A Lei Complementar 147/2014, sancionada em agosto, universalizou o Supersimples, regulamentou o uso da substituição tributária e criou um cadastro único para as micro e pequenas empresas. Na esteira da nova legislação, criou-se também um dispositivo que busca proteger o empreendedor do surgimento de normas que, no futuro, descarreguem ainda mais exigências corporativas nos ombros dos empreendedores.
Tratada como uma espécie de "marquise" pela Secretaria da Micro e Pequena Empresa, o texto garante que novas legislações, a partir do momento que não ofereçam um tratamento simplificado e favorável para os pequenos, têm seu valor cancelado para todos os negócios com faturamento bruto anual de até R$ 3,6 milhões.
Homologado no dia 7 de agosto, o dispositivo teve oportunidade de testar seu valor no dia seguinte, 8 de agosto - foi usado para restringir o alcance de uma nova regulamentação que obrigava todas as farmácias e drogarias do País a manterem um bacharel farmacêutico em período integral dentro do estabelecimento à disposição do cliente.
Aprovado por unanimidade pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, o projeto dos farmacêuticos colocava fim a uma brecha legal que, na prática, dava ao técnico ou ao prático farmacêutico condições para responder pela drogaria na ausência de um profissional com curso superior na área. O expediente vem sendo usado, sobretudo, por pequenos empresários do ramo que alegam não dispor nem de recursos nem de mão de obra formada em número suficiente para tanto.
A "marquise" foi provocada pela própria Secretaria da Micro e Pequena Empresa, que buscava um caso prático para inaugurar o dispositivo. Na forma de uma Medida Provisória, ela alterou a lei e, em caráter de exceção, manteve o espaço para o trabalho dos técnicos e dos práticos em unidades de micro e de pequeno portes, realidade de 66 mil das cerca de 80 mil farmácias brasileiras (pouco mais de 80%), segundo a Associação Brasileira de Comércio Farmacêutico (ABCFarma).
A medida desagradou os farmacêuticos, representados pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF). A instituição deve entrar nos próximos dias com uma representação para anular a proteção e igualar as exigências entre os negócios do ramo. "Houve uma interferência do Executivo em uma questão que já estava acertada entre todos os envolvidos, aprovada por unanimidade pelo Congresso", diz o vice-presidente do CFF, Valmir de Santi. "A Constituição prevê privilégios para a pequena empresa dentro da área administrativa, financeira e fiscal. Mas não pode prever na área sanitária, na saúde."
Já na opinião dos empresários do setor, principalmente os donos de drogarias independentes (aquelas que não se organizam em redes), a Medida Provisória chegou em boa hora. "Não existem profissionais suficientes em todas as regiões do Brasil para que essa medida que obriga a presença do farmacêutico entre em vigor", afirma Renato Tamarozzi, diretor executivo da ABCFarma.
Para o ministro da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, Guilherme Afif Domingos, as medidas de proteção a micro e pequenas empresas ultrapassam as polêmicas, pois, segundo ele, vale o marco legal. "Eu não tenho nada contra os farmacêuticos, mas o que existe aí é um corporativismo". Ele rebate a acusação de que a medida cria privilégios sanitários. "Estamos criando privilégios administrativos, tratando com desigualdade o que é desigual."
No pacote de medidas aprovado na esteira da universalização do Simples, um dos pontos de destaque vai para o fim da exigência de certidão negativa de impostos, medida que quando entrar em vigor permitirá encerrar uma empresa na hora, em uma única visita à Junta Comercial.
Hoje, para pôr fim a um CNPJ, é preciso quitar todos os débitos contraídos com o Fisco, processo que corrobora para alguns milhões de empreendimentos mortos-vivos - empresas sem movimentação financeira, mas que precisam informar balanço anual à Receita, sob pena de multa de R$ 560,00.
Segundo o ministro da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, Guilherme Afif Domingos, o prazo para a medida entrar em vigor é até o final de novembro. "Vamos lançar no Distrito Federal lá pelo dia 25 de setembro e, até novembro, para o restante do Brasil", destaca.
Em tese, a nova legislação abre a possibilidade para que os débitos da empresa migrem, no momento do encerramento, para o CPF dos sócios. Um ajuste legal comemorado pelo governo, mas visto com atenção por parte de alguns especialistas. "Eu não aconselho a um empresário que transfira para a pessoa física as dívidas de sua empresa", observa o presidente do Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Estado de São Paulo (Simpi-SP), Joseph Couri.
Na opinião do advogado Marcos Tavares Leite, especialista em pequenas empresas, a transferência da pessoa jurídica para a física fere a Constituição. "Embora seja uma medida que agiliza o fechamento das empresas, ela coloca em risco a empresa de responsabilidade limitada, que limita a responsabilidade dos sócios ao capital social", analisa. "Na prática, o empresário com débitos vai continuar fazendo como faz hoje. Ele vai manter a empresa aberta para não contrair para si as dívidas dos negócios", afirma.
Outro pleito antigo dos empresários, e que já está em vigor desde a sanção da Lei Complementar 147, em agosto, é a instauração do princípio da dupla visita da fiscalização. Com ela, os fiscais só podem aplicar multa para empresas reincidentes em uma mesma infração. A exceção nesse caso vai para as infrações tributárias, que não precisam ser advertidas antes de uma canetada por parte do fiscal.
Em tese, a medida deve colocar um ponto final em problemas como o enfrentado recentemente por Lindolfo Dias de Paiva. O empresário é fundador da Mr. Cheney, rede de franquias especializada em cookies, espécie de biscoito tradicional nos Estados Unidos. Há um ano, ele foi multado em R$ 14 mil, porque um de seus funcionários, menor de idade, bateu o ponto 15 minutos depois das 22 horas (pela legislação brasileira, menores de 18 anos não podem trabalhar além das 22 horas).
"Temos 50 funcionários e uns sete são menores aprendizes. E apesar de a gente sempre falar que eles não podem trabalhar além do horário, acho que nesse caso ele deve ter se esquecido, devia estar conversando com alguém e perdeu a hora, vai saber. Não fez por mal, e nós ficamos muito surpresos com o rigor da fiscalização, já que ficaram uns seis meses analisando nossos papéis e só encontraram esse caso", conta o empreendedor.