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SAÚDE

- Publicada em 02 de Dezembro de 2014 às 00:00

Múltiplos fatores levam Estado e Capital a liderarem rankings de Aids


Jornal do Comércio
Mudanças comportamentais, passado problemático, dificuldade de acesso aos serviços de saúde, registros e estatísticas mais abrangentes e cultura machista e discriminatória são algumas das hipóteses levantadas para que o Rio Grande do Sul e a Capital liderem o ranking de casos de Aids no País. Contudo, elas não chegam perto de trazer uma explicação precisa sobre a epidemia, que tem se destacado do restante do Brasil desde 2006. Um dos motivos para essa falta de precisão e, em consequência, pelo insucesso das políticas públicas na área, é a falta de mapeamento recente das populações mais vulneráveis ao vírus.
Mudanças comportamentais, passado problemático, dificuldade de acesso aos serviços de saúde, registros e estatísticas mais abrangentes e cultura machista e discriminatória são algumas das hipóteses levantadas para que o Rio Grande do Sul e a Capital liderem o ranking de casos de Aids no País. Contudo, elas não chegam perto de trazer uma explicação precisa sobre a epidemia, que tem se destacado do restante do Brasil desde 2006. Um dos motivos para essa falta de precisão e, em consequência, pelo insucesso das políticas públicas na área, é a falta de mapeamento recente das populações mais vulneráveis ao vírus.
Sabe-se que os jovens tem apresentado uma maior resistência ao uso dos preservativos, em contrapartida, a detecção tem também aumentado nos idosos. As condições socioeconômicas e a escolaridade influenciam na vulnerabilidade, sendo os moradores de rua uma população que merece atenção neste sentido. Além disso, 47,4% dos casos notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde no ano de 2012 foram de pessoas brancas, 41,3% de pardas, 10,4% de negras.
Apesar da concentração dos casos ser entre os brancos, a maior taxa de detecção é observada em negros no período 2003-2012. Até aí, um mosaico de informações que levam a caminhos distintos. Para os especialistas, a compreensão melhor da situação necessita, sim, da aceitação desta multiplicidade de fatores.
No ano de 2013, foram notificados 39.501 mil casos de Aids no Brasil, sendo a taxa de detecção nacional de 20,4 casos para cada 100.000 habitantes. O Estado apresenta mais do que o dobro, com 41,3 casos, seguido de Amazonas (37,4) e Santa Catarina (32,2). Sobre este dado gaúcho destoante, a diretora do Unaids Brasil, Georgiana Braga-Orillar, ressalta a complexidade de se chegar a uma resposta concreta. “Se tivesse uma explicação apenas, seria muito fácil. É um conjunto de explicações. Uma delas é o próprio sistema de saúde que é muito centrado nos hospitais. Isso dificulta um pouco o acesso. Outra é a discriminação. É uma sociedade bastante tradicional que tem os espaços para as minorias reduzidos”, afirma.
Para o coordenador da Política Estadual de DST/Aids, Ricardo Charão, fatores culturais e problemas no acesso aos serviços de saúde realmente impactam nos números. De acordo com ele, o machismo enraizado no Estado dificulta o uso do preservativo, resistência que é somada a perda do medo em relação à doença. “Do ponto da gestão, acho que houve, nos governos anteriores, pouco investimento. Neste momento, estamos tentando recuperar isso através de mais recursos e de tecnologias novas como, por exemplo, o teste rápido de diagnóstico. Para se ter uma ideia, o Rio Grande do Sul é o penúltimo estado a implantar o teste rápido. Começamos a fazer isso no ano de 2012. Atrás de nós está apenas Santa Catarina”, critica.
A partir da implantação dos testes, Charão acredita que a alta incidência se manterá por alguns anos, mas em longo prazo levará a uma queda gradativa. Em 2014, o governo estadual repassou R$ 15 milhões aos municípios para ações de prevenção. Além disso, foram investidos recursos na compra de preservativos masculinos e femininos, gel lubrificante e medicamentos. O governo federal também repassa R$ 13 milhões para o Rio Grande do Sul todos os anos. “O Estado tem que garantir os insumos de prevenção e também desenvolver as ações de educação e saúde. É importante que nossas crianças e jovens cresçam sabendo que a Aids existe e que é preciso adotar medidas para preveni-la”, ressalta.

