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Cinema

- Publicada em 06 de Setembro de 2018 às 01:00

Solidão humana

O primeiro filme em longa-metragem do paraguaio Marcelo Martinessi não é apenas uma surpresa. É, também, uma lição. Em outras paragens, em outras mãos, é possível imaginar no que esta história de duas mulheres no terceiro ato de suas vidas teria se transformado. Não faltariam discursos, explicitações, ênfases desnecessárias e ausência de sugestões. E ao se ouvir, depois de um desfecho contido e ao mesmo tempo eloquente, um belo tema popular do país no qual o filme foi produzido, vem à memória aquele disparate de usar a língua inglesa na canção dos créditos de encerramento de um filme baseado em um clássico da literatura brasileira, sob o silêncio obsequioso de muitos que deveriam, de uma ou outra forma, protestar. E há também a questão da iluminação. As imagens deste notável As herdeiras são um exemplo de empenho destinado afastar o filme de recursos televisivos. Nada daquela luz artificial que procura imitar narrativas para a tela doméstica. Para o cinema não são necessários contrastes exagerados e artificiais. É fundamental a sutileza, que no caso do filme de Martinessi não se restringe apenas aos aspectos formais. A obra não tem passado em branco em mostras e festivais e vem recebendo a merecida consagração. No Festival de Berlim foi o vencedor na categoria de melhor atriz, prêmio recebido por Ana Brun, extraordinária no papel principal, e também o de melhor diretor. E todos sabem que no recente Festival de Gramado parece não ter tido concorrentes, pois ficou com todos os prêmios principais, na parte dedicada aos filmes estrangeiros.
O primeiro filme em longa-metragem do paraguaio Marcelo Martinessi não é apenas uma surpresa. É, também, uma lição. Em outras paragens, em outras mãos, é possível imaginar no que esta história de duas mulheres no terceiro ato de suas vidas teria se transformado. Não faltariam discursos, explicitações, ênfases desnecessárias e ausência de sugestões. E ao se ouvir, depois de um desfecho contido e ao mesmo tempo eloquente, um belo tema popular do país no qual o filme foi produzido, vem à memória aquele disparate de usar a língua inglesa na canção dos créditos de encerramento de um filme baseado em um clássico da literatura brasileira, sob o silêncio obsequioso de muitos que deveriam, de uma ou outra forma, protestar. E há também a questão da iluminação. As imagens deste notável As herdeiras são um exemplo de empenho destinado afastar o filme de recursos televisivos. Nada daquela luz artificial que procura imitar narrativas para a tela doméstica. Para o cinema não são necessários contrastes exagerados e artificiais. É fundamental a sutileza, que no caso do filme de Martinessi não se restringe apenas aos aspectos formais. A obra não tem passado em branco em mostras e festivais e vem recebendo a merecida consagração. No Festival de Berlim foi o vencedor na categoria de melhor atriz, prêmio recebido por Ana Brun, extraordinária no papel principal, e também o de melhor diretor. E todos sabem que no recente Festival de Gramado parece não ter tido concorrentes, pois ficou com todos os prêmios principais, na parte dedicada aos filmes estrangeiros.
O mérito maior filme de Martinessi, uma mescla de Bergman com Visconti, é concentrar a atenção nas imagens e nas situações - e também nas atrizes que ocupam quase todo o tempo no qual a ação se desenrola e são sempre as figuras principais em todas as imagens. Mas nenhuma delas parece estar num palco. É o teatro do cotidiano que interessa ao cineasta. São os olhares e os pequenos gestos que aparecem como os pontos principais de uma narrativa exemplar, que não permite espaços em branco e sempre está oferecendo ao espectador algo novo. E há também a perfeita utilização dos objetos que aos poucos vão saindo de cena, retirados de um cenário antes esplendoroso, algo apenas sugerido, e que se transforam assim em símbolos de uma época passada, substituída por antivalores e rituais assinalados pela mediocridade. As velhas jogadoras, das quais a personagem principal se afasta, o que o filme ressalta ao focalizá-la na cadeira em outra sala, são as figuras de um mundo em fase de declínio. A personagem central é vista em uma das primeiras cenas recusando-se a participar de uma festa e durante todo o filme este papel de uma estranha no mundo é sempre ressaltado. Esta pintora e apreciadora de uma música de outro tempo - e por isso mesmo uma arte que permanece atual por não estar contaminada - é uma sobrevivente que acaba se deparando com algo inesperado, uma possibilidade de recuperar o perdido.
As herdeiras é também um exemplo de como é possível ver em situações reais a presença de algo invisível para o olhar voltado apenas para aspectos exteriores. Os móveis que estão sendo vendidos se integram a um ritual de modificação que está alterando um mundo. O olhar de Chela acompanha um ritual que irá acentuar sua solidão. Este é o universo viscontiano. O mundo de Bergman é lembrado pelo tema do desejo reprimido. Ambos se completam numa síntese reveladora e essencial. Martinessi é um cineasta que sabe pertencer a um mundo ainda distante daquele dos dois cineastas citados. A presença de Pati (a empregada) é um exemplo. Mas ele é daqueles que sabem que procurar a universalidade não é abandonar as raízes. Seu filme se integra a um processo destinado a se afastar de reducionismos e a procurar espectadores interessados em temas universais, sem que a realidade mais próxima seja ignorada. Há outros cineastas latino-americanos como ele. E não há dúvida que Martinessi, com este primeiro trabalho, se integra ao grupo dos melhores e o enriquece pela forma como sabe ver significados reveladores em destinos individuais.
 
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