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Coluna

- Publicada em 13 de Agosto de 2010

A encenação dos sonhos

Nascido em 1970, o londrino Christopher Nolan vem fazendo carreira no cinema americano, o único que, devido a recursos e tecnologias, é aquele que melhor poderia fornecer a ele as oportunidades de concretizar na tela suas ideias de como seria um cinema impulsionado pela fantasia e livre das imposições impostas à imaginação. O cineasta parece empenhado em transformar o cinema dedicado ao público mais amplo num meio de flagrar o processo destinado a configurar na tela ampla aqueles dados que lhe parecem essenciais para compreender o ser humano, principalmente aqueles localizados no inconsciente, região em que se acumulam desejos e fantasias.  Nolan é conhecido do público brasileiro por quatro filmes: Amnésia, Insônia, Batman begins e O cavaleiro das trevas, este último uma obra-prima que só os preconceituosos tentaram diminuir. Ele pratica um cinema que não recusa os grandes recursos proporcionados pela indústria e pela técnica dos efeitos especiais. E se a maioria tivesse seu talento, o cinema certamente não sofreria, como vem sofrendo, esses ataques de uma mediocridade que vê nos truques e nas simplificações a solução para tudo.

A origem
trata de sonhos e de suas ligações com a realidade. Tem por base uma ideia do próprio diretor, que também escreveu o roteiro final. Trata-se, portanto, de um filme de autor. Estamos diante de mais uma prova de que a voz de um criador pode ser ouvida através de uma superprodução. Quando Orson Welles e Alain Resnais realizaram seus primeiros filmes também estavam enfrentando esquemas de produção sólidos e voltados para o mercado exibidor. O primeiro enfrentou depois inúmeras dificuldades, mas mesmo assim deixou sua marca. E o segundo até hoje vem realizando filmes, alguns deles dos mais significativos entre os recentemente produzidos. Nolan procurou mesclar as ousadias de Cidadão Kane, Hiroshima, meu amor, O ano passado em Marienbad com o fascínio que o cinema-espetáculo jamais deixará de exercer. E não apenas isso. Deixa claro em muitas passagens sua paixão pelo cinema através de citações muito bem encenadas. A perda da mulher amada é uma reminiscência de Vertigo, de Alfred Hitchcock, e o filme tem uma longa e bela sequência que descende da cena do levantamento da ponte em Outubro, de Serguei Eisenstein, filme que, em termos formais, também foi uma ousadia em sua época.

Sonhos concretizam desejos, mas o realizador de A origem não se limita a ilustrar uma tese e nem a realizar uma versão ficcional da descoberta freudiana. Exercendo o direito que a fantasia cinematográfica permite ele nem entra em detalhes sobre os métodos empregados pela equipe chefiada por Leonardo DiCaprio para penetrar nos sonhos alheios. Eles assim atuam e cabe ao espectador imaginar como é feita tal operação. O importante no filme é que tal operação não deixa de ser uma interpretação do espetáculo que está sendo encenado pelo inconsciente dos indivíduos. Compartilhar é, de certa forma, entender. Estamos diante de um processo que se aproxima da análise. A partir desse ponto, pensa o realizador, também seria possível fazer com que anseios contidos se libertassem e concretizassem ideias. Trazer da região desconhecida as armas que permitam a realização plena. Descobrem, esses aventureiros do inconsciente, que a figura do pai só é um modelo na medida em que representa um desafio. E o filme abre e termina com a concretização do desejo maior do protagonista. Primeiro na praia e depois na casa paterna o universo familiar é reconstituído, mesmo que nele falte uma figura essencial, presente, no entanto, não apenas pela descendência como no objeto que parece simbolizar a perenidade. A realidade, o mundo exterior, é, no entanto, o cenário no qual o ser humano é condenado a viver. Dos labirintos é preciso retornar, pois eles também podem se transformar em cárcere e túmulo, como no caso da personagem de Marion Cotillard, atriz homenageada pelo realizador na utilização de uma canção, tornada célebre por Edith Piaf, que ela interpretou numa recente cinebiografia.