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Entrevista Especial

- Publicada em 19 de Janeiro de 2015 às 00:00

Sartori recebeu Estado como ‘terra arrasada’, constata Ibsen Pinheiro


MARCELO G. RIBEIRO/JC
Jornal do Comércio
Uma das principais lideranças do PMDB gaúcho, Ibsen Pinheiro retorna à Assembleia Legislativa em 31 de janeiro. Terceiro suplente de deputado estadual, assumirá com a realocação de quadros no secretariado de José Ivo Sartori (PMDB) e deverá ser um dos principais articuladores do novo governo no Parlamento. Com décadas de vida pública, Ibsen não titubeia ao avaliar que o governador recebeu um Estado com as finanças em clima de “terra arrasada”.
Uma das principais lideranças do PMDB gaúcho, Ibsen Pinheiro retorna à Assembleia Legislativa em 31 de janeiro. Terceiro suplente de deputado estadual, assumirá com a realocação de quadros no secretariado de José Ivo Sartori (PMDB) e deverá ser um dos principais articuladores do novo governo no Parlamento. Com décadas de vida pública, Ibsen não titubeia ao avaliar que o governador recebeu um Estado com as finanças em clima de “terra arrasada”.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Ibsen afirma que será necessário praticar medidas para além da redução de custos, pois considera como fracasso o modelo “que transformou déficit público em investimentos sociais”. Secretário estadual de Comunicação, durante o governo de Germano Rigotto (PMDB), o peemedebista avalia que a relação com a imprensa – que já tem sido criticada – será delicada. “Austeridade se pratica, não se anuncia, é difícil praticar atos de repercussão negativa e ao mesmo tempo dar repercussão a eles.”
Ibsen acredita que as disputas internas do PMDB não serão obstáculos para a gestão de Sartori – ao contrário da relação com a base aliada. “Mais dificuldade o governador terá para manter unida a base política que ficou muito ampla e heterogênea”, resultante, de acordo com ele, da conjuntura política e eleitoral do País, que pulveriza partidos. Articulador, projeta que o partido precisa trabalhar para que a candidatura do vice-prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (PMDB), se concretize em 2016 e tenha no segundo turno a mesma base que elegeu Sartori, para chegar ao comando da Capital.
Jornal do Comércio – A oposição tem afirmado que o governo está fazendo “terra arrasada” sobre a situação financeira do Estado. Como avalia a situação do Executivo? 
Ibsen Pinheiro – Quando se inventa a política de terra arrasada é muito negativo, mas quando se reconhece, é a única solução. A terra está arrasada. O Rio Grande do Sul não tem como prosseguir com uma política meramente administrativa se não resolver o problema das contas públicas, que tem causas profundas, algumas antigas e agravamentos recentes. É um clima de terra arrasada. Um Estado que compromete 77% com as folhas de pagamento, 13% no endividamento com a União, 15% com o custeio vegetativo da máquina pública já está deficitário em 5%, sem falar no déficit mais grave: a incapacidade de investimento.  O Sartori recebeu terra arrasada e não estou fazendo a culpa subjetiva do governo, mas uma análise do modelo fracassado que transformou o déficit público em investimentos sociais, como se pudesse ter justiça social através de benefícios fundados no déficit das contas públicas.
JC – Como o governador Sartori vai resolver essa dificuldade sem impactar os setores mais carentes?
Ibsen – Esse mecanismo de mascarar a realidade através do endividamento se esgotou. O último governo incrementou o endividamento em R$ 10 bilhões. O pior é que isso não é só no Rio Grande, está acontecendo no Brasil, embora a União tenha um potencial de recursos infinitamente mais amplo. A política, hoje, tem uma síntese, que diria que é a de administrar o capitalismo. O socialismo sumiu do horizonte e isso gerou algumas perplexidades: alguns setores políticos que sonhavam com o socialismo administram o capitalismo com culpa, punem o capital através de destinações sociais que são mais corporativas do que sociais. Outros, ao contrário, ainda sonham em destruir o capitalismo, não através da revolução, mas dos custos e dos encargos. No PT, esse é um problema presente e algumas lideranças ou fazem um capitalismo corporativo ou então continuam odiando o capitalismo. É preciso que quem queira administrar tenha a percepção que o papel da política hoje é administrar o capitalismo. Essa é a dualidade que está posta para nós.
JC – Dentro deste cenário quais as medidas consideradas impopulares podemos esperar para os próximos meses?
