Tiradentes teve um sonho, um Brasil republicano

Radicalmente diferentes das dicotomias existenciais, são as muitas contradições históricas da vida individual e social que não são parte indispensável da existência humana, mas sim criadas pelas pessoas e suscetíveis de solução. Tanto na ocasião e no tempo em que ocorrem quanto em um período posterior da História. Este é o caso, para alguns historiadores, da figura de Joaquim José da Silva Xavier, alcunha de Tiradentes. A auréola de herói para sua figura histórica veio apenas quando o Brasil se tornou República, eis que, nos reinados de D. Pedro I e D. Pedro II, os inconfidentes haviam traído a rainha, Dona Maria I, e isso era crime. Nascido em 12 de novembro de 1746, foi enforcado e seu corpo esquartejado no Rio de Janeiro, em 21 de abril de 1792, após ter liderado e assumido, sozinho, a culpa pela chamada Inconfidência Mineira, mesmo sendo português de nascimento. Foi dentista, militar, tropeiro, minerador e, muito mais, um ativista político.

Tiradentes reagiu às contradições históricas de sua época, principalmente quanto à cobrança – uma pauta até hoje sendo discutida – de altos impostos, especialmente a chamada Derrama, tributo de um quinto que asfixiava as capitanias do Brasil colônia de Portugal. Porém, Tiradentes não conseguiu anular as dicotomias socioeconômicas da sua época, mas apaziguou sua ânsia libertária com ideologias sedativas e contestadoras. Naqueles tempos, oito entre 10 alunos brasileiros em Coimbra eram oriundos das Minas Gerais, o que permitiu à elite regional acesso aos ideais liberais que circulavam na Europa. Libertas Quae Sera Tamen, Liberdade Ainda que Tardia, o emblema dos indignados.

Havia uma sistemática queda na receita institucional advinda do Brasil e enviada para Portugal. Por isso, D. João V instituiu medidas que garantissem o Quinto, imposto que obrigava os residentes das Minas Gerais a pagar, semestralmente, 100 arrobas de prata, destinadas à Real Fazenda. O sentimento de revolta atingiu seu máximo com a decretação da Derrama, uma medida administrativa que permitia a cobrança forçada de impostos, mesmo que fosse preciso prender o cobrado, afetando, principalmente, as elites das Minas Gerais. Hoje, o Impostômetro, da Associação Comercial de São Paulo, assinala que, até o dia 15 de abril, os brasileiros pagaram R$ 500 bilhões em impostos neste 2014. Nova Derrama?

Descoberto e abandonado, Tiradentes manteve o ideal republicano, mas preferiu abolir a sua própria liberdade. Decidiu que só havia uma solução para o seu problema: enfrentar a verdade, admitir a sua solidão e isolamento fundamental em um então ambiente indiferente à sua sorte. Entre os planos visionários, criar indústrias no Brasil que ele sonhava, uma universidade em Vila Rica e fazer de São João del-Rei a capital. Tiradentes foi enforcado e a leitura da sentença estendeu-se por 18 horas. Executado e esquartejado, com seu sangue lavrou-se a certidão de que estava cumprida a sentença. Sua cabeça foi colocada em um poste em Vila Rica, tendo sido rapidamente cooptada e nunca mais localizada. Foi destruída a casa em que morava, jogaram sal no terreno para que nada lá germinasse. Mas o sonho de Tiradentes continua para milhões de brasileiros, ou seja, menos impostos.