da Aeronáutica.
Enquanto os ministros militares tramavam para barrar a posse do vice-presidente João Goulart, que estava em viagem oficial à China, Vasto e seus colegas agiam para impedir uma guerra no Rio Grande do Sul.
Com a renúncia de Jânio Quadros no dia 25 de agosto de 1961, o governador Leonel Brizola liderava um levante popular contra a tentativa de golpe de Estado em curso pelos chefes das três armas.
O caudilho mobilizou a Brigada Militar, fez erguerem barricadas na Praça da Matriz e ordenou que fossem colocadas metralhadoras antiaéreas no terraço do Palácio Piratini. Brizola queria estar preparado para o caso de um ataque aéreo.
E o ataque só não aconteceu porque Vasto - o suboficial mais antigo em atividade no local - e cerca de 25 sargentos se negaram a acatar a determinação do comando. “Desobedecemos a uma ordem superior. Mas eles iriam desobedecer a outra muito maior: a Constituição”, observa, aos 84 anos, o militar, que, à época, trabalhava na seção de equipamentos do esquadrão de caça.
Vasto lembra que, já no domingo 27 de agosto, dois dias após a renúncia de Jânio, 12 dos 16 aviões da base foram equipados com bombas e estavam preparados para levantar voo. E no dia 28 veio a ordem para que os caças decolassem.
Vasto reuniu seus subordinados e disse: “Vocês sabem que esses aviões estão prontos para uma guerra”. De imediato, todos concordaram em resistir à ordem de bombardeio.
Logo após a posição dos sargentos chegar ao comandante do esquadrão de caça, major Cassiano Pereira, soou uma sirene e a voz que saía do alto-falante exigia a presença imediata dos subordinados no hangar da base.
De frente com seu superior, Vasto disse: “Comandante, sabemos que o senhor tem ordens para bombardear o Palácio Piratini e não iremos permitir que isso aconteça”.
Furioso com o desacato do suboficial, o major bradou: “Isso é uma ordem! E ordem se cumpre!”. Ao que Vasto rebateu, certeiro: “Não. Essa ordem não se cumpre”.
Iracundo, o major colocou a mão no coldre de sua arma, pronto para puxá-la. E um oficial que estava ao seu lado apontou uma metralhadora Thompson de calibre 45 na direção de Vasto. “Vamos chumbar o dente do sub”, ameaçou.
Vasto e seus colegas estavam desarmados, sem condições de reagir ao ataque iminente. Foi então que um grupo de sargentos da infantaria e de outras subunidades da base entrou no hangar e debelou o comandante e o oficial. “Aqueles segundos foram uma eternidade”, recorda Vasto, com os olhos fechados e a mão na testa, visivelmente abalado pela intensidade das lembranças.
Com o comandante do esquadrão de caça entrincheirado em sua sala, Vasto e os sargentos organizaram o boicote ao ataque. A solução encontrada foi esvaziar os pneus dos aviões.
“Tiramos 20% do ar em cada pneu e os caças ficaram rengos. Aí conseguimos dormir tranquilos”, conta o militar. E, para evitar que enchessem as rodas, os sargentos providenciaram a “perda” das chaves que davam acesso ao gerador responsável por ativar a bomba que enche os pneus.
Ao recordar tudo o que aconteceu, Vasto percebe que cometeu uma loucura. “Poderia ter levado um balaço. Mas não podia permitir que se derramasse o sangue dos nossos irmãos brasileiros”, comenta.
Na prática, iria sofrer as consequências de sua atuação em 1961 após o golpe deflagrado em abril de 1964. Marcado como um militar “legalista”, foi convidado a passar para a reserva em 1968. “Um oficial amigo meu disse que era melhor eu ir para a casa antes que me acontecesse alguma coisa”, lembra.
Prestes a completar 85 anos, em 2 de setembro, Vasto ainda empunha uma última batalha: a luta pelas promoções a que tem direito. Militar reformado como suboficial, ele busca a graduação que lhe foi negada. Poderia, como muitos de seus colegas da época, chegar a major ou tenente-coronel.
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