Maior empresa pública de ônibus urbanos do País, a Carris divulgou, na semana passada, déficit de R$ 43,5 milhões nas contas da companhia no ano passado. Em 2013, já tinha sido verificado um desequilíbrio de R$ 30 milhões. Um quadro preocupante para uma empresa que já foi superavitária e considerada um exemplo de bom serviço de transporte público.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o diretor-presidente Sérgio Zimmermann coloca a alta carga de gratuidades e o investimento na qualidade da frota como as principais razões para o rombo nas contas da Carris. Mesmo que diminuir os aportes do governo seja uma das metas da companhia, o gestor admite que, sem incremento de receitas, será impossível equilibrar as contas.
Zimmermann também falou sobre a licitação do transporte público da Capital, que pode ampliar a quantidade de linhas da empresa. Ele garante que a Carris tem condições de cumprir a exigência, mas ressalva que será preciso "planejamento" para atender mais passageiros em um quadro de falta de recursos.
Jornal do Comércio - O balanço de 2014 da Carris aponta déficit crescente nos últimos anos. Ao quê se pode atribuir esses números?
Sérgio Zimmermann - Vivemos um momento bem delicado nos transportes em todo o Brasil, com movimentos sociais que pressionam para que as passagens não subam. Em 2013, foi aprovada uma tarifa de R$ 3,05 em Porto Alegre. Uma liminar na Justiça fez com que baixasse para R$ 2,85, depois ainda baixou para R$ 2,80 a partir da desoneração da folha. Nesse mesmo período, uma auditoria do Tribunal de Contas mostrava que a tarifa da Carris deveria ser R$ 3,43, levando em conta todo o custo operacional. É lógico que isso vai implicar em prejuízo, mesmo porque nossas despesas aumentam todo ano. Tivemos aumento na folha de pagamento, aumentou o preço do diesel, renovamos a frota. Enquanto todo o sistema de Porto Alegre tem 20% de ônibus com ar-condicionado, a Carris tem 60%. Nossos ônibus com acessibilidade universal também são 60% da frota. Todas essas questões de qualificação têm um custo, que é o que a prefeitura dá para a cidade com o intuito de puxar a qualidade do serviço para cima.
JC - A companhia recebe grandes aportes financeiros da prefeitura. Mesmo assim, o déficit é alto. Há como reverter esse quadro?
Zimmermann - Recebemos da prefeitura R$ 49 milhões no ano passado. Esses repasses não são para pagamento de folha salarial: são investimentos que a prefeitura faz em nível de aumento de capital, para pagamento de novos veículos e coisas do tipo. Já tivemos uma melhora significativa nas contas de março, a partir do aumento de tarifa. Estamos trabalhando para diminuir mensalmente esses aportes, de modo a chegar no final do ano com um déficit menor.
JC - E como atingir isso?
Zimmermann - Por orientação do prefeito, contratamos uma auditoria externa. Os resultados foram entregues há poucos dias, estamos nos inteirando e logo vamos começar a implementá-los. Estamos desenvolvendo diversas ações de contenção de custos. Mas a situação não é feita apenas de coisas ruins. No ano passado, a Carris tinha um endividamento de ?R$ 102 milhões, por causa de renovações de frota e outros gastos do tipo. Hoje, a dívida é de R$ 77 milhões. Compramos 50 ônibus novos, com padrão alto de qualidade, e mesmo com esse gasto conseguimos diminuir a dívida.
JC - Nos últimos anos, houve queda de passageiros no transporte público da Capital. Qual o impacto disso nas contas da Carris?
Zimmermann - Com as políticas de financiamento de veículos individuais, aumenta o número de carros na rua, o que dificulta o cumprimento de horários e aumenta o custo operacional. Com isso, perdemos 3,6 milhões de passageiros no espaço de um ano. É um impacto grande. E há também a questão das gratuidades. Para ter uma ideia, nós recebemos 22,07% do bolo gerado pelos passageiros pagantes, mas a Carris transporta 32% dos não pagantes. Isso causa um desequilíbrio. É uma posição pessoal minha, não é uma posição da Carris, mas acho questionável que um estudante de universidade particular tenha isenção de passagem, por exemplo. Policiais não pagam, funcionário dos Correios não pagam, oficial de Justiça não paga, idosos não pagam... Somando tudo isso, um em cada três passageiros da Carris não paga passagem integral.
JC - A partir da licitação do transporte público em Porto Alegre, a Carris pode acabar responsável por uma quantidade maior de linhas e itinerários. Cogita-se até que ela assuma a integralidade do serviço, na medida em que não haja interessados. Em um quadro como o atual, a companhia tem condições de absorver essa demanda?
Zimmermann - A Carris é a maior empresa pública de transporte urbano do País e tem condições de cumprir o que a prefeitura de Porto Alegre, que é nossa proprietária, determinar.
JC - Mas a tendência não é gerar um déficit ainda maior?
Zimmermann - Claro que isso vai exigir planejamento. A Carris tem um custo mais alto, até para poder manter os padrões de qualidade. Tudo é licitado. Essas coisas todas influenciam no custo operacional. Enquanto não houver equilíbrio tarifário, sempre haverá um déficit. Aumento de receita só com aumento da passagem, ampliando o número de passageiros pagantes ou com alguma isenção tributária ou subsídio. Se queremos cobrar uma passagem social, com o objetivo de atender uma necessidade da população, temos que ter outras fontes de receita.
JC - O TCE determinou a devolução, por parte da sua administração, de valores referentes ao pagamento de horas extras indevidas e a material adquirido para obras no Centro Integrado e na creche dos funcionários da Carris. Como está essa situação?
Zimmermann - Houve uma condenação em primeira instância. Quanto às horas extras, foi algo pago durante um ano pelo administrador anterior (João Pancinha). Menos de 15 dias depois de assumir aqui na Carris eu baixei uma portaria suspendendo o pagamento a esses funcionários. Por alguma razão, o TCE não levou isso em consideração. No meu entendimento, a minha parte eu fiz. Quanto às compras, adquirimos, via licitação, R$ 21 mil em materiais para retomar as obras da creche, que, ao todo, vão custar cerca de R$ 1,5 milhão. Após essa aquisição, o diretor técnico concluiu que as obras estavam irregulares e eu mandei suspendê-las. Para que o material não fosse perdido, tiramos de lá e colocamos em uma sala aqui no centro administrativo. Quando o auditor do tribunal fez a inspeção, não encontrou o material. Já está tudo fotografado, estamos montando a defesa e acredito que tudo vai ser justificado. De certo modo, foi um erro meu, que não conhecia a dinâmica do TCE e não pedi que fosse feito o acompanhamento do processo. Agora, temos um advogado lá, acompanhando todas as inspeções.