Ibsen – Não sei qual o governador aplicará, reduzir despesas é importante, mas não é o suficiente. Estamos trabalhando em cima do alto risco, porque não temos uma política sustentável e os governos não enfrentaram os problemas do endividamento, do corporativismo, da apropriação do Estado por interesses setoriais. Tem que enfrentar e praticar coisas impopulares, porque não se pode criar um paraíso artificial. O risco deste modelo que fez todas as concessões populistas é o colapso do modelo institucional que descuidou da equivalência entre receita e despesa. A falência do poder público já é visível, só está faltando o carimbo. A presidente Dilma Rousseff (PT) está aplicando medidas de austeridade sem as ter anunciado – na verdade ela anunciou e disse que era o (senador e candidato à presidência) Aécio (Neves, do PSDB) quem iria fazer – e isso é indispensável, pena que não resolve. É preciso aumentar a receita e ela só se aumenta, por decreto, com aumento de impostos e isso é palavrão. Os veículos de comunicação demonizaram os impostos, mas cobram serviços públicos. Na Escandinávia, eles não combatem a carga tributária que é de 50% e se traduz em serviços. Queremos impostos baixos e serviços altos.
JC – O governador tem sido criticado pela falta de comunicação com a imprensa. Esse fator, aliado a medidas impopulares, tende a fortalecer a oposição?
Ibsen – Esse problema não é fácil de resolver porque há um conflito entre os objetivos de quem administra e os objetivos da comunicação. A comunicação tem um objetivo claro que é informar especialmente aquilo que tem impacto e o objetivo do governo é seguir a sua orientação própria, evitar o que seja desgastante e administrar a sua realidade. É inevitável que o veículo tenha uma visão da espetacularidade da vida pública e que os governos tenham uma da sobriedade. Por isso, acredito que o político habilidoso é aquele que não deixa de responder, mas nunca diz o que querem que ele diga, é o que desenvolve essa capacidade mimética de fingir que responde sem abrir o seu jogo. Então, austeridade se pratica, não se anuncia, é difícil praticar atos de repercussão negativa e ao mesmo tempo dar repercussão a eles.
JC – A oposição tem o PT, a maior bancada na Assembleia Legislativa, além de parlamentares como Pedro Ruas (P-Sol) e Manuela d’Ávila (PCdoB) entre os adversários. Como será?
Ibsen - O sucesso da oposição depende em parte de sua capacidade, mas em grande parte da incapacidade da situação. Então, não é o talento da oposição que vai lhe garantir o sucesso, será sim a incapacidade da situação de enfrentar, abordar e encaminhar a solução dos problemas. De todos não, só dos principais. Por isso, se o governo Sartori fizer a coisa adequada, a própria oposição será obrigada a reconhecer ao menos pelo silêncio. Admito que haja quadros de grande qualidade na oposição, mas isso não lhes garantirá o sucesso se o governo do Estado fizer a sua lição, que é o enfrentamento da crise em que recebeu.
JC – Sartori tem um partido unido para governar? Os conflitos internos se resolveram?
Ibsen – Os conflitos internos do PMDB não vão sumir, mas não são incompatíveis com a unidade em torno das questões centrais. A eleição revelou isso, nenhum partido foi tão divido quanto o PMDB, que escolheu seu candidato em uma convenção e teve que enfrentar a liderança nacional do vice-presidente da República, Michel Temer (para apoiar as candidaturas de Eduardo Campos e Marina Silva, do PSB, ao invés da reeleição de Dilma). Não vejo conflitos internos como causa das dificuldades, vejo como efeito e o governador tem plena capacidade de unir. Mais dificuldade o governador terá para manter unida a base política que ficou muito ampla e heterogênea. Isso não tem solução a curto prazo porque depende de uma reforma. Temos um mecanismo que induz à pulverização política e teremos 15 partidos na Assembleia e 28 na Câmara dos Deputados. Isso estimula as reivindicações setoriais, grupais, partidárias, regionais, ideológicas, classistas em um grau absurdo. A solução é organizar os canais da sua expressão. O nosso País fez uma simplificação perversa e juntou os defeitos do voto distrital com os defeitos do voto proporcional. O voto distrital tem o defeito de sufocar as minorias e a virtude de produzir maioria para governar. O voto proporcional tem o defeito de não ter maioria para governar, mas tem a virtude de estimular as minorias. Conjugamos os defeitos e juntamos todas as minorias presentes e não temos maioria para governar.
