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- Publicada em 05 de Setembro de 2014

Ilusionistas

Um filme por ano, sempre um trabalho a merecer atenção. Esta tem sido a rotina de Woody Allen, que seguidamente, em tal ritmo, nos brinda com alguma obra-prima. O filme ora em cartaz, Magia ao luar, é outro bom trabalho do autor, e se agiganta num panorama, o do cinema norte-americano atual, no qual são poucos os realizadores dignos de terem sua obra acompanhada e a comédia, principalmente ela, tem sido transformada em algo desprezível. Causa realmente espanto que um cineasta como Allen venha mantendo atividade regular, o que de certa maneira mostra que ainda existem pelo mundo espectadores que não se renderam à ditatura da mediocridade e da grosseria. Os filmes do diretor não são campeões de bilheteria, mas um público fiel tem permitido que uma das obras mais notáveis de todo o cinema tenha prosseguimento regular. Ao voltar a alguns de seus temas prediletos, principalmente aquele relacionado ao fazer artístico e à fantasia, o cineasta espalha ironia e inteligência por toda a narrativa, até chegar ao ponto final, aquele no qual duas formas de ilusionismo se encontram e se harmonizam.

Não é a primeira vez que a magia aparece na obra do diretor. Também uma outra forma de ilusionismo não é algo inédito na sua filmografia. Mas aqui elas se unem não apenas por propiciarem uma espécie de dueto, no qual não apenas o desejo aparece, já que a agressividade nos diálogos é um elemento importante nesse relacionamento. Mas o mais interessante é que os dois protagonistas, um mágico e uma vidente, são iguais, até por saberem que antes de tudo são vendedores de ilusões. Quando o filme começa estamos assistindo a um espetáculo de magia, no qual a estrela é o chinês Wei Ling Soo, que entre outras coisas é capaz de fazer desaparecer um elefante. Ele é uma atração dos palcos europeus nos anos 1920 e está atualizado, pois entre as obras musicais que utiliza para abrilhantar seus espetáculos está a Sagração da primavera, que alguns anos antes havia causado um grande escândalo em Paris. Mas Soo não é o que parece. Ele próprio é uma farsa. Trata-se de um inglês que usa um disfarce para enganar a plateia. Cria um personagem para encenar falsidades. Além disso, ele tem especial predileção em desmascarar videntes, que, assim com os mágicos, também faziam sucesso na época, permitindo contatos com pessoas mortas e assim contribuindo para que continuasse o diálogo entre parentes. De certa maneira, ao desfazer ilusões e desmascarar videntes, ele parece exercer a autocrítica, como se estivesse voltado contra sua própria atividade, pois também é um vendedor de fantasias.

Porém, a fantasia é algo essencial, como próprio Allen já havia mostrado em uma de suas obras-primas, A rosa púrpura do Cairo, principalmente naquela cena final, também uma homenagem a Ingmar Bergman que, no último plano de Morangos silvestres, já havia mostrado o valor do rosto humano para o cinema. É desse conflito entre a imposição da realidade e a necessidade da fantasia que o realizador consegue o melhor de seu filme. Em alguns momentos, como na cena do observatório, ele coloca seus protagonistas diante do grande mistério. Em outra cena, filmada em plano-sequência, sem corte, o protagonista, desesperado diante do possível desaparecimento da mãe substituta, deixa de lado seu cinismo e seu apego ao mundo real e implora pela reza uma salvação. De repente, o personagem retrocede, mas a ironia permanece a seguir quando sua prece parece ter sido atendida. Na cena final, até pela utilização do truque sonoro antes empregado pela vidente, realidade e fantasia se mesclam, como se uma não pudesse existir sem a outra. Quanto ao amigo, também ele um mágico, tal personagem funciona como uma voz interior, destinada a desmitificar a ilusão. E há também o jovem milionário, sempre um personagem de musical, em constante serenata, propalando em música e palavra as delícias da riqueza e as vantagens do sistema. A comédia, como já foi anteriormente constatado, é um drama disfarçado. Allen tem demonstrado isso com a imaginação que ilumina e orienta os melhores cineastas.