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Entrevista Especial

- Publicada em 08 de Novembro de 2010 às 00:00

Dilma é executiva e também formula, diz Lícia Peres


GABRIELA DI BELLA/JC
Jornal do Comércio
Amiga da presidente eleita Dilma Rousseff (PT) há 35 anos, a socióloga Lícia Peres (PDT) conheceu a ex-ministra quando ambas atuavam na resistência à ditadura militar. Seguiram companheiras na redemocratização, ligadas a Leonel Brizola e ao PDT. Lícia lembra de ambas trabalhando em campanhas políticas, na elaboração de planos de governo. E fala com orgulho da amizade cultivada até hoje.
Amiga da presidente eleita Dilma Rousseff (PT) há 35 anos, a socióloga Lícia Peres (PDT) conheceu a ex-ministra quando ambas atuavam na resistência à ditadura militar. Seguiram companheiras na redemocratização, ligadas a Leonel Brizola e ao PDT. Lícia lembra de ambas trabalhando em campanhas políticas, na elaboração de planos de governo. E fala com orgulho da amizade cultivada até hoje.
Ela avalia que há machismo nas análises que apontam o presidente Lula (PT) guiando a nova chefe do Executivo do País. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Lícia explica por que considera Dilma, além de executiva,  uma formuladora. A pedetista ainda projeta a gestão da futura titular do Planalto, sugerindo que os resultados irão além dos atingidos por Lula. E analisa o momento do seu partido, no Estado e no País.
Jornal do Comércio - Como a senhora acompanhou a ascensão de Dilma, de secretária de Estado a ministra. E depois para a chefia da Casa Civil e a eleição para presidência?
Lícia Peres – Ela ficou ao lado de Lula, pensando o Brasil, os projetos. Dilma é muito inteligente e aprofunda, discute. Então, Lula teve uma grande sacada, intuiu que ali estava a pessoa que poderia dar prosseguimento àquele projeto. E na Casa Civil, ela foi uma influência muito positiva. Dilma formulou os programas, o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Ajudou a pensar o País, a superação da crise - ela é economista. E tem muita capacidade de trabalho.
JC - E o rótulo de ‘técnica’?
Lícia – Ela faz política. É uma excelente técnica, mas tomou posições políticas. Não precisa ser candidato para ser político. Agora mesmo (quarta-feira) ela demonstrou a repulsa à ameaça de lapidar a Sakineh Ashtiani (no Irã). Não saiu pelo multiculturalismo, respondeu: “É inaceitável apedrejar, mutilar, matar.” E antes, ela dava curso de formação política: Trabalhávamos muito esse tema na Ação da Mulher Trabalhista do PDT.
JC - Por falar em PDT, Lula lançou Dilma à presidência da República, já no PT. Mas qual foi a influência de Brizola?
Lícia – A questão da educação, da concepção do ensino integral. Depois ela saiu do partido (PDT), foi para o PT. Mas não era de corrente do PT. Foi ajudar no plano de governo, foi se firmando como uma excelente formuladora, que pensava o Brasil.
JC - Há esse outro rótulo, de executiva competente...
Lícia – Ela não só executa, ela pensa e tem lado. Quando disse que o sonho é fazer deste um país de classe média, o que está dizendo? Sem miseráveis, sem pessoas que não têm casa e passam fome. Dilma é idealista. Jovem arriscou a própria vida, depois pegou anos de cárcere. Ela queria um Brasil mais justo. A vida inteira ela quis um País com justiça social.
JC - E a simbologia de ser a primeira mulher presidente?
Lícia – Nós, mulheres, conquistamos muitas coisas. Fomos votar pela primeira vez em 1934. E quando a Dilma levanta a questão de oportunidades iguais para as mulheres, se compromete para que elas tenham possibilidade de autonomia financeira, de ser estimuladas, apoiadas. Ter uma mulher como presidente da República... Quando acordei no dia 31 e fui no café da manhã para a Dilma, tive uma sensação de que aquele dia ia ficar na história.
JC - O que a senhora espera do governo dela?
