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Coluna

- Publicada em 19 de Dezembro de 2014

Encontro e separação

Stefan Zweig anda sem sorte no cinema. Depois que Wes Anderson, um cultor de caricaturas e deformações, se inspirou nele para realizar Grande Hotel Budapeste, agora é a vez de Patrice Leconte, nome que, apesar da boa vontade de alguns críticos nunca figurou entre os realizadores franceses da primeira linha, transpor para o cinema uma história do autor. Uma promessa tinha muitos temas para propiciar um filme dos melhores, mas a falta de inspiração do diretor é evidente durante toda a narrativa, dominada pelo convencionalismo e conduzida pela rotina. O filme é um exemplo de como sugestões podem ser desperdiçadas e de como temas ricos de possibilidades sofrem um processo de diluição quando tratados de maneira desprovida de inventividade. Zweig, que se suicidou em Petrópolis, no ano de 1942, tem seu nome ligado ao cinema pelo fato de uma de suas novelas ter dado origem a uma obra-prima, quando Max Ophüls realizou, em 1948, Carta de uma desconhecida. O novo encontro do escritor com o cinema certamente não será lembrado da mesma forma, isso porque Leconte não consegue desenvolver apropriadamente os temas propostos e está muito distante de um cineasta capaz de se aproximar de forma enriquecedora das sutilezas contidas no relato. As sugestões são muitas, mas são tratadas de forma convencional, quando não equivocada.

Zweig, que escreveu para Richard Strauss o libreto de A mulher silenciosa tomando como ponto de partida uma comédia de Ben Jonson, sempre teve a música como um de seus interesses maiores. Chegou mesmo a incluir o esforço de Handel para compor O Messias entre os grandes momentos da história da humanidade. O filme se aproxima de tal universo a partir da protagonista, mas o que deveria se constituir em algo revelador da distância entre ela e o marido mais velho termina apenas numa fala desrespeitosa antes da cena da ópera, cena esta, por sinal, filmada de forma canhestra. Mas onde o filme mais revela sua superficialidade é no desenvolvimento daquilo que poderia ser, em outras mãos, um estudo sobre relações humanas numa sociedade com acentuadas diferenças entre classes sociais. O técnico que é utilizado pelo proprietário de uma grande siderurgia é um personagem viscontiano. Mas como não há termo de comparação entre Luchino Visconti e Leconte, o que vê em cena é apenas uma tênue referência. As sugestões são muitas, mas o realizador, sem dúvida, não era o indicado para tal tema. O grande capital em ação antes e depois da Primeira Guerra Mundial e um jovem proveniente da base da pirâmide, apaixonado pela mulher de um representante do poder maior, é um tema de uma riqueza distante do realizador, que nele apenas viu um romance e nunca a ilustração de um conflito gerado por proibições de origem material e criado por impulsos descoberto pelo médico que é citado, sem ter o nome declinado, num diálogo.

Há momentos nos quais Leconte tenta expressar por imagens a essência do que está filmando, como na cena em que o protagonista aproxima o rosto das teclas do piano, mas a extensão da cena e a forma como é filmada resultam apenas numa obviedade dispensável. O filme nada mais é do que uma narrativa superficial de algo que poderia ser resumo significativo de um drama no qual o tema edipiano, mesclado a uma tentativa de ascensão, poderia resultar num quadro revelador de insatisfações e gerado por diversas formas de repressão. O tema do desejo sendo sufocado pelas normas da civilização e pelos conflitos gerados por deformações é certamente o que mais tem proporcionado obras-primas em todas as artes. Muitas vezes ele aparece em obras menores e cumpre seu papel de alertar espectadores, leitores e ouvintes sobre o papel dos indivíduos no mundo e na história. Eis uma forma de ver filmes como este Uma promessa. Porém, sempre é imperioso olhar para o passado, onde se encontram muitos momentos expressivos, enquanto são aguardados aqueles filmes que certamente enriquecerão o cinema.