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Entrevista Especial

- Publicada em 04 de Maio de 2015 às 00:00

Governo Sartori tenta criar ‘clima de terror’, critica Augustin


ANTONIO PAZ/JC
Jornal do Comércio
´Apesar da indefinição sobre as próximas medidas de redução de gastos, o funcionalismo não pretende recuar na mobilização. Na semana passada, o governo se reuniu com dirigentes de entidades de servidores públicos, e o secretário da Fazenda, Giovani Feltes (PMDB), reforçou os números da crise estadual, com déficit estimado de R$ 5,4 bilhões.
´Apesar da indefinição sobre as próximas medidas de redução de gastos, o funcionalismo não pretende recuar na mobilização. Na semana passada, o governo se reuniu com dirigentes de entidades de servidores públicos, e o secretário da Fazenda, Giovani Feltes (PMDB), reforçou os números da crise estadual, com déficit estimado de R$ 5,4 bilhões.
Presente no encontro no Palácio Piratini, o presidente Sindicato dos Servidores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul (Sindsepe), Cláudio Augustin, afirma que, se os cortes propostos pelo governador José Ivo Sartori (PMDB) prejudicarem os direitos dos trabalhadores, haverá reação da categoria. “Podemos até, se for o caso, entrar em um processo de greve”, projeta.
Para o dirigente sindical, as medidas de contenção de despesas iniciadas com o decreto que determinou o corte de horas extras e diárias de diversas categorias, além da suspensão da nomeação de servidores concursados, têm o objetivo de criar um clima de terror, “para que as pessoas não reivindiquem”. “Isso serve para dizer que o Estado está um caos, não funciona e que, portanto, devo privatizar”, analisa.
Jornal do Comércio – Em que situação o funcionalismo do Estado se encontra agora?
Cláudio Augustin – O Rio Grande do Sul tem um caos administrativo na gestão dos servidores públicos. Isso tem se agravado governo após governo. Quando entrei, em 1985, havia uma situação de distorções salariais, mas eram pequenas e era possível corrigir. A Constituição brasileira, em 1988, e a Constituição gaúcha, de 1989, preveem a existência de planos de carreira, regime jurídico único e isonomia de vencimentos, em que o poder Executivo é o parâmetro da remuneração, com reajustes gerais, nas mesmas datas, e índices para todos os servidores. Isso aconteceu só uma vez de 1988 para hoje. Foi quando o governo (Germano) Rigotto (2003-2006, PMDB) concedeu reajuste de 1%. Os demais foram reajustes por quadro e totalmente diferenciados em períodos, épocas e valores. Então, o que temos hoje é uma fragmentação completamente sem sentido entre os servidores.

