Se em 2010 a presença do brasileiro na internet já era significativa, em 2014 a influência das redes sociais representa um papel ainda mais intenso da participação online, sobretudo com o início das campanhas eleitorais para o próximo 5 de outubro. A entrada mais forte dos candidatos na rede e a maior participação dos eleitores nos debates, impulsionados por uma maior facilidade de acesso à internet, prometem acalorar ainda mais as eleições, não somente no ambiente virtual. Para fazer uma análise deste primeiro mês de campanha nas redes, o Jornal do Comércio ouviu o professor do Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Espírito Santos (UFES) e coordenador do Labic (Laboratório de estudos sobre Imagem e Cibercultura), Fabio Malini. Confira a entrevista a seguir:
Como você analisa esse primeiro mês de campanha eleitoral nas redes sociais?
Fabio Malini - Até a chegada da campanha eleitoral, as coisas estavam bastante frias, um cenário até bastante consolidado do que se colocava do por vir. A morte do Eduardo Campos mudou o quadro completamente, entrou-se numa eleição em que não se sabe quem vai ganhar. Essa indefinição tornou a eleição nacional mais emocionante, e essa emoção já começa a transparecer pelo volume de pessoas que, de modo passional, passaram a se manifestar. Acho que esse elemento conflitivo, emocional, seja o que caracterize de certa maneira essas eleições. Algo que a gente não vivia desde 1989, talvez; um quadro tão incerto em relação a quem vai ganhar. A pesquisa da Datafolha que inseriu a Marina Silva na eleição também foi dentro de um quadro muito emotivo, muito comovente em relação à morte do Eduardo Campos. Acho que vai ser uma eleição quente, e que todos os lados vão ter que deixar ainda mais claro quais são os seus projetos. Mas, um elemento realmente interessante dessa eleição é a possibilidade da não-polaridade. Isso realmente é um frescor que a eleição tem em relação às eleições desde 1994. Praticamente PT e PSDB são os partidos, com as suas eventuais coligadas, que disputam as eleições no Brasil.
Apesar de a campanha estar no começo, já se pode perceber alguma estratégia dos candidatos, especialmente na internet?
Malini - Sim, dá para perceber. O Aécio ficou muito no anti-petismo. O Eduardo Campos também, dizendo que o governo Dilma perdeu a capacidade de gerar mais desenvolvimento para o país. Essas pedras eram muito atiradas à Dilma, já que ela estava à frente e inclusive com muita capacidade de vencer no primeiro turno. A saída de Eduardo de cena e a entrada da Marina tumultuou um pouco em função de que a Marina cresceu trazendo os indecisos e os nulos, pessoas que estavam desesperançosas em relação à campanha. Mas, mesmo assim, é algo que ainda está muito no campo da comoção política associada a Eduardo Campos. Você tinha dois candidatos com fortes críticas ao campo econômico, e a Dilma se defendendo disso, dizendo o contrário. Acho que tem, agora, uma situação de mudança de estratégia, que é esse efeito Marina. Ao mesmo tempo, a rede da Marina é a rede menos consolidada na internet. Nos últimos dois anos, até fevereiro de 2013, quando ela lança a ideia da Rede de Sustentabilidade, tem-se um silêncio da Marina. Já as candidaturas de Aécio e Dilma têm muita consciência na rede, têm apoiadores, que são milhares de militantes, gente que discute... algo que a Marina não tem. Essa campanha, particularmente, vai ter um papel muito importante.
Por quê?
Malini - Primeiro porque os políticos, com a entrada mais forte deles na rede, passaram a ter mais público, foram cultivando mais seus eleitores. Segundo porque é uma eleição que vai ter muito o aspecto do humor, da chamada zoeira, que é muito de 2014, em função até do que a gente viu na Copa do Mundo. Em terceiro tem o fato de que as pessoas estão cada vez mais habituadas a ver televisão com o celular, com o computador, então tendem a repercutir muito o que estão vendo na televisão, ou seja, programa eleitoral e debate eleitoral. Esse papel importante, estratégico, de milhares de perfis expoentes na rede vai ser muito maior que em 2010, a ponto de até definir voto. De certa maneira, a Marina sai perdendo nessa eleição porque ela não tem essa consciência na rede ainda, ela vai ter que constituir. E a rede do Eduardo é uma rede que dialogava com a do Aécio e com a da Dilma também, ele construiu ali uma rede que tinha essa fluidez. Não se sabe ainda qual estratégia que a Marina vai construir, mas me parece, pelo discurso dela, que ela vai manter essa ideia de acabar com a polaridade política. PT e PSDB também vão ter que entrar nesse discurso de fim da polaridade, afinal, o segundo colocado não é mais o Aécio. É uma eleição que talvez o povo brasileiro espere há 25 anos, ou seja, uma eleição que de fato tem modos muito diferentes.
