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- Publicada em 28 de Março de 2014 às 00:00

Preconceito mantém negros afastados do poder


JONATHAN HECKLER/JC
Jornal do Comércio
Os mais de 350 anos de escravidão negra no Brasil deixaram marcas profundas nos seus descendentes. Considerados pelo Estado como cidadãos livres há apenas 126 anos, os afrodescendentes continuam a sofrer as consequências de um sistema que negou o acesso à educação e a condições mínimas de saúde por séculos.
Os mais de 350 anos de escravidão negra no Brasil deixaram marcas profundas nos seus descendentes. Considerados pelo Estado como cidadãos livres há apenas 126 anos, os afrodescendentes continuam a sofrer as consequências de um sistema que negou o acesso à educação e a condições mínimas de saúde por séculos.
Na quarta e última reportagem sobre o espaço ocupado pelas minorias representativas na política, o Jornal do Comércio mostra que, embora representem 51% da população brasileira e gaúcha, pardos e negros ocupam apenas 9% das vagas no Congresso Nacional, 3,6% na Assembleia Legislativa do Estado e 5,5% na Câmara da Capital.
O documento Balanço Eleitoral do Voto Étnico Negro, produzido pela União de Negros pela Igualdade (Unegro) em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), aponta que o total de deputados estaduais negros no Brasil é de 46, e os vereadores nas 26 capitais somam 49. Nos executivos, a situação não é distinta. Em 2012, apenas um negro foi eleito prefeito de capital. Nos governos estaduais, não há negros exercendo mandatos – o único governador negro do Estado foi Alceu Collares (PDT), entre 1991 e 1994.
Para o senador gaúcho Paulo Paim (PT), duas questões são decisivas para a diminuta presença de negros na política partidária: o racismo e o financiamento das campanhas. “A pobreza no Brasil tem cor, e todo mundo sabe que é preta. É composta majoritariamente pelo povo negro. Como alguém vai ser candidato a vereador ou deputado se não tem dinheiro? A elite que não é negra, quando financia as campanhas, escolhe candidatos que são brancos. O negro é convidado para ser cabo eleitoral, e não para ser candidato”, critica.
Paim também afirma que os dirigentes partidários auxiliam na perpetuação desta discriminação. Oriundo do movimento sindical, o parlamentar acredita que só conseguiu alcançar projeção política em decorrência dessa estrutura. “Se o negro tivesse condições de se apresentar ao eleitorado brasileiro, poderia ter grandes votações. Consegui chegar ao Senado, porque tive oportunidades.”
O petista acredita que a pouca representatividade de negros traz como consequência a dificuldade na aprovação de políticas afirmativas. O senador é cético quanto à aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 116/2011, de autoria do deputado federal Luiz Alberto (PT-BA), que propõe a reserva de 20% de vagas para negros nas assembleias legislativas estaduais, na Câmara dos Deputados e no Senado. “Não há espaço para aqueles que são discriminados. Demorei 15 anos para aprovar o Estatuto da Igualdade Racial e dez anos para a política de cotas. E, no estatuto, não consegui aprovar uma reserva de vagas para as candidaturas partidárias. Mais difícil ainda será conseguir aprovar uma reserva de vagas no Congresso”, afirma.
Em Porto Alegre, a presença de vereadores negros cresceu 100% nas últimas eleições. O que, na prática, significa que passou de um para dois vereadores – em um universo de 36 cadeiras. Tarciso Flecha Negra (PSD) é um destes parlamentares. Com frequência, sobe à tribuna da Câmara da Capital para debater a discriminação racial. Para o vereador, a dificuldade dos negros em participar da política remete a um passado de violência e negligência do Estado e que deve ser reparado. “Não basta que sejam solidários a nós. O Brasil nos deve muitas coisas, porque conta mal a história do negro. Por que somos discriminados hoje? O que acontece hoje é porque não tivemos acesso a educação, saúde e igualdade. O País não tem que nos dar nenhuma migalha, precisa nos dar o que é nosso direito”, defende. Um dos principais projetos de sua autoria é a criação do Museu da História e da Cultura do Povo Negro, no Largo Zumbi dos Palmares. Apresentada em 2009, a matéria ainda não foi apreciada pelo plenário.
Delegado Cleiton (PDT) ingressou, neste ano, no Legislativo da Capital e luta pela aprovação do projeto de lei complementar 1/2014, que prevê a reserva de 20% das vagas nos concursos públicos municipais para negros. “Não quero ser uma exceção. Contra estas políticas afirmativas sempre citam excessões, como o (presidente do Superior Tribunal Federal) Joaquim Barbosa, o Collares. Mas a ampla maioria de juízes, promotores, vereadores, deputados, governadores e ministros é branca. Não temos um secretário municipal negro. Esse projeto e as políticas afirmativas tratam de garantir a igualdade, para que tenhamos as mesmas oportunidades”, pondera.
A coordenadora estadual do Movimento Negro Unificado, Silvia Vieira, já se candidatou a deputada federal, em 2010, pelo P-Sol, mas não conseguiu se eleger. Ela afirma que as mulheres negras têm ainda mais dificuldade de ingressar na política. “Existem dois grandes preconceitos: por ser mulher e por ser negra. Somos duplamente discriminadas, não conseguimos divulgar nossas candidaturas, porque a prioridade é o homem branco, depois a mulher branca, depois o homem negro e, se sobrar um espaço, a mulher negra.” Silvia diz que o movimento negro precisa se articular para consolidar candidaturas que incluam as mulheres. “Os partidos parecem não estar interessados.”

Situação das comunidades quilombolas é ainda mais preocupante

No universo da população negra, um dos grupos historicamente mais oprimidos é o de quilombolas. Estimados em 1,17 milhão, os descendentes de escravos que fugiram e constituíram comunidades autonômas mantêm tradições culturais e de subsistência bastante específicas e, muitas vezes, precárias.
De acordo com o relatório Brasil Quilombola de 2012, elaborado pela Secretaria de Políticas e Promoção da Igualdade, 75,6% das famílias quilombolas estão em situação de extrema pobreza e 23,5% não sabem ler. Com atividades voltadas, principalmente, para a agricultura, o extrativismo e a pesca artesanal, estão distantes da política tradicional e reagem contra a aprovação de lei que restringuem seus direitos.
Uma das principais lutas dos quilombolas é pela rejeição da Proposta de Emenda a Constituição 115/2000, de autoria do ex-deputado federal Almir Sá (PR-RR), que  transfere a prerrogativa de aprovar a demarcação de terras indígenas e quilombolas do Executivo para o Congresso Nacional.
Para o advogado Onir Araújo – que defendeu o quilombo dos Silva, de Porto Alegre, na ação de reconhecimento do espaço como quilombo urbano –, a ausência de negros e quilombolas na política tem um “impacto devastador”. “Na prática, estes espaços de poder não refletem a composição etnico-racial plural do País. O Congresso Nacional é monocromático e monoclassista.”
Onir Araújo acredita que, dentro do atual modelo democrático, a ampliação da participação de minorias representativas não significaria uma mudança nas políticas públicas.
“A representação única e exclusivamente através dos partidos políticos é que reproduz este processo secular de negação de direitos para a maioria da população, leia-se negros, indígenas, pobres, quilombolas, mulheres etc. O sistema representativo como um todo é uma fotografia do Brasil racista e excludente. A mudança de fundo, que se precisa fazer, é quebrar o monopólio da representação somente por partidos, para que os movimentos sociais possam indicar listas e candidatos, sem precisar se submeter a programas partidários que não contemplam suas reivindicações”, defende o advogado.
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