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Coluna

- Publicada em 24 de Outubro de 2014

O pai

O diretor David Dobkin não é um estreante. Antes realizou filmes que passaram despercebidos, entre eles alguns pertencentes ao gênero da comédia, este gênero que tem sido, nos últimos anos, vítima do mau gosto e da falta de imaginação de um grande número de realizadores americanos. A se julgar por este O juiz, uma experiência no drama, o realizador poderia ter permanecido nas sombras que abrigam diretores sem expressão e que só conseguem destaque graças à benevolência que parece reinar em muitos setores da crítica cinematográfica. Mas a culpa não é só dele. Seu filme é bastante prejudicado pela presença de Robert Downey Jr., um ator que, em vez de criar personagens, parece mais interessado em fazer a caricatura deles. Em cena, ele parece não se decidir entre o drama e a comédia, a todo o momento recorrendo a gestos e expressões artificiais. Só por ter interpretado Charles Chaplin, num filme que por sinal não obteve a repercussão esperada, talvez ele se julgue portador de um talento superior que lhe permita expressar dor e alegria num só momento, mas o que consegue em cena é uma mistura artificial, por vezes grotesca, como na cena inicial e em quase todo o restante da narrativa. E a referência ao personagem Atticus Finch,  vivido por Gregory Peck em O sol é para todos, em interpretação laureada com o Oscar e destacada como a maior criação de uma figura positiva em eleição realizada pelo American Film Institute, só contribui para destacar a distância entre uma criação e uma distorção da realidade. E como Downey Jr. é um dos produtores, o narcisismo que toma conta do filme tem uma clara explicação. O diretor Dobkin, que é um dos roteiristas, também não merece ser perdoado pelas impropriedades e superficialidades que dominam o filme.

Depois de ser verificado o equívoco que é a postura em cena do ator principal, seria interessante também atenção para outro tema. A história narrada por Dobkin certamente que sob outro diretor, que entre outros méritos controlasse o exibicionismo do principal nome do elenco, teria resultado bem melhores. Isso porque o argumento possui elementos que poderiam ter resultado num filme apreciável. A família desfeita e a sugestão proposta pela mescla entre a autoridade paterna e a justiça são um dos temas que surgem em cena mas não são desenvolvidos de maneira apropriada. Talvez seja esta a principal característica de um filme insatisfatório: não desenvolver um tema de maneira a enriquecê-lo. O conflito básico, aquele do filho diante do pai, é desenvolvido de forma superficial, até mesmo quando introduz em cena o problema do incesto, resolvido de forma superficial, quase grotesca. Certamente não a toda hora surge um Ingmar Bergman, ainda mais num cinema que atravessa no momento uma fase pouco propícia a desafios como o de colocar em cena tal tema.

Filmes como O juiz refletem, sem dúvida, a pobreza criativa que marca o cinema americano atual. Mais do que isso, eles expressam a ausência de critérios que tem permitido que a tela cinematográfica seja dominada por produções que nada acrescentam e apenas se integram a um processo destinado a transformar o ser humano num espectador desprovido de critérios. Os três irmãos que o filme focaliza poderiam ser vistos como consequências de uma ordem no qual prevalecem o autoritarismo e o diálogo é algo ausente. O cinismo, a frustração e as dificuldades de compreensão da realidade são temas tratados de forma superficial. E até o cinema, que aparece como instrumento que capta imagens e preserva a memória e como tal é vítima do autoritarismo, mereceria mais do que referências ligeiras. Nos momentos finais, na cena do lago e na do tribunal, com o filho diante da cadeira vazia, Dobkin consegue se aproximar de algo mais consistente. A definitiva ausência do pai coloca o protagonista diante de um impasse não resolvido. A figura de Robert Duvall  é desperdiçada, mas certamente sua presença serve de exemplo de como é valioso um intérprete de tal nível para a criação de um personagem. Mas não há o que atenue a participação do outro ator, que parece sempre uma figura vivendo uma comédia involuntária.