OLÁ, ASSINE O JC E TENHA ACESSO LIVRE A TODAS AS NOTÍCIAS DO JORNAL.

JÁ SOU ASSINANTE

Entre com seus dados
e boa leitura!

Digite seu E-MAIL, CPF ou CNPJ e você receberá o passo a passo para refazer sua senha através do e-mail cadastrado:


QUERO ASSINAR!

Cadastre-se e veja todas as
vantagens de assinar o JC!

Ou, faça login via rede social:

Coluna

- Publicada em 23 de Janeiro de 2015

Alma de herói

A escritora Laura Hillebrand tem tido sorte no cinema. Em 2003, o diretor Gary Ross realizou Seabiscuit, alma de herói, que chegou a concorrer ao Oscar de melhor filme e que, além disso, está entre as melhores produções hollywoodianas da primeira década do século XXI. O livro e depois o filme reconstituíam os duros anos da grande crise, cujo primeiro capítulo foi a quebra da Bolsa em 1929. Naquela época, um cavalo pequeno e com uma perna defeituosa, desprezado por proprietários e treinadores e sempre colocado nos últimos lugares nas provas que disputava, foi adquirido pelo comerciante de automóveis Charles Howard, que também contratou o treinador Tom Smith, desiludido com a profissão e que se dedicava a recuperar cavalos lesionados. O quarteto foi completado por Red Pollard, que havia abandonado o Canadá e uma vida de dificuldades para tentar a sorte nos Estados Unidos. Pollard era fanático por Shakespeare e, depois de um fracasso como pugilista, se transformou em jóquei. Ele também tinha um problema, assim como o cavalo que passou a montar: via mal com um dos olhos. Mas Howard, mesmo assim, o manteve no posto, pois percebeu o talento e o fascínio de Pollard pelo pequeno cavalo. Há passagens emocionantes no livro e no filme, entre eles o primeiro encontro de Seabiscuit com seu futuro proprietário. Mas o mais notável viria a seguir: o simbolismo que transformou a trajetória vitoriosa do pequeno e grande corredor numa metáfora da luta contra a crise. A escritora percebeu, ao reconstituir os fatos, que neles se concentravam muitos dos conflitos e das lutas geradas pela crise na economia. E viu também na reunião de um empresário que conseguiu enfrentar a crise com um homem que tinha amor por animais, um jovem sensível e que quase foi destruído pela dureza de um tempo e um corredor tido como imprestável a expressão de forças da resistência diante de adversidades. E tanto no livro como no filme o combate entre Seabiscuit e o enorme War Admiral, só os dois na pista, duelo simbólico, vencido de forma emocionante pelo primeiro. Uma vitória que se transformou em festa popular, carregada de significados.

Laura Hillebrand, adepta do chamado Novo Jornalismo, que mescla realidade com uma narrativa que recolhe do romance a estrutura, realiza, portanto, o que em cinema é classificado como documentário reconstituído. Talvez, um erro de Gary Ross tenha sido o de não comunicar ao público de outros países que tudo o que aparecia no filme era verdadeiro. Para o público americano, isso não era necessário, pois Seabiscuit lá faz parte de um passado conhecido. Isso não acontece no filme de Angelina Jolie Invencível, também baseado em fatos reais, no qual inclusive são utilizadas imagens de documentários e fotografias que ilustram o que foi a vida de Louis Zamperini, certamente que não por coincidência, para Hillebrand, outro corredor. Zamperini chegou a participar com destaque nas Olimpíadas de 1936, em Berlim, mas seu sonho de ir a Tóquio, participar dos Jogos de 1940, cancelados devido à guerra, se transformou num pesadelo. Prisioneiro, ele foi escolhido como vítima preferida de um sádico, que, por não ter conseguido fazer carreira como oficial, vingou-se de forma brutal. Esta brutalidade não é vista como algo sem significado no filme, que tem entre seus roteiristas os Irmãos Coen e é muito bem realizado.

Este é o segundo longa-metragem de Jolie, que está mais interessada em ser cineasta do que apenas uma estrela. Ela narra com segurança de veterana a história de Zamperini e, mesmo ressaltando seu heroísmo, não negligencia outros fatores. O chefe do campo não é visto apenas como um sádico. Estamos diante da caricatura do poder autoritário e sua exaltação da obediência como elemento de maior importância. Isso fica claro num discurso do administrador e seu relacionamento com cenas da primeira parte, quando o menino Louis é espancado. Talvez, se possa ver como excesso a comparação do peso suportado pelo protagonista com o sacrifício da cruz, mas a diretora, que não parece interessada em inovações, mostra habilidade em reconstituir o essencial da vida de seu personagem.