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entrevista especial

- Publicada em 23 de Março de 2015 às 00:00

Dilma precisa superar fragilidade para evitar paralisia do governo, diz Rodrigo González


JONATHAN HECKLER/JC
Jornal do Comércio
Após os protestos que tomaram as ruas das principais cidades brasileiras, o cientista político Rodrigo González avaliou as manifestações e suas consequências na queda da popularidade da presidente Dilma Rousseff (PT). Para o professor da Ufrgs, o principal desafio do governo é reequilibrar sua base de apoio, retomar o controle da gestão, abalada pela crise econômica e pelos escândalos de corrupção da Petrobras, e conseguir gerar pautas positivas e inovadoras.
Após os protestos que tomaram as ruas das principais cidades brasileiras, o cientista político Rodrigo González avaliou as manifestações e suas consequências na queda da popularidade da presidente Dilma Rousseff (PT). Para o professor da Ufrgs, o principal desafio do governo é reequilibrar sua base de apoio, retomar o controle da gestão, abalada pela crise econômica e pelos escândalos de corrupção da Petrobras, e conseguir gerar pautas positivas e inovadoras.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o acadêmico analisou ainda a postura de distanciamento adotada pela chefe do Executivo, as dificuldades em avançar na Reforma Política e disse que o fato de a presidente ser pouco carismática e não conseguir ter empatia com o público pode abalar sua credibilidade.
Jornal do Comércio - As manifestações do dia 15 de março mobilizaram milhões de pessoas, no país inteiro. Que avaliação o senhor faz dos protestos?
Rodrigo Stumpf González – Houve um certo ineditismo, o Brasil não é acostumado a grandes manifestações de rua, principalmente por motivações políticas. As duas últimas grandes manifestações que tivemos não tinham relação com política, foram na vitória da Copa, no Pentacampeonato, e na morte do Ayrton Senna. Nossa população costuma sair às ruas por outras motivações, que não políticas. Se olharmos o mapa da distribuição das eleições, reproduz o mapa da oposição na última eleição, tanto que basta olharmos as diversas coberturas das manifestações para notarmos que no Norte e Nordeste não houve mobilização ou houve muito pouca. O Centro-Sul foi responsável pela maior parte. A capacidade de mobilização não é a mesma em todo país e reflete um pouco a insatisfação com o resultado das eleições. O governo vem perdendo credibilidade por outros motivos, os escândalos de corrupção, que de alguma forma afetaram o governo, a coesão de sua base de apoio no Congresso e o episódio recente do ex-ministro Cid Gomes (da Educação) e, por outro lado, a insatisfação com as medidas que o governo tomou, que acabam gerando mobilização de setores que eventualmente até podem ser críticos do governo, mas não o seriam publicamente.
JC – Alguns colegas seus atribuíram à política econômica a grande motivação dos protestos, mais do que o descontentamento com os casos de corrupção. O senhor concorda?
González – A situação econômica. Se só pensarmos no principal segmento que está descontente, que é a classe média, ela já se sentia desprezada das políticas governamentais antes. A política dos governos Lula e Dilma tinham foco na redistribuição de renda, que favoreceu a emergência dos setores mais pobres, mas não gerou crescimento da renda da classe média. Somando medidas de contenção de despesas e aumento de arrecadação, que acabam atingindo particularmente a esse segmento, se gera um descontentamento e um governo frágil, com pouca credibilidade. E algo que não foi importante ou tão importante no mandato anterior acaba se mostrando agora, a presidente é uma pessoa pouco carismática, diferente de Lula, que enfrentava situações de crise indo às ruas, com capacidade de adequar discursos aos diferentes públicos. Dilma não, tem uma única imagem, não tem habilidade de se reinventar nem tanta capacidade de atrair empatia e atingir o público.
JC – Essa característica da presidente, somada aos protestos e à crise econômica justifica o resultado da última pesquisa do Datafolha, que apontou rejeição de 62% do governo Dilma, a mais alta desde os tempos do Collor?
González – Em partes o resultado dessa soma de problemas, porque se formos analisar objetivamente, grande parte da crise atual não é culpa da Dilma, ela acaba sendo para-raios de uma série de problemas em que é identificada como responsável e acaba perdendo credibilidade. Se analisarmos objetivamente ela não é nem uma militante tradicional do PT, é uma técnica, nunca teve posto de coordenação política que pudesse ser responsabilizada por todos esses problemas. A própria questão dos escândalos de corrupção tem chamado muita atenção para o PT, mas há um certo esquecimento de que o maior número de deputados investigados na Lava Jato são do PP, o que é uma grande contradição, pois as pessoas vão às ruas pedindo o retorno dos militares e esquecem que um dos principais partidos envolvidos é herdeiro do regime militar, da velha Arena. Essas manifestações têm muito mais um sentido de catarse do que de proposta política concreta.
JC – O ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) disse que essa avaliação do governo retratou um momento. O senhor acha que tem como reverter a queda na popularidade?
