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Esporte

- Publicada em 11 de Fevereiro de 2015 às 00:00

Crise econômica atinge o futebol brasileiro


ANTONIO PAZ/JC
Jornal do Comércio
O JC Contabilidade inicia, nesta quarta-feira, a série “As finanças do futebol brasileiro”, que se estenderá pelas duas próximas semanas. A primeira reportagem aborda a situação crítica das contas dos principais clubes do País, que cada vez mais se afundam em dívidas.

O JC Contabilidade inicia, nesta quarta-feira, a série “As finanças do futebol brasileiro”, que se estenderá pelas duas próximas semanas. A primeira reportagem aborda a situação crítica das contas dos principais clubes do País, que cada vez mais se afundam em dívidas.

Se dentro de campo o futebol brasileiro vem sendo questionado fortemente após a retumbante derrota por 7 a 1 para a Alemanha, na Copa do Mundo, fora das quatro linhas a situação também não é animadora. Os clubes do Brasil vêm se afundando cada vez mais em dívidas, em um ritmo maior do que suas receitas possam acompanhar. Depois de alguns anos de aumento da arrecadação e gastos expressivos com salários de jogadores e treinadores, a crise econômica bateu na porta das equipes do Norte ao Sul.
Conforme levantamento da BDO, o endividamento das 24 principais agremiações brasileiras saltou de R$ 2,8 bilhões para R$ 5,6 bilhões, de 2009 a 2013. Nesse mesmo período, os faturamentos subiram de R$ 1,6 bilhão para R$ 3,2 bilhões. As dívidas, portanto, são 75% maiores que a arrecadação dos times. E a tendência é de continuidade dessa disparidade nos balanços de 2014, que ainda não foram divulgados. “O endividamento certamente vai passar dos R$ 6 bilhões, até porque muitos clubes registrarão nos balanços os financiamentos das suas novas arenas”, acredita Pedro Daniel, diretor da área de esporte da BDO.
O principal problema do passivo é a origem dele, na percepção de Daniel. “Há empresas que possuem endividamento elevado, pois estão realizando investimentos. No caso do futebol, essa dívida não é equalizada. Estamos falando de passivos muito superiores à capacidade de geração de receitas”, aponta. Nesse quesito, o campeão é o Botafogo, que possui um débito 6,77 vezes superior à arrecadação. Para a dupla Grenal a situação é ruim, ainda que menos crítica. No Internacional, essa proporção é de 1,69 e no Grêmio fica em 1,61. O ideal, segundo o especialista, é manter o índice no máximo em 1, o que demonstraria equilíbrio.
Enquanto as dívidas sobem em ritmo veloz, a arrecadação demonstra sinais de estagnação. Superávit nas contas é raridade no futebol. Em 2013, apenas cinco clubes analisados pela BDO arrecadaram mais do que gastaram: São Paulo, Criciúma, Ponte Preta, Corinthians e Vitória. Somando o desempenho operacional dos 24 times, nos últimos cinco anos, houve lucro apenas em 2012. Isso porque, naquela temporada, as equipes renovaram os contratos de direitos de transmissão dos jogos, recebendo um bônus milionário pelo acordo.
O consultor de marketing e gestão esportiva Amir Somoggi ressalta que a crise não é recente, mas “a bolha do futebol brasileiro agora estourou.” O gestor lembra que a economia brasileira desaqueceu, contribuindo para reduzir os aportes das empresas patrocinadoras da modalidade De quebra, as demais fontes de arrecadação, como quadro social, direitos de transmissão e venda de jogadores, não vêm apresentando expansão. “Esses fatores somados à incapacidade dos clubes em administrar suas receitas faz com que os clubes vivam um momento de extrema dificuldade”, explica.
Com o estrangulamento financeiro, muitas equipes deixaram de pagar impostos e salários. A forte elevação das receitas constatada até 2012 foi insuficiente para deixar as contas em dia. “Os times aumentaram demais seus custos, acreditando que as receitas continuariam crescendo. Mas isso não ocorreu”, aponta o gerente de crédito do Itaú BBA, César Grafietti.