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JC – Qual categoria dos servidores é atualmente a mais prejudicada por esse histórico?
Augustin - Vou pegar o caso da Secretaria da Saúde, que acho é a que apresenta o maior problema. O setor precisa de servidores, não só funcionários de hospitais, mas de gente para a parte de prevenção e promoção da saúde. Na secretaria, além das pessoas vinculadas ao quadro geral, técnico-científico, celetistas, temos estagiários, cargos em comissão, consultores e adidos. Pessoas que fazem o mesmo, com as mesmas responsabilidades, mas que têm salários e carga horária diferentes. Isso cria um caos. Não é de graça que temos um grande número de servidores estaduais doentes. Esse adoecimento é crescente do ponto de vista físico e mental. Um dos maiores motivos de aposentadoria por invalidez é relativo à saúde mental.
JC – Que tipo de doenças?
Augustin – Doenças que são decorrentes desse caos. Um dos motivos concretos é o assédio moral e da estrutura autoritária da pasta. Hoje temos boa parte das chefias das repartições públicas preenchida por cargos em comissão, que são pessoas que não conhecem o serviço público, as atribuições e não sabem o que estão fazendo lá, mas fizeram campanha ou são cabos eleitorais dos governantes eleitos. A maioria do funcionalismo ganha mal e trabalha muito, mas o que a população vê são essas minorias que criam o caos na administração pública.
JC – O que pode ser feito para reverter essa situação?
Augustin – Tem que haver uma política de saúde pública do trabalhador no Estado, porque não tem nada aqui. Os servidores públicos, quando são nomeados, fazem os exames para ingresso, mas, depois disso, não fazem mais nenhum exame oferecido pelo Estado, nem os de rotina. Essa é uma questão concreta: temos que ter comissões de saúde em cada órgão, em cada secretaria e local de trabalho, para termos uma prevenção do adoecimento e promoção da saúde, e acompanhamento dos processos que levam a acidentes de trabalho e adoecimento.
JC – Como acha que o atual governo deveria conduzir as políticas em relação ao funcionalismo público?
Augustin – É necessário abrir um processo de negociação. Nós entregamos uma pauta há cerca de 15 dias. O governo disse que iria estudar e nos dar uma resposta. Estamos aguardando. Porém, na reunião que realizou com as lideranças dos servidores, o governador fez apenas uma fala e passou a palavra ao secretário da Fazenda, para que apresentasse os números (das finanças estaduais). Não abriu o espaço para debate. A mensagem era de que “não há recursos”, e isso foi feito para criar o clima de  terror, para que as pessoas não reivindiquem e, com isso, acabar com a discussão sobre direitos. Mas não vamos retroceder, não aceitaremos nenhuma perda. Achamos que é necessário corrigir as distorções salariais dos funcionários no Estado, criar planos de carreira conforme manda a Constituição. Além disso, tem que haver critérios objetivos para o preenchimento de cargos de chefia e ampliação do número de servidores. Temos vários concursos realizados e não estão sendo feitas as nomeações, como na Secretaria da Saúde, onde foram abertas 1.500 vagas que ainda não foram preenchidas.
JC – Quando o secretário da Fazenda, Giovani Feltes, apresentou aos servidores os números da Caravana da Transparência, colocou que havia mais funcionários inativos do que ativos. Sendo essa uma tendência crescente, como projeta o próximo período?
Augustin – Se hoje nós temos mais servidores inativos que ativos é porque temos um grande número de servidores por contrato emergencial, cargos em comissão, estagiários, não vinculados ao regime próprio. Se houvesse as nomeações necessárias para os cargos públicos, provavelmente o quadro seria outro.
JC – O senhor já defendeu o fim de incentivos fiscais como o Fundopem, para recuperar recursos que seriam convertidos à melhoria do serviço público. Com a guerra fiscal em curso, não haveria o risco de empresas deixarem o Estado?
Augustin – Nossa carga tributária é feita por impostos indiretos, altamente regressivos. Quem ganha mais, paga menos, e vice-versa. O Estado abre mão da receita tributária para as fábricas virem para cá, e é muito dinheiro. E isso acontece em outros estados. Todo mundo perde tributos com a guerra fiscal. Essa política aumenta o lucro das empresas, não é feita para o bem comum. Por outro lado, temos a Lei Kandir, que denomina o produto semielaborado como manufaturado. A Constituição diz que o produto manufaturado não paga imposto se for exportado. Isso é correto, mas pegar o grão de soja, secar e limpar e dizer que é um produto manufaturado... Não dá. Nós estamos exportando empregos, renda e receita pública. A Lei Kandir é uma forma de fazer com que o Brasil volte a ser exportador de matéria-prima. Essa não é uma mera discussão tributária, pois o País faz uma política contrária aos interesses nacionais, inclusive do Estado. Como boa parte da produção do Rio Grande do Sul é vinculada à produção de soja, ele perde muitos recursos necessários para educação, saúde, segurança, desenvolvimento, pesquisa, infraestrutura... Por outro lado, a política de benefício fiscal feita pelo próprio Estado, o Fundopem, beneficia apenas os grandes empresários, que não têm motivo algum para receber esses benefícios fiscais. No caso da GM, ela só tem lucro através da fábrica de Gravataí. No resto do mundo ela tem prejuízo. Por que o povo gaúcho tem que garantir os lucros da GM no mundo? Se for possível reverter tanto os benefícios fiscais concedidos pelo Estado quanto pela Lei Kandir, é possível ingressar no Estado em torno de R$ 15 bilhões por ano, que são números que eu estimei a partir do governo Yeda Crusius (2007-2010, PSDB), quando esse valor era de R$ 11 bilhões.
