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Coluna

- Publicada em 03 de Maio de 2011 às 00:00

Pina Bausch para além do céu e da terra


Jornal do Comércio
O melhor da temporada de 2011 nas artes cênicas certamente aconteceu nesta Páscoa: o espetáculo do grupo de dança de Wuppertal, de Pina Bausch, mesmo que sem ela, por sua morte prematura há dois anos, no palco do Teatro do Sesi. Certamente, foi dessas raras vezes em que aquele espaço cênico pode mostrar toda a sua capacidade para um grande espetáculo, grande mesmo, com dois atos de mais de hora, que para alguns se tornou, se não tedioso (impossível), cansativo. Mas, como alguém já disse, as coreografias de Pina Bausch são tão exuberantes que a gente só consegue começar a senti-las e usufruí-las no dia seguinte.
O melhor da temporada de 2011 nas artes cênicas certamente aconteceu nesta Páscoa: o espetáculo do grupo de dança de Wuppertal, de Pina Bausch, mesmo que sem ela, por sua morte prematura há dois anos, no palco do Teatro do Sesi. Certamente, foi dessas raras vezes em que aquele espaço cênico pode mostrar toda a sua capacidade para um grande espetáculo, grande mesmo, com dois atos de mais de hora, que para alguns se tornou, se não tedioso (impossível), cansativo. Mas, como alguém já disse, as coreografias de Pina Bausch são tão exuberantes que a gente só consegue começar a senti-las e usufruí-las no dia seguinte.
Ten Chi, que quer dizer “Céu e terra”, é a última da série de seis peças que Pina idealizou, desde 1989, completadas em 2004, sendo a primeira Palermo, Palermo, e uma delas dedicada ao Brasil (Água, de 2001).
Quando se abre a cortina, o choque é imediato: é como se uma baleia estivesse esquartejada: sua longa cauda – aquela imagem pseudamente comum de quando a baleia mergulha - em primeiro plano, à direita, enorme, se projeta sobre a plateia. Ao fundo, no centro, barbatanas, e na esquerda, num plano central, parte do dorso, quase uma ilha. O contexto é dado imediatamente pelo cenário de Peter Pabst, responsável por todas as ambientações dessas obras de Bausch. Pina Bausch vai falar daquele Japão que mata baleias e afronta o mundo. De fato, este Japão moderno, violento e incongruente aparece em vários momentos como, por exemplo, um ator-bailarino passa a mencionar marcas de aparelhos eletroeletrônicos fabricados pelo país, com forte acento irônico. Ou então, quando uma bailarina (Metschild Grassmann) passa a “soletrar” com diferentes acentos palavras comuns do idioma japonês, como “sushi”, “samurai”, “gueixa”, e assim por diante, provocando risadas em todos.
Pina Bausch deve ter-se divertido imensamente ao idealizar pedaço a pedaço este trabalho. Porque se deve dizer, desde logo, que Ten Chi é tipicamente pós-modernista na sua fragmentação, no seu aparente desconjunto: parece que nada tem a ver com nada. Que tudo é sem sentido. Que estamos trabalhando com lugares-comuns, visões externas de um país que a gente não pode compreender por ter apenas passado por ali. E é provável que isso seja verdade. Mas também é verdade que o olhar “de um outro”, estrangeiro, às vezes é mais revelador. E o que Pina Bausch mostra é justamente esta realidade de contrastes: a abertura, por exemplo, é eloquente, com um solo que remete à música e à dança tradicional do país das cerejeiras. Depois, desfilam quadros dos mais diversos: em todos sempre brilha a disciplina, a unidade coreográfica e o rigor do gesto. Nada demais, nada de menos. O bailarino é também ator. Dominique Mercy, o francês que hoje, ao lado de Robert Sturm, responde pela companhia, aproxima-se da boca de cena e pergunta ao público: você sabe roncar? E imita o ronco. Mais adiante, Nazareth Panadero, que desenvolvera um solo extraordinário, também se aproxima do público e passa a contar os dedos das mãos de alguns espectadores.
A mineira Regina Advento se diverte, numa primeira entrada, num traje negro que é desfeito pelo partner. Mais adiante, ela relata como foi a um cinema vazio e senta “na frente” do único espectador. Os ritmos são variados, dizem que mais de 16 diferentes fontes, além de textos literários, alguns em sofrível e esforçado português, outros em inglês. Os figurinos de Marion Cito misturam a tradição nipônica com o traje ocidental, do esportivo ao social e até mesmo o íntimo: tudo cabe na cena imensa da grande comédia da vida humana que Pina Bausch retrata. O mais fantástico, contudo, é a chuva de flores de cerejeira ou neve que cai a partir da metade do primeiro ato, perdura durante todo o intervalo e segue pelo segundo ato inteiro. O chão branco permite novos jogos que encantam e deliciam a plateia. Como ver tudo de uma só vez? Impossível: como refere Mercy, por enquanto a gente não ronca, mas sonha. E se delicia com as loucuras mágicas desta extraordinária criadora.
A esperar, por isso mesmo, obrigatoriamente, o filme de Wim Wenders que acaba de estrear em Paris, Pina Bausch. Será imperdível, como ela e sua obra.
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