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coluna

- Publicada em 14 de Março de 2014

Fator humano

Classificar o primeiro Robocop, realizado nos Estados Unidos pelo holandês Paul Verhoeven, em 1987, como um clássico do cinema pode ser, para muitos, um exagero. Mas seria uma injustiça não ver no filme um exemplo daquele empenho de alguns cineastas em conciliar exigências do mercado exibidor com as possibilidades de, através do cinema, falar ao público sobre temas de atualidade e relevância. Nossa arte está repleta de exemplos de filmes extraordinários que alcançaram êxitos de bilheteria. No caso de produções de grandes orçamentos, também há momentos expressivos e, para citar apenas uma realização recente, a trilogia dedicada a Batman por Christopher Nolan, sobretudo a segunda parte, era uma demonstração de que a inteligência criadora por vezes se impõe diante das exigências dos produtores, utilizando mesmo os recursos possibilitados pela tecnologia para tornar mais claras certas observações. Se a maioria dos filmes atualmente produzidos pelo cinema americano forma uma galeria de obras desastradas, oportunistas e demagógicas, isso não significa dizer que a soma investida em um filme seja inversamente proporcional à sua qualidade. 

O diretor brasileiro José Padilha não está propondo uma refilmagem do trabalho de Verhoeven. Seu filme seria mais bem classificado se fosse chamado de uma variação sobre o tema anteriormente proposto. As linhas básicas são as mesmas, mas são tantas as contribuições que o filme pode ser visto como algo original. O que não deixa de ser curioso, pois a obra anterior de Padilha, voltada para o tema da violência urbana, o aproximava bastante do filme do realizador holandês. O díptico Tropa de Elite, cujo primeiro capítulo venceu o Festival de Berlim, não foi unanimidade no Brasil, não faltando quem usasse palavras pesadas para tentar desqualificar um filme que recusava simplificações e se afastava dos lugares-comuns. Mas o público consagrou o filme e, mais ainda, a segunda parte, recordista entre os brasileiros em nosso mercado. Padilha já havia mostrado sua habilidade no documentário Ônibus 174, um dos bons títulos de um gênero no qual o cinema nacional tem se destacado. Sua estreia no cinema norte-americano, além de reafirmar o talento do cineasta, ao lado de alguma irregularidade, expõe e desenvolve o tema da violência e propõe uma discussão sobre os métodos utilizados para enfrentá-la. Porém, não se limita por tal proposta, colocando também em cena os perigos decorrentes do ser humano se transformar numa máquina tão perigosa como aqueles que pretende eliminar.

O processo destinado a construir um mundo livre da violência se transformaria em algo desumano e perigoso se colocasse em segundo plano certos valores, substituídos apenas por interesses materiais. Há quatro momentos em que o cineasta reforça essa ideia. No primeiro, um homem procura tocar, utilizando uma prótese, uma obra de Joaquim Rodrigo. No segundo, o homem-máquina lembra uma dança ao som de uma canção interpretada por Frank Sinatra. No terceiro, a tentativa de reconstrução da família revela que a essência do relacionamento humano havia sido irremediavelmente abalada. E, no último, a exposição do corpo humano revela a crueldade do método utilizado. É verdade, também, que alguns momentos o diretor e seus roteiristas são vencidos por algumas imposições e se deixam levar por cenas em que predominam efeitos visuais e sonoros que estamos cansados de ver em outros filmes. E talvez o personagem de Michael Keaton esteja marcado por gestos e expressões exageradas. Mas o filme tem seus momentos expressivos e vale por colocar em cena situações que resumem alguns dos dilemas maiores de nosso tempo. O prólogo, quando uma ação intervencionista é exaltada por um apresentador de televisão e transformada num espetáculo, é um achado revelador e oportuno. E o filme vale também por colocar na tela a questão da busca do público. Algo antigo e atual e que até mesmo preocupava esse mestre da ironia e da observação que foi Machado de Assis, que afirmou em um de seus contos que “não há espetáculo sem espectador”.