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Coluna

- Publicada em 09 de Janeiro de 2015

A sangue-frio

Impulsos destrutivos e dirigidos para a concretização de objetivos relacionados à cobiça e à luta pelo poder surgem diante de nós utilizando vários disfarces. O primeiro filme de Dan Gilroy, este extraordinário O abutre, relaciona vários deles e termina, a partir de dados reais, erguendo uma sólida e poderosa alegoria sobre a desumanidade que comanda indivíduos envolvidos numa luta sem trégua, num mundo controlado por forças que o encaminham para um combate constante pela sobrevivência. O relato é impressionante, e cabe ao diretor o crédito de ter utilizado de maneira perfeita a técnica do crescendo dramático. A narrativa vai se tornando cada vez mais perturbadora e em alguns momentos, como na cena do restaurante, quando a polícia começa a chegar ao local onde se encontram os criminosos, o suspense cinematográfico é utilizado com maestria. Gilroy, antes roteirista, faz uma estreia que, de certa forma, lembra a de Peter Bogdanovitch em 1968, com Na mira da morte, outro filme notável sobre o tema da violência e que também abordava a questão da imagem, no caso a de um filme de terror, e seu relacionamento com a realidade. Mas há outra referência, não em tonalidade mas no que se relaciona à temática: o filme A montanha dos sete abutres, realizado em 1951 e um dos grandes momentos da filmografia de Billy Wilder, no qual um repórter inescrupuloso se transforma num encenador, comandando um espetáculo sensacionalista e criminosamente prolongado a fim de aumentar a circulação de um jornal.

O abutre é mais um filme a abordar a questão do sensacionalismo e a manipulação. Mas não o faz de forma a restringir o espaço focalizado. Vai além de sinais superficiais e procura se transformar em ensaio sobre a busca pelo poder a qualquer preço e com a utilização de métodos que transformam o protagonista em elemento integrado a uma sociedade no qual o desastre, assim como em Weekend, de Jean-Luc Godard, realizado em 1968, é um símbolo adequado. E na cena na qual o protagonista move um corpo, a fim de tornar mais dramáticas as imagens a serem exibidas depois pela televisão, não estamos presenciando apenas um ato abominável e desonesto, pois tal cena expõe de forma clara o verdadeiro papel do protagonista: uma figura que utiliza qualquer método para alcançar os degraus mais altos da escada que decide enfrentar. Em parte de sua narrativa, Gilroy utiliza as armas da sátira, aproximando-se assim de Wilder. Todo o seu relacionamento com o auxiliar contratado é primoroso. Começa com uma entrevista que já se transforma numa negociação. Este, por sinal, é um tema praticamente constante no filme, já que também acompanha a relação entre o personagem interpretado por Jake Gyllenhaal, em atuação notável, com a chefe de reportagem. As negociações com o discípulo terminam de forma a acentuar ainda mais o caráter do cinegrafista e um toque de ironia devastadora surge ainda na cena final, quando uma equipe está montada e um discurso de incentivo é feito aos iniciantes.

Não estamos, portanto, diante de um filme somente dedicado a criticar o sensacionalismo e a manipulação. O que vemos na tela é um desfilar de imagens e situações que procuram demonstrar o abismo do qual a civilização se aproxima ao divulgar e cultuar a violência como o grande espetáculo. Esta violência não é imposta, mas parece surgir do interior de cada indivíduo e que depois se volta contra ele próprio. A cena do espelho, em tal sentido, é reveladora, uma autodestruição filmada de forma exemplar e que não esconde a fera escondida pelos sorrisos e pelos rituais de cortesia. Na sequência inicial esse tema já é colocado, quando o personagem principal é apenas um ladrão de material depois vendido no mercado oculto. Mas essas cenas de abertura já expõem o que se verá a seguir. Não há violência capaz de deter o impulso destinado a captar imagens capazes de transformar o protagonista em grande empreendedor. O que se vê no epílogo é uma organização em marcha. O mundo se estrutura a partir de forças diante das quais vidas humanas nada valem. Conclusão pessimista de um filme contundente.