Lícia – Primeiro, prosseguimento. O governo Lula, quando todo mundo dizia que a crise ia ser o tsunami, ele enfrentou. E dentro de uma perspectiva também da justiça social, abriu crédito, cortou impostos. A economia estava se movimentando. E criou mais de 14 milhões de empregos formais. Ao mesmo tempo, mais de 30 milhões de brasileiros saíram da linha da miséria. Há muitos anos se dizia que “primeiro tem que crescer para depois dividir o bolo”. E o bolo não era repartido nunca. Aí entrou o Bolsa Família e muita gente criticou. Lembro que o Brizola dizia “a raça entra pela boca”. Nos Cieps, a criança entrava, tomava café e depois ia estudar. A Dilma vai além do governo Lula. Ela tem uma capacidade de análise muito grande. E vai fazer o País avançar, já apresentou propostas. Vai dar continuidade, mas ampliando, colocando a sua marca.
JC - A senhora falou com ela depois da eleição?
Lícia – Só no café da manhã. Depois não porque acho que o que tem de bom na amizade é que a amizade não cobra. Mas ela saiu de uma campanha exaustiva. E sei que cada vez ela terá menos tempo. Eu fico muito feliz, porque é uma vitória para o País, para o povo e para as mulheres brasileiras.
JC - E o seu partido? Como a  avalia o PDT hoje?
Lícia – Quando Brizola morreu (em 2004), chegavam a dizer que tinha acabado o PDT. Mas na eleição de 2004, em que fui candidata a vice do Vieira da Cunha, resolvemos apoiar o (José) Fogaça (PMDB) no segundo turno. E começou essa aproximação com o PMDB. A partir daí, o José Fortunati (PDT) foi o vice (em 2008) e hoje ele é prefeito de Porto Alegre (Fogaça renunciou em março para concorrer ao Piratini). Então, retomamos a prefeitura para um projeto trabalhista.
JC - Como o PDT saiu desta eleição?
Lícia – O PDT manteve a bancada estadual e os deputados federais. Nacionalmente, aumentamos em um terço a bancada federal, que era de 21 e passou para 28 deputados. E assumimos a prefeitura de Porto Alegre, o que é importantíssimo. Então, o PDT tem uma representação maior em nível nacional. E é um partido que está enraizado na política brasileira. Estamos na base aliada do governo Lula. E apoiamos Dilma desde o início, inclusive no Rio Grande do Sul. Tanto que o (presidente estadual do PDT) Romildo (Bolzan Júnior) chamou o Estado inteiro para acompanhá-la. Também fizemos essa tentativa de aliança ao governo do Estado (com Fogaça), que não foi bem-sucedida, não ganhamos. Mas o partido se mantém. E integrará o governo Dilma.
JC - Quando a senhora conheceu Dilma Rousseff?
Lícia - No primeiro semestre de 1975. Ela estava matriculada na Economia e eu nas Ciências Sociais (da Ufrgs). Um dia o Glênio (Peres, marido de Lícia) me deu o recado de que a companheira do (Carlos) Araújo queria falar comigo.
JC - Como foi?
Lícia - Aqui em casa. Telefonou e perguntou se podíamos conversar. Anos antes, ela tinha sido presa pela Operação Bandeirantes e conviveu no cárcere com Therezinha Zerbine. Quando Dilma já morava aqui no Rio Grande do Sul, a Therezinha pediu que ela identificasse uma mulher capaz de organizar o Movimento Feminino pela Anistia no Estado. O primeiro núcleo foi em São Paulo, liderado pela Therezinha. E a Dilma fez a ponte aqui.
JC - Fez o contato.
Lícia - A Dilma trouxe um envelope com o manifesto falando sobre a Anistia, dizendo que era um direito dos brasileiros morar na sua pátria. Em contraponto 0ao “Brasil, ame-o ou deixe-o”, a gente falava: “Lugar de brasileiro é no Brasil”. E a Therezinha queria um movimento feminino, achou que as mulheres tinham um perfil menos agressivo. Quando a Dilma me falou, achei que era possível. Tinha colegas muito atuantes como a Mila Cauduro, a irmã do Brizola, a Quita (Francisca Brizola). Conseguimos um lugar para nos reunirmos na ARI (Associação Riograndense de Imprensa) e fui a escolhida para presidir o grupo. Todas essas informações estão no Arquivo Histórico. Falta memória sobre este período.
JC - Antes de a senhora conhecer Dilma, os maridos Carlos Araújo e Glênio Peres já eram amigos.
Lícia - Glênio já se dava com Araújo do mundo político, da esquerda. Ele me deu o recado e a Dilma veio aqui. Aceitei a presidência do movimento, a gente começou a manter contatos frequentes no campus (da Ufrgs). E fomos tendo afinidade, também em leitura, filmes, fomos nos aproximando. Dilma é muito culta. Ela gosta de música erudita, de ópera, de cinema, lê muito.
JC - Teve afinidades políticas e culturais.