González – A pesquisa foi feita no pior momento possível, após uma grande manifestação pública, com ampla cobertura negativa da imprensa. Provavelmente, se tivesse sido feita uma semana antes ou depois, o resultado seria bastante diferente, então, não se pode tomá-la como retrato fiel da situação. Por outro lado, o maior problema do governo hoje não são as manifestações, mas a dificuldade de reorganizar sua base de apoio no Congresso Nacional. O grande risco do governo não é ter pessoas nas ruas, é não conseguir governar, é ficar num momento de paralisia e num governo frágil. Emitir sinais de fraqueza é sinal para ataque dos inimigos e defecção de aliados. Logo adiante teremos eleições municipais em que os que foram aliados na eleição passada podem não ser mais, então, para alguns, pode ser mais interessante começar a se distanciar do governo agora, pra ter uma postura de oposição na eleição. O que provavelmente vai acontecer é o que o presidente da Câmara vai assumir uma postura mais de oposição e o do Senado mais pró-governo, mas o partido vai continuar fazendo essa postura dúbia e esse é o grande problema do governo, se não conseguir tomar medidas que melhorem a situação econômica e tragam boas notícias, alimenta as ruas. É preciso ter boas notícias para dar aos aliados bons argumentos para defender o governo. A questão é que, por mais que possa se achar necessário fazer um reequilíbrio da economia, controlar gasto público, isso não dá voto. A população não quer saber de onde o governo tira o dinheiro, quer é que gaste, então, esse é o problema da agenda do primeiro semestre do governo Dilma.
JC – Diante da atual relação entre governo e Congresso, o senhor acha que terá clima pra avançar na Reforma Política que o país realmente precisa?
Gonzáles – O Brasil já teve umas quatro ou cinco comissões da Reforma Política que acabou parado no momento em que Senado ou Congresso não quiseram dar continuidade, porque as bases majoritárias em cada uma das casas são de partidos diferentes e com interesses diferentes na reforma. Quando se fala no fim do voto proporcional, se reduziria o sistema partidário brasileiro, dos 32 partidos, 28 no Congresso, a talvez dez, cujo interesse central não é nem inclusive estar no Congresso, mas utilizar suas legendas pra negociar cargos e benefícios em um momento eleitoral.
JC – E no atual momento, em que um partido só, o PMDB, controla as duas casas?
González – Controla a formação da agenda, mas não a votação, por isso o PMDB está tomando a iniciativa de apresentar sua proposta de reforma, mas se não tiver consenso dos maiores partidos, não sai. Minha impressão é de que vai haver muita escaramuça e pouca mudança. O governo está sendo pressionado a apresentar propostas e a oposição aproveita para fazer o governo sangrar, então, eles não vão dar apoio a qualquer reforma que não lhes interesse e, sem um acordo nacional, não tem reforma. A oposição vai jogar nas costas do governo. O problema é a dificuldade da grande mudança que o país precisa, que é a mudança de cultura política. Se queixam da corrupção, mas continuam admitindo a pequena corrupção no dia a dia. Se não mudarmos essa cultura no sentido de valorizar o honesto e correto, como esperar isso do político? Nenhuma reforma garante que o eleitor faça uma escolha melhor. Tem de haver uma mudança de consciência, que numa manifestação como as que vimos, misturando pessoas contra a corrupção com outras que pediam a volta da ditadura, não se pode esperar.
JC – Que forma o governo tem pra tentar reverter essa onda negativa, equilibrar a crise com o Congresso e ainda governar de forma propositiva nesses três anos que restam de mandato?
González – No Congresso a relação vai continuar sendo a que existe desde sempre, comprado com cargos e distribuição de recursos e negociação de interesses. No fundo, no Brasil não existe vida na oposição. O PSDB só sobreviveu como partido porque domina São Paulo há décadas, tem recursos pra se manter, mas mesmo alguns setores que hoje se mostram críticos ao governo vão fazer barganha. No fundo, Cid Gomes tem razão, haverá uma barganha e, mais cedo ou mais tarde, o Congresso vai fazer apoio crítico ao governo. O problema do governo é ter uma agenda de políticas que, numa situação de crise, crie inovações, porque não adianta fazer propaganda de mais ou menos. O governo Lula foi em grande parte identificado com a expansão da universidade pública, que lhe garantiu a reeleição. A Dilma fez o Mais Médicos. Manter isso, é mais do mesmo. Eles vão ter que tirar coelho da cartola.
JC – E há condições pra isso?
González – É difícil, mas alguns dos elementos que hoje são vistos como críticos, são positivos. A alta dólar que é um dos elementos de crítica ao governo, depende do cenário internacional e pode permitir dois resultados positivos pro governo. O primeiro é reduzir o déficit de conta corrente pelo volume de gastos no exterior, pois, por incrível que pareça, um dos elementos que prejudicava a política comercial era o gasto dos turistas brasileiros no exterior. Isso vai favorecer a ampliação das exportações. Apesar de todas as críticas, o nível de desemprego no Brasil é um dos mais baixos da história, há uma crítica à inflação, mas com situação de quase pleno emprego não é tão desesperadora. O grande trunfo do governo, ainda guardado na cartola, são as Olimpíadas de 2016, porque, política, por mais que a gente queira mudar, ainda tem relação com o velho dito dos romanos: pão e circo. A economia é o pão, ou seja, as pessoas de barriga vazia, desempregadas e inflação alta não estão contentes, mas elas também querem outra coisa, que não só comida. Um evento bem realizado, embora não dependa exclusivamente do governo federal, que não tenha escândalos é um momento de trazer boas notícias e que preenche os espaço das notícias ruins. E isso vai ser logo antes das eleições municipais. Então, acho que o governo vai gastar esse ano tentando organizar a economia e jogar todas as suas fichas numa grande propaganda positiva disso.

Perfil

Rodrigo Stumpf González é advogado formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Professor adjunto do Departamento de Ciência Política da Ufrgs desde 2009, tem mestrado (1994) e doutorado (2000) em Ciência Política pela mesma instituição. Consultor do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, é cientista político com pesquisas na área de políticas públicas. Foi professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) ao longo de 14 anos, até 2008, colaborador do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade de Brasília (UnB) entre 2002 e 2013 e professor assistente do Centro Universitário La Salle – Canoas, de 2001 a 2005.Tem sua atuação acadêmica voltada ao estudo e análise de temas relacionados à cultura política, com foco em democracia, participação, políticas públicas e direitos humanos.
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