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coluna

- Publicada em 18 de Julho de 2014

Médico e monstro

A diretora Lucia Puenzo, também autora do livro que deu origem a este O médico alemão, espalha pela narrativa muitos exemplos de como colocar nas imagens a essência do que está sendo filmado. O trabalho, uma ficção inspirada na passagem de Josef Mengele pela Argentina após a Segunda Guerra Mundial, tem como primeira sequência uma viagem de carro na qual um viajante pede a uma família permissão para participar em caravana com seu carro, por motivos de segurança. É uma sequência perfeita. Na frente a família e bem perto a figura do médico. A instituição acompanhada pela figura que parece persegui-la, como uma ameaça sempre presente. Não há dúvida alguma sobre a capacidade da realizadora de sintetizar em imagens o que a seguir será narrado.  A cineasta é filha de Luiz Puenzo, realizador que ganhou o Oscar de filme estrangeiro em 1984 pelo excelente A história oficial, no qual a questão da ditadura não era vista apenas como um tema político, mas desenvolvida de forma a ampliar o tema de maneira enriquecedora. Ela já está em seu terceiro longa-metragem, que por sinal foi indicado pela Argentina para concorrer àquele prêmio americano.  Mengele já havia aparecido em outro filme, Os meninos do Brasil, realizado por Franklin J. Schaffner a partir do livro de Ira Levin e no qual Gregory Peck vivia o papel do médico alemão que realizou, durante o nazismo, experiências com seres humanos, e Laurence Olivier, o seu perseguidor.

O passado sinistro do médico não é explicitado em cena. Ele surge através de situações e objetos. Não é necessária a utilização de voltas no tempo. A realizadora não utiliza o retrocesso visual. Desde o início, o interesse de Mengele pela menina narradora é causado quando ele confunde a idade dela, que sofre de nanismo e aparenta, por causa da altura, uma idade menor do que a verdadeira. O médico, ao tomar conhecimento de tal fato, é impelido a fazer novos experimentos. Insiste com a mãe que é possível resolver o problema e ainda se aproxima mais da família ao constatar que a mãe da menina está grávida de gêmeos, uma de suas obsessões. Dentro do núcleo familiar, portanto, passa a atuar, sem que os seus integrantes o saibam, a figura do monstro. É neste ponto que os temas começam a se mesclar. Por um lado, a menina cresce. Por outro, a ameaça vai se tornando mais clara. A alergia e a febre são os elementos perturbadores.

Colocados em cena os elementos principais, o filme segue um rumo durante o qual surgem os temas diante dos quais a narrativa, sem perder o interesse, não chega a uma profundidade e a uma amplidão que tal assunto exigia. Ao transformar Mengele numa espécie de médico de família, mesmo que o pai se transforme e atue como uma força de resistência, Luzia Puenzo coloca um problema que o filme trata de maneira até certo ponto original. Enquanto o instinto maternal aceita a presença do mal – como no epílogo de O bebê de Rosemary, de Roman Polanski - há sinais de resistência. A bibliotecária não tem dúvidas sobre a verdadeira identidade do médico e a própria narradora. através de um livro, descobre o culto do ser superior e imbatível. E o pai, disposto a criar uma boneca perfeita, é quase uma caricatura do médico nazista. Os planos das bonecas funcionam como uma referência aos campos de extermínio nazistas e as reuniões dos refugiados aparecem como conspirações e ameaças que acompanham a humanidade. Parece ser esta a ideia. Só que nas cenas finais há um atropelo e os acontecimentos se confundem.  O filme, certamente, seria bem melhor se esta tentativa de colocar o mal dentro da família humana fosse desenvolvida de forma mais consistente. Mas não há como negar que o filme funciona ao mesclar motivações contrárias. E como realização é obra a ser considerada. E se a música não é apropriada, pois as referências deveriam ser feitas às fontes relacionadas ao universo no qual atuou o médico, a atuação de Alex Brendemühl é um exemplo perfeito de trabalho de ator em cinema. E ao procurar se distanciar das simplificações, a realizadora nos lembra que as forças do mal não estão distantes, seguem a civilização e vez por outra, como a tempestade da sequência inicial, se transformam em ameaça.