Lícia - Depois, eu e o Glênio fomos ao Uruguai conhecer Brizola. E naquela visita, decidimos ajudar a reinaugurar o trabalhismo. Veio a Anistia e eu e a Dilma trabalhamos para reinaugurar o PTB, hoje PDT. Entramos no mesmo partido, trabalhamos na mesma sala, na assessoria da bancada do PDT na Assembleia Legislativa (nos anos 1980). E trocando livros, indo a concerto...
JC - Em 1985, seu marido, Glênio Peres, se elegeu vice-prefeito de Porto Alegre, com Collares, pelo PDT.
Lícia - Collares era o candidato a prefeito, mas a vice eram quatro nomes no partido. Teve uma disputa acirradíssima. E a Dilma e o Carlos Araújo apoiaram o Glênio. Continuamos amigas. Antes, ela ganhou a (filha) Paula, eu acompanhei. Anos depois viajamos juntas, fomos à Europa, aos Estados Unidos. Por isso eu achava graça quando diziam que ela não entraria nos EUA. Depois, o Glênio adoeceu e a Dilma foi muito presente na minha viuvez. Ele morreu em 1988.
JC - A senhora seguiu em contato com Dilma.
Lícia - Três anos depois fiquei muito doente, tive câncer em 1991, quando estava na presidência do Conselho Estadual da Mulher. Meu filho tinha seis anos. Resolvi me operar em Salvador, onde está toda a minha família. E a Dilma ligava todos os dias para saber notícias. Quando voltei para retomar a minha vida e fazer o resto da quimioterapia, Dilma sempre esteve presente. Ela é de uma solidariedade...
JC - E depois, quando Dilma ficou doente?
Lícia – Fiz contato e me coloquei às ordens. Dilma já estava na Casa Civil. Telefonei para perguntar se ela queria que eu fosse acompanhá-la na quimioterapia. Não foi necessário porque ela estava muito bem acompanhada no Sírio-Libanês. Mas sabia que podia contar comigo.
JC - O ex-deputado Aldo Pinto (PDT) conta que Dilma trabalhou no seu plano de governo para a disputa ao Piratini em 1986. Como era essa atuação nos bastidores?
Lícia – Sempre trabalhamos nos planos de governo. Estávamos superenvolvidas nas campanhas - a Dilma nas do Carlos Araújo, eu nas do Glênio. Ela ainda assumiu a diretoria na Câmara (Municipal), foi secretária da Fazenda de Porto Alegre, secretária de Minas e Energia no governo do Estado.
JC - Há relatos de que Dilma é bastante rígida no trabalho.
Lícia – Não teve nenhum homem criticado por ser exigente. O componente machista dessa campanha foi intraduzível. As pessoas ainda comentavam: “Dilma vai ser marionete do Lula”. Dilma é uma mulher inteligente, culta, politizada. Vai obedecer apenas? Isso é quem acha que as mulheres têm que ser governadas por homens. Mulher não pensa? Não toma decisões? Quem conhece a Dilma sabe que ela é uma mulher que toma decisões, que trabalha bem, que é exigente.
JC - Qual é a sua avaliação da cobertura da imprensa?
Lícia – Teve coisas atrozes, caricaturas. Achei que teve muitos artigos com tentativa de ridicularizar, de desqualificar, de desvalorizar a Dilma. Houve, por parte de grande parte da imprensa, uma má vontade muito grande com a Dilma. Mas ela tem uma capacidade de superar muito grande. Então, o primeiro discurso oficial foi “eu estendo a mão”. “Prefiro uma má crítica a uma imprensa calada.” Ela tem um compromisso com a democracia. Declarou que vai ter uma visão republicana, não vai favorecer só os seus partidários. Vai estabelecer parceria com os municípios e os estados.

Perfil

Lícia Margarida Macedo de Aguiar Peres nasceu em Salvador (BA). Casou-se com o jornalista gaúcho Glênio Peres e veio morar em Porto Alegre em 1964. Socióloga, cursou Ciências Sociais na Ufrgs e iniciou sua militância política no movimento estudantil. Atuante na resistência à ditadura militar, filiou-se ao MDB. Fundou e presidiu o Comitê Feminino pela Anistia no Rio Grande do Sul. Adepta de Leonel Brizola, passou a atuar no PDT após a redemocratização. Participou das campanhas do partido - o marido Glênio se elegeu vice-prefeito de Porto Alegre, com Alceu Collares em 1985. Lícia disputou o mesmo posto, em 2004, com Vieira da Cunha na cabeça de chapa. Neste ano, foi suplente de Germano Rigotto (PMDB), que se candidatou ao Senado, mas não se elegeu. Lícia ainda integrou a comissão do Acervo de Luta contra a Ditadura no Rio Grande do Sul desde sua criação, no início de 2000. Integra os diretórios estadual e nacional do PDT.
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