JC – Esses conflitos já começaram na negociação do secretariado, inclusive com o PMDB de Porto Alegre.
Ibsen – Claro, a causa está no modelo do sistema eleitoral. Defendo uma reforma política em que a fundação de partidos não precise um milhão de assinaturas como hoje, bastam os 101 fundadores. Ao invés de ter 38 partidos no País você teria 380 ou 3.800. Mas no governo, na Assembleia, na Câmara, no fundo partidário e na rádio e televisão gratuitos, só os partidos com votos. Cláusula de barreira, cláusula de desempenho e quociente eleitoral. Cresçam e apareçam.
JC – O PTB deve ingressar na base do governo Sartori?
Ibsen – Espero e gostaria que ingressasse, porque o governo tem que ter maioria. Não é um assunto que eu vá tratar, o governador é quem conduz esse processo, mas acredito que o PTB seria um bom aliado para consolidar uma sólida maioria na Assembleia. Muito importante do ponto de vista administrativo e, do ponto de vista político, é uma consequência inevitável do pluripartidarismo extremamente robusto que temos.
JC – E que papel o senhor vai ter na Assembleia?
Ibsen – O Legislativo é um espaço de convivência, de entendimento, que envolve também o desentendimento, é a culminância do processo civilizatório de convivência. E como me considero com uma vocação legislativa, vou desenvolver a minha capacidade de convivência, de produzir entendimento – que não deve ser a negação do conflito, mas a superação do conflito. O entendimento verdadeiro é para que seja feito o que dá para ser feito e isso depende da correlação de forças, da qualidade da proposta. Nesse sentido, vou desempenhar o meu papel e devo fazer com facilidade porque vou fazer aquilo para o qual me preparei toda a vida. É o que vou fazer na Assembleia com a visão que tenho de Estado, do governo, com a visão de que não se deve procurar os conflitos, nem evitá-los. A vida se faz de conflitos e da capacidade de superá-los.
JC – Como será a relação do governo estadual com o federal?
Ibsen – No plano institucional, o governo Sartori terá a convivência adequada com o governo Dilma e algumas coisas facilitam: o jeito simples e franco do governador Sartori e a origem gaúcha da presidente Dilma. Espero que isso ocorra independentemente da diferença política e apesar da diferença política. O que pode estar no horizonte é uma crise econômica ou financeira com seus reflexos políticos, mas isso falando do Brasil. Vejo esse risco de crise econômica ou financeira porque as dificuldades da economia mundial vão se refletir aqui e, quando a economia não vai bem, a política segue na mesma linha.
JC – Sobre as articulações para 2016, o vice-prefeito Sebastião Melo será o candidato em Porto Alegre?
Ibsen – O Melo é o candidato natural do PMDB, e espero que seja o candidato natural da coligação do segundo turno de Sartori.
JC – O PDT estará junto?
Ibsen – O PMDB deve trabalhar com os aliados do segundo turno que estão conosco no governo do Estado e reproduzir essa aliança na sucessão municipal em torno do Melo. Não vai ser fácil, o PDT tem suas aspirações, o PP tem suas aspirações e o PSB também. Haverá aspirações divergentes da nossa e devemos trabalhar no sentido de recompor a coligação do segundo turno, que foram aqueles oito partidos do primeiro turno e os que se juntaram depois. Se o PMDB trabalhar nessa linha, temos uma chance de recompor uma grande coligação para enfrentar o PT e seu provável aliado mais antigo, o PCdoB.

Perfil

Ibsen Valls Pinheiro (PMDB) é natural de São Borja e tem 79 anos. Graduado em Direito, atuou como advogado, procurador e promotor de Justiça. Durante a juventude foi militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e com a instauração do bipartidarismo pela ditadura civil-militar, em 1966, se filiou ao MDB. Foi vereador de Porto Alegre (1977-1979), deputado estadual (1979-1982) e deputado federal por três mandatos em sequência – sendo um deles como constituinte (1987-1990). Em 1991, foi eleito presidente da Câmara dos Deputados e comandou o processo de impeachment do presidente da República Fernando Collor de Mello (ex-PRN, atual PTB). Em 1994 foi cassado. Retornou à vida pública em 2005, ao tomar posse como vereador da Capital. Em 2006, foi eleito deputado federal. Não buscou a reeleição e se dedicou à presidência do PMDB gaúcho (2010-2012). Em 2014, ficou como terceiro suplente do PMDB na Assembleia Legislativa. Com a ida de um titular e de dois suplentes para o governo, assumirá uma cadeira no Parlamento.
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