JC – Medidas que vieram com o decreto do governador Sartori, como o corte de diárias e horas extras, podem impactar de que maneira na prestação de serviços públicos?
Augustin – Para que o Estado possa funcionar, os servidores têm que trabalhar. Boa parte do trabalho que se faz enquanto servidor é em viagens, reuniões etc. Na Polícia (Civil) ou na Brigada Militar, é preciso se deslocar para fazer uma investigação ou uma ronda policial. Na saúde, há uma série de reuniões periódicas (no Interior do Estado) para ver como está cada tipo de programa... Isso tudo está cortado, ou seja, não está funcionando. Para que serve isso? Para dizer que o estado está um caos, não funciona e que, portanto, devo privatizar. Do ponto de vista político, quase tudo aquilo que está sendo proibido pelo decreto é competência privativa do chefe do Poder Executivo, ou seja, do governador, que é o mesmo que assinou o decreto. Ele está proibido de fazer aquilo que a Constituição manda ele fazer. Esse decreto não tem poder de revogar a Constituição, e, sim, de criar o terror e o caos. O governador está abrindo mão da tarefa que o Estado deu a ele, de governar. Ele está querendo se livrar das responsabilidades de governador. A nomeação dos secretários levou um bom tempo, a nomeação dos diretores foi acontecer somente em fevereiro. Várias coisas ficaram paradas; várias fundações e autarquias precisaram de diretores interinos para poder pagar a folha de pagamento no final de janeiro. Há uma série de coisas que não está funcionando, e isso vai gerar uma série de consequências amanhã. E daí, a culpa é dos servidores. O Estado tem que começar a corrigir suas distorções, seja na receita, seja melhorando o combate à sonegação de impostos.
JC – Em reunião com os servidores públicos, o secretário  Giovani Feltes disse que nenhuma medida será tomada sem uma conversa prévia com as categorias. Já houve algum diálogo?
Augustin – Até o momento, não. Nós entregamos nossa pauta e estamos esperando a resposta. Nossa avaliação é a seguinte: o governo queria fazer isso mais cedo. Não o não fez por causa da greve no Paraná. Depois, Sartori veio com a ameaça de atrasar salários. Como houve várias ações, mandados de segurança ganhos por entidades e servidores, ele recuou. Agora, está tentando de novo, procurando o melhor momento para apresentar as propostas. Eu não tenho a menor ideia do que poderá vir. Historicamente, os governos prometem algo na mídia, mas vão no caminho contrário. Porém, qualquer medida que o governo vier a tomar que ataque os direitos dos servidores, nós vamos reagir com força. Podemos até, se for o caso, entrar em um processo de greve.
JC – É uma possibilidade iminente?
Augustin – Estamos aguardando a abertura das negociações com o governo, pois queremos que nossa pauta seja cumprida e vamos lutar por ela. Se o governo não responder de forma positiva e apresentar uma proposta com retirada de direitos, vai ter luta, e em cada momento há uma forma de fazer essa luta.
JC – Por outro lado, o senhor disse que a fragmentação dos quadros do funcionalismo tem atrapalhado a mobilização dos servidores como um todo...
Augustin – Nossa resposta a essa fragmentação é lutar para começar a reaglutinar os quadros: criar um plano de carreira para o quadro geral e para o técnico-científico, e acabar com as gratificações meritocráticas, diferentes das gratificações de insalubridade, por exemplo. A ideia é colocar tudo em um nível básico, pois isso acaba com a briga entre os quadros. A segunda coisa é a fusão de quadros, que eu chamo de ‘juntar os miseráveis’, para podermos lutar de maneira não fragmentada. Nós não fazemos política partidária. É, sim, uma política de defesa do serviço público de qualidade. Para nós, isso é fundamental. Essa é nossa linha política geral.

Perfil

Cláudio Augustin nasceu em Carazinho, na região Norte do Estado, em 18 de agosto de 1956. Pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), cursou Economia, a partir de 1975, e Ciências Sociais em 1976. É pós-graduado em Desenvolvimento Agrícola pela Fundação Getúlio Vargas (atual Universidade Federal Rural), período em que viveu no Rio de Janeiro. Após a conclusão do curso, Augustin voltou ao Rio Grande do Sul no ano de 1981. Ingressou no serviço público estadual como analista de planejamento, orçamento e gestão na Secretaria do Planejamento. Foi o primeiro presidente da Associação de Servidores da Secretaria do Planejamento. Ajudou a criar, em 1998, o Sindicato dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul (Sindsepe-RS), do qual foi eleito presidente em 1991, sendo reconduzido ao cargo desde então, com exceção de uma gestão. Para atuar na entidade sindical, Augustin é licenciado do quadro da Secretaria do Planejamento. Atualmente, também faz parte das direções estadual e nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
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