Um dia desses, assistindo ao discurso de uma liderança política histórica do Rio Grande do Sul, fiquei com os olhos marejados. Talvez porque aquilo que era dito traduzia com muita autoridade o sentimento de desconforto da sociedade brasileira com o caráter da política e as oportunidades que se abrem para renová-la, desde as jornadas de 2013. Ou, então, porque ao ouvi-lo, lembrei-me do quanto lutamos pela redemocratização do País e pelo fato de estarmos juntos, de novo, num grande movimento social para democratizar a democracia. Então, de olhos marejados, assisti ao orador chorar, como se fora uma lição de que nos momentos decisivos da história as lágrimas podem servir para lavar a alma e a camisa, cujas mangas arregaçadas encorajarão muitos outros a promoverem mudanças. Olhando assim, chorar é uma demonstração de coragem.
Não há dúvidas de que a aventura humana alcançou o século XXI porque, ao longo de 3 milhões de anos, o homo sapiens aprendeu a ter medo, a sorrir e a chorar. Medo para antecipar e lidar com o perigo. Sorrir para demonstrar ao outro sua satisfação em conviver. E chorar para denunciar a fome, a dor, a injustiça, a emoção e fazer o luto. Foi com essa disposição para aprender que dominamos a natureza e nos distinguimos das feras. Mas é verdade, há um Brasil que não chora, a exemplo de tantas outras partes de países que também não derramam lágrimas, ocupadas com seus interesses privados e cujo apartamento dos assuntos públicos dá sobrevida a alguns políticos insensíveis aos seus problemas. É um Brasil profundo que não mostra seu rosto, mas que vira as costas à violação dos direitos humanos nos presídios; que desdenha da pobreza e diz “não é comigo” diante da violência, dos preconceitos, da corrupção e qualquer outro meio utilizado para ocupar o Estado e nele permanecer, sem medo e com os olhos áridos.
Talvez por tudo isso meus olhos tenham ficado marejados. Pois sei que existe outro Brasil que se emociona com uma vila regularizada, com o acesso à educação, à saúde, à cultura e com governos interessados no bem-estar coletivo. Este Brasil tem medo, mas vai para as ruas. Sorri a cada nova mudança. E chora quando arregaça as mangas limpas e põe as mãos à obra. Esta é a melhor parte do Brasil.
Vice-prefeito de Porto Alegre