Mapa da Aids em Porto Alegre

Drogas são combustível para a epidemia

No final da década de 1990, a Capital apresentava uma característica diferente do resto do Brasil. De acordo com o médico Ricardo Kuchenbecker, professor do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), 1/3 dos casos de Aids foram contraídos pelo uso de drogas injetáveis. A média do País, nunca ultrapassou 8%.
Entre as capitais, Porto Alegre continua liderando a classificação por taxa de detecção, situação que persiste desde 2006. Em 2013, a taxa foi de 96,2 casos (em 2007, chegou a 118,9). “O que temos de objetivo é que, há cerca de dez ou 12 anos, as taxas de detecção de casos de Aids no Rio Grande do Sul destoam das do resto do País. Isso tanto para o Estado quanto para os municípios”, ressalta.
Para o professor, uma das hipóteses para esta situação é que a doença ganhou uma configuração diferente quando da sua chegada, porque atingiu proporcionalmente muito mais usuários de drogas injetáveis do que não usuários. “O uso compartilhado de seringas foi o determinante para duas outras características: rapidamente a epidemia foi para populações mais pobres e levou o vírus para os parceiros sexuais. Esse foi o combustível para que nós tivéssemos esse problema no Estado e as cidades com maior incidência”, afirma.
A grande questão, de acordo com ele, é que uma coisa é uma epidemia na população em geral e outra nas populações mais vulneráveis, que são homens que fazem sexo com outros homens, usuários de drogas injetáveis e profissionais do sexo. O que temos no Estado são números elevados nas populações vulneráveis e na população em geral, por isso os indicativos mostram estatísticas destoantes. “Este diagnóstico preciso ainda não existe, porque, nos últimos 15 anos, não foram feitos estudos populacionais que dimensionassem o tamanho da epidemia. Se isso não aconteceu, é de se esperar que as respostas governamentais tenham dificuldade de estabelecer qual é a população prioritária. Como, então, construir uma pauta sem informações?”, questiona.
Para Kuchenbecker, um estado como o nosso não merece um programa único, mas um focado nos pontos onde a epidemia mais cresce. A literatura chama isso de “mancha quente”, que seria um local com concentração de ocorrências. No caso do Rio Grande do Sul, temos a Região Metropolitana e também municípios como Uruguaiana, Santana do Livramento, entre outros na mesma região, com grande incidência. Além disso, a fronteira que é delimitada por portos, como Rio Grande e a vizinha Pelotas, apresenta esta mesma característica.
Segundo o professor, deve-se trabalhar com ideias mais adequadas ao contexto de cada local. As campanhas hoje são muito pontuais, quando o assunto deveria ser discutido todos os dias. “Mais do que isso, observamos que os adolescentes merecem um tipo de mensagem e, dentro desse grupo, existem várias tribos, que mereceriam abordagens diferentes. Também temos uma tendência, que deve ser observada, de utilização de aplicativos de celular para a busca de parceiros. Se o poder público não está preparado para lidar com situações como essa, as campanhas continuarão sendo apenas de Carnaval, com um impacto limitado, para não dizer nulo”, completa.
O Ministério da Saúde e o Estado firmaram, neste ano, a Cooperação Interfederativa de Combate ao HIV/Aids. O objetivo é fortalecer as ações de controle, tendo como prioridade 15 municípios. Os agentes que participam da cooperação, que conta com a Ufrgs, também têm estudado as razões que levam o Estado e a Capital a se posicionarem tão negativamente. Os resultados devem ser divulgados em 2015. Uma das hipóteses seria o subtipo de vírus circulante no Rio Grande do Sul (tipo C).

Grupos vulneráveis tem acesso dificultado à saúde

Os dados divulgados ontem mostram que Porto Alegre também lidera o ranking de incidência do HIV entre todos os municípios brasileiros. O destaque positivo do balanço foi a cidade de Alvorada. Em 2012, o município liderava a classificação nacional, com 98,8 casos a cada 100 mil pessoas. Em 2013, passou para o quarto lugar, com 66,3 casos por 100 mil habitantes.
De acordo com a secretária de Saúde de Alvorada, Janete Conzatti, até o ano de 2012, o serviço de DSTs/Aids era pouco atuante, com apenas 800 pessoas cadastradas no uso de retrovirais. Atualmente, são mais de 2 mil. “Começamos a realizar um trabalho de busca ativa, indo até escolas e empresas, informando a importância do exame”, afirma.
Em Porto Alegre, dados de 2011 da prefeitura  indicam a incidência de infecção pelo vírus por localidade, sendo a região da Vila Cruzeiro a que apresentava o maior número de casos. Foram 170,75 novas contaminações para cada 100 mil habitantes. Em segundo lugar, estava a região das Ilhas, com 144,06. Observando essas informações é possível constatar que a questão socioeconômica impacta muito na incidência, principalmente no que se refere à dificuldade de acesso aos serviços de saúde.
Gerson Winkler, coordenador da área técnica de DST/Aids e Hepatites Virais da Secretaria Municipal da Saúde, acredita que o número de detecções não está relacionado ao bom desempenho da área de vigilância. “Os dados da nossa vigilância são muito bons, mas não é por isso que somos a Capital com o maior número de casos de Aids”, afirma. Segundo ele, os fatores que explicam a alta incidência estão relacionados ao acesso à saúde, ao diagnóstico tardio, ao esgotamento das estratégias de prevenção, à perda da visibilidade da problemática da Aids e às ações dos gestores que apresentam um esvaziamento dos discursos sobre o HIV.
Para o coordenador, a negociação do uso da camisinha feita pelas mulheres com seus parceiros também é um problema, o que faz com que elas sejam consideradas em situação de vulnerabilidade para o vírus. “Quanto mais vulnerável é uma população, mais chance ela tem de contrair o HIV. Isso vale também para os moradores de rua”, relata. Assim, a secretaria tem procurado descentralizar as ações na Capital para melhorar a assistência. “Estamos propondo o atendimento na atenção primária, melhorando a qualidade dos serviços especializados e acompanhando as causas da mortalidade. Estamos cada vez mais disponibilizando o diagnóstico e fazendo com que ele se torne um exame de rotina da população”, ressalta.
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