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Entrevista

- Publicada em 02 de Maio de 2011 às 00:00

Da revolução verde aos novos desafios do campo


ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO/JC
Jornal do Comércio
Em menos de 40 anos, o Brasil se transformou e deixou de ser um país altamente importador de alimentos para figurar como um dos grandes exportadores do mundo. Essa mudança deveu-se principalmente a investimentos na área de pesquisa agrária, gerando técnicas e produtos que possibilitaram o desenvolvimento da agricultura em biomas tropicais. Uma das testemunhas que esteve ligada a esse processo de transformação é o engenheiro-agrônomo Alysson Paolinelli, ministro da Agricultura durante o governo de Ernesto Geisel, entre 1974 e 1979. Na sexta-feira, ele esteve no município de Restinga Seca, onde realizou uma aula inaugural de MBA na Antonio Meneghetti Faculdade.
Em menos de 40 anos, o Brasil se transformou e deixou de ser um país altamente importador de alimentos para figurar como um dos grandes exportadores do mundo. Essa mudança deveu-se principalmente a investimentos na área de pesquisa agrária, gerando técnicas e produtos que possibilitaram o desenvolvimento da agricultura em biomas tropicais. Uma das testemunhas que esteve ligada a esse processo de transformação é o engenheiro-agrônomo Alysson Paolinelli, ministro da Agricultura durante o governo de Ernesto Geisel, entre 1974 e 1979. Na sexta-feira, ele esteve no município de Restinga Seca, onde realizou uma aula inaugural de MBA na Antonio Meneghetti Faculdade.
Paolinelli (que até 2005 assinava como Paulinelli, mas mudou a grafia ao receber a cidadania italiana) falou ao Jornal do Comércio com a experiência de quem foi precursor da Revolução Verde no Brasil. O ex-ministro criou uma agência para integrar todas as entidades de ensino e de pesquisa agrícolas de Minas Gerais. Em seu trabalho junto às universidades, incentivou a colaboração entre academia e os agricultores por melhores práticas. No final de 2006, recebeu, nos Estados Unidos, o World Food Prize, prêmio considerado Nobel da área de Alimentação. Nesta entrevista, Paolinelli desvenda os motivos da transformação agrícola do País e quais os desafios atuais do setor primário.
Jornal do Comércio - Como era a situação da agropecuária brasileira na época em que o senhor assumiu o Ministério da Agricultura?
Alysson Paolinelli - Em 1974 estávamos muito longe de ser grandes exportadores de alimento. Pelo contrário, no início da década de 1970 o Brasil ainda era um dos maiores importadores do mundo. Nós tínhamos problemas sérios de alimentação, uma situação vivida por quase todos os países tropicais. Pela falta de conhecimentos e de tecnologias que permitissem o uso de nossos recursos naturais, nós ficávamos relegados a uma posição de receptores de "sobras" internacionais, ou então pagávamos um preço muito caro por aquilo que não sabíamos fazer, que é produzir bem e barato. Naquela época, quase a metade da renda média familiar era consumida apenas em alimentação. Também enfrentávamos uma crise de desabastecimento, causada pela urbanização repentina do País, além da primeira grande crise do petróleo, que elevou o preço de um barril de US$ 3,00 para US$ 11,00. Em um País que dependia de 80% de petróleo importado para seu consumo, isso acabou com toda a liquidez da nossas contas que ainda eram sustentadas pela exportação praticamente apenas de café.
JC - Qual foi a chave para a mudança do perfil do setor primário brasileiro?
Paolinelli - Não tenho dúvidas de que foi a busca pela ciência, tecnologia, e inovação que nos possibilitou produzir alimentos em biomas tropicais. O grande segredo que o Brasil fez para o mundo foi o grande investimento em pesquisa. Essa foi uma ideia lançada por um gaúcho, o Luiz Fernando Cirne Lima (ministro da Agricultura entre 1969 e 1973), que viu a necessidade de desburocratizar os órgãos públicos, especialmente os relacionados com a pesquisa, e torná-los autônomos do ponto de vista administrativo, técnico e financeiro, para que eles pudessem realizar essa grande tarefa. Foi ele quem criou o primeiro grupo de trabalho daquilo que viria a se tornar a Embrapa.
JC - O ensino de ciências agrárias também era fraco naqueles tempos?
Paolinelli - Naquela época havia um pequeno contingente de profissionais qualificados no setor. Tínhamos apenas 12 escolas de agronomia e nove de veterinária. Mas essas instituições também foram capazes de inovar. Muitos professores que fizeram cursos de pós-graduação fora do País viram o funcionamento de sistemas de ensinamento agrário, como o modelo dos "land grant colleges" americanos. Mas eles voltaram para cá com uma visão mais objetiva, entendendo que não adiantava apenas importar tecnologias de países desenvolvidos, próprias para climas temperados, mas era preciso investir em um maior conhecimento de nossos biomas tropicais a fim de aprender como manejá-los para uma agricultura eficiente. Foi essa visão que fez com que virássemos líderes mundiais do setor primário. Hoje, de importadores de alimentos, os países tropicais são a chave para garantir ao mundo um suprimento adequado de comida.
JC - E hoje, quais são os principais problemas do setor primário brasileiro?
Paolinelli - Os maiores riscos atualmente são provenientes da falta de decisões políticas pelos nossos governantes. Parece que eles se esquecem que o crescimento do Brasil está sendo sustentado pela agricultura, que gera uma exportação de cerca de US$ 70 bilhões por ano. Isso não apenas representa mais de 40% de todas as exportações brasileiras, mas é responsável por um saldo comercial acima de US$ 50 bilhões, algo que os outros segmentos econômicos não conseguem, nem mesmo o de minérios. Apesar disso estamos perdendo instrumentos de política agrícola que aprendemos a manejar e não temos nenhuma decisão em pontos fundamentais.
JC - Que pontos seriam esses?
Paolinelli - Um exemplo é o crédito rural. Desde 2010 existe o projeto ABC (Agricultura de Baixo Carbono), que liberou uma verba de R$ 2 bilhões para reduzir os impactos de emissões geradas pela agricultura, mas ainda não foi usado um único centavo desse recurso. O dinheiro está todo no Bndes, mas não beneficiou nenhum hectare. Isso não pode ser chamado por nenhum outro nome senão incompetência. Outro exemplo dessa burrice é o fato de que um país com uma agricultura forte como o Brasil não tem um seguro rural eficiente. Em 1988 a Constituição brasileira já havia determinado isso, já temos a Lei do Seguro Rural, decretos e regulamentos sobre o assunto, temos a Lei do Fundo de Catástrofe, mas não há decisão política para implementar essas políticas.
JC - O senhor acredita que os interesses dos produtores serão atendidos no novo Código Florestal?
Paolinelli - Essa polêmica com o Código Florestal é outro exemplo de burrice que estamos fazendo. O que necessitamos é dar apoio aos nossos cientistas, às nossas empresas de inovação, para que elas continuem a ajudar no desenvolvimento de nossa agricultura. Não podemos impedir o prosseguimento de nossa revolução agrícola devido a propostas que parecem formadas por "doutores" que ficam em escritórios refrigerados, que não entendem nada do campo, e começam a ditar regras que não têm nada a ver com ciência, penalizando os produtores. O mundo está atrás de nossa tecnologia porque sabe que ela, além de mais eficiente, é a mais capaz de produzir de forma sustentável. Não podemos encerrar esse processo. Temos que continuar investindo em educação agrária, para formar profissionais que continuem fazendo com que tenhamos a agricultura mais competitiva e, ao mesmo tempo, mais conservacionista do mundo.
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