Fonte: BDO

Dívidas tributárias são as de maior peso

No montante de R$ 5,6 bilhões de dívidas dos 24 principais clubes brasileiros, 47% do bolo provêm de pendências com impostos. Os débitos com tributos somam R$ 2,7 bilhões. Na sequência, aparecem o montante renegociado pela loteria Timemania  (R$ 1,3 bilhão) e os empréstimos bancários(R$ 1,1 bilhão). “O endividamento tributário é o que mais cresce, até porque o governo federal não executa a dívida. Se os clubes fossem empresas ao invés de entidades sem fins lucrativos, vários estariam falidos”, analisa Pedro Daniel, diretor da área de esporte da BDO.
Apenas de 2012 para 2013, as dívidas tributárias aumentaram R$ 235 milhões e os empréstimos saltaram R$ 225 milhões. O montante total dos débitos evoluiu R$ 687 milhões, alta de 14%. “A dívida fiscal é monstruosa, mas há algo que pouco é falado. O endividamento bancário e o passivo por questões trabalhistas também pesam bastante para a situação financeira precária dos clubes”, lembra Amir Somoggi, consultor de marketing e gestão esportiva.
Em alta recentemente, a criação de dívidas trabalhistas decorre da falta de pagamento de salários e da incapacidade de cumprimento de contratos com atletas e treinadores. “Existe um incentivo à essa situação. O dirigente contrata um jogador por cinco anos, em um acordo que lá na frente se torna oneroso ao clube. Só que o diretor que contratou não vai ser o impactado, se o jogador não for bem, pois o mandato dele tem só dois ou três anos. A conta vai ficar para outro”, destaca Daniel.
O diretor da Pluri Consultoria, Fernando Ferreira, define que os clubes brasileiros possuem um passivo trabalhista incontrolável atualmente, que engorda significativamente a despesa financeira líquida (soma das despesas de juros referentes às obrigações financeiras de uma empresa, seja no curto ou longo prazo). “No Brasil, a despesa financeira líquida dos clubes está em torno de 12% do faturamento bruto. Esse número é bizarro. Na Europa, não passa de 1,5%. Ou seja, o custo financeiro pressiona os clubes brasileiros oito vezes mais que os europeus”, compara. O economista lembra que a má gestão dos recursos impede que os times invistam mais na própria atividade fim, o futebol.

Transparência nas contas ainda é aquém do ideal

Mesmo que vários clubes do Brasil possuam orçamentos superiores aos de muitas empresas e cidades, a transparência na prestação de contas ainda está em um nível aquém do ideal. De acordo com ranking elaborado pela Pluri Consultoria, apenas o Corinthians possui uma boa classificação nesse quesito. O levantamento, que analisa 34 times, leva em consideração mais de 30 critérios em relação à publicação das demonstrações financeiras e como essas informações são disponibilizadas ao público.
Por mais que, de um modo geral, falte clareza nos dados fornecidos pelos clubes, é possível notar evolução em relação ao passado. “Aos poucos, o nível de transparência vem melhorando nos grandes clubes. Já nos clubes médios e pequenos, a gente ainda se depara com coisas grotescas, como balanços de cinco linhas”, exemplifica o diretor da Pluri, Fernando Ferreira. Com a Lei Pelé, desde meados dos anos 2000, os clubes passaram a ser obrigados a divulgar seus balanços até o último dia de abril de cada ano. No entanto, a legislação não especifica uma formatação padrão para as demonstrações.
Uma das principais diferenças entre os balanços dos clubes e os de grandes empresas e companhias com capital aberto está na falta de notas explicativas. “As notas são importantes para o melhor entendimento da situação financeira”, aponta a vice-presidente de gestão do Conselho Regional de Contabilidade do Estado (CRCRS), Ana Tércia Lopes. A dirigente também lembra que, por vezes, os times escorregam em alguns conceitos, especialmente ao fazer o registro dos ativos intangíveis. Ana lembra que há casos de clubes que incluíram o valor de marca nesse quesito, algo incompatível com as normas contábeis vigentes.
A falta de transparência pode ser encarada como algo inerente à cultura do futebol brasileiro. “Acredito que isso ainda é resquício da cartolagem dentro dos clubes. Essa demanda por transparência é nova. E há certa limitação dos clubes, em termos de estrutura de gestão, para atender isso”, aponta Ana. Para ela, a tendência é de reversão desse quadro, já que os torcedores demonstram cada vez mais interesse pelo tema e tendem a pressionar por melhorias.
Em alguns países do exterior, a divulgação dos demonstrativos contábeis das equipes é rigidamente controlada. No Chile, o órgão equivalente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) brasileira fiscaliza os balanços dos times listados na bolsa de valores. Na Holanda, a própria federação de futebol analisa os dados e classifica as equipes em três níveis, conforme a saúde financeira: ótimo, equilibrado ou em dificuldades.
O gerente de crédito do Itaú BBA, César Grafietti, defende a adoção de um modelo parecido no Brasil. “Seria necessário criar uma estrutura, com profissionais que entendam de finanças, para fazer o acompanhamento dos clubes”, acredita. Além de fazer monitoramento, o órgão também forneceria as diretrizes necessárias para a realização da contabilidade nas agremiações. Atualmente, entre os 23 clubes analisados pelo banco, há cerca de 20 tipos diferentes de balanços.

Fonte: Pluri Consultoria
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