Nesse cenário, os candidatos estão sabendo explorar mais a internet ou ela ainda é ambiente de mais militância?
Malini - Acho que os candidatos estão bem profissionalizados em relação a isso, sem dúvida. A Marina, por exemplo, é muito presente na rede, a Dilma é muito presente na rede, o Aécio um pouco menos. Quando eu falo rede não falo só Facebook, falo do sistema da rede. A Dilma tem, claramente, uma campanha de internet muito diversificada, muito colorida, ou seja, está com um trabalho muito qualificado em relação à internet. Esse capital social que foi criado por eles se torna hoje também uma estratégia de diálogo, fortalecimento e engajamento dos militantes. Mas eu não acredito muito no papel dos militantes nessas eleições, não. Acho que os militantes estão cada vez mais aloprados na internet.
A presença dos militantes na internet funciona como estratégia para propagar notícias, boas ou ruins?
Malini - Eu acho que existe o compartilhamento e também existe um processo de amadurecimento do que a gente pode chamar de militância partidária. As militâncias partidárias também passaram a se questionar um pouco mais sobre o seu papel dentro de um partido, em função da crítica da imprensa aos partidos depois de junho de 2013. Acho que existem comportamentos diferentes. Têm militantes que tornaram sua prática mais crítica e aqueles que alopraram, ou seja, aqueles que viraram fãs incondicionais e que muitas vezes não conseguem perceber a loucura que estão cometendo. Acho que é uma eleição muito sui generis. Desde 1989 a gente não tem eleição tão aberta.
Em relação à presença dos candidatos nas redes sociais, se fala numa ‘guerrilha virtual’, ou seja, numa disputa entre os partidos por visibilidade na internet, para chamar a atenção dos eleitores. Isso tem acontecido nesse primeiro mês de campanha?
Malini - Nesse primeiro mês, ainda não tão forte. A gente passou a perceber isso um pouco mais em função, por exemplo, das entrevistas no Jornal Nacional, que foi a grande aparição pública de cada um deles nas últimas semanas. Para as duas grandes campanhas com mais musculatura de rede, Dilma e Aécio, qualquer discussão mais acalorada ganha uma abrangência muito ampla na rede. Sobretudo porque um se alimenta do amor e ódio do outro. Então, se um vai mal, quem é contra e quem é a favor ativa a rede. Isso me parece que é o conflito que chamam de guerrilha entre campanhas.
Em relação às eleições de 2010, o papel da internet está muito mais forte nesse ano?
Malini - Sim, a internet tem um papel de divulgação muito intensa das candidaturas, por conta dos perfis de cada um dos candidatos, com muitos fãs. O Aécio tem mais de um milhão de seguidores no Facebook, Marina mais tantos mil no Twitter e no Facebook, e os partidos também estão com mais musculatura em relação a esses fãs. Os candidatos locais também estão mais consistentes na rede, e isso cria uma ecologia que ajuda na ampliação e na divulgação de informação. Em segundo lugar, tem o papel de discussão, de debate, que vai ser em alguns momentos sangrento, como em qualquer eleição, mas esse ano, em função dessa atividade mais intensa, as pessoas tendem a discutir mais, até por conta também da maturidade que as pessoas passaram a ter nessas plataformas de redes sociais. O terceiro elemento é o humor, eu acho que é uma eleição com muito humor, que não está só aí nas redes sociais, está também no WhatsApp, por exemplo. E isso tem um elemento apaixonante, um elemento invisível, que é todo um conjunto de estratégias, como o vídeo do Tiririca. O quarto elemento é essa cultura de segunda tela, que teve já em 2010, mas que não era tão forte. As pessoas estão muito mais habituadas a acompanhar novela e jogo de futebol pela internet. E a eleição, como é um evento, caracteriza, por exemplo, uma forte participação no Twitter.
Você acha que os próprios candidatos estão sabendo utilizar mais as ferramentas de internet, ou elas ainda são utilizadas mais pelos eleitores?
Malini - Acho que por ambos. Ambos têm essa capacidade de ficar viralizando, de criar material. E aí tem também esse elemento novo, que é a cultura do smartphone, que não tinha em 2010. Um terço dos acessos do Facebook, aqui no Brasil, vem pelo celular. Você vê a população jovem, por exemplo, que nem quer mais comprar pacote de telefone, ela quer pacote de dados pra usar mais a internet. Existe uma engenharia comunicacional mais forte por conta dos perfis que os candidatos têm com uma audiência grande, é um espaço de muito debate, essa estrutura invisível passou a existir, que é essa possibilidade de vocês circular e que funciona também para agilizar os processos deliberativos das campanhas também, não só com o eleitor. Também é uma relação interna, como você constrói decisões muito mais rápidas utilizando, por exemplo, o WhatsApp. As informações estão muito mais aceleradas.