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Indústria Naval

- Publicada em 17 de Fevereiro de 2014 às 00:00

Estaleiro muda a face de São José do Norte


JOÃO MATTOS/JC
Jornal do Comércio
Isolada em uma faixa estreita de terra entre o mar e a Lagoa dos Patos, São José do Norte, uma pequena cidade de pouco mais de 26 mil habitantes, prepara-se para seu maior desafio. A chegada da construção naval ao município, com a instalação do estaleiro do grupo EBR (Estaleiros do Brasil), propõe à população a difícil tarefa de conciliar desenvolvimento econômico com a tranquilidade atual.
Isolada em uma faixa estreita de terra entre o mar e a Lagoa dos Patos, São José do Norte, uma pequena cidade de pouco mais de 26 mil habitantes, prepara-se para seu maior desafio. A chegada da construção naval ao município, com a instalação do estaleiro do grupo EBR (Estaleiros do Brasil), propõe à população a difícil tarefa de conciliar desenvolvimento econômico com a tranquilidade atual.

Apelidada de Mui Heroica Villa, por Dom Pedro II, em razão de seu papel na Revolução Farroupilha, a provinciana cidade da Metade Sul quer seguir os passos da vizinha rica do outro lado da lagoa - e já íntima da indústria naval. A tarefa não será nada fácil. Só para comparar, enquanto o PIB per capta de Rio Grande alcançava R$ 41.376,38, em 2011 (dado do IBGE), a heroína de Dom Pedro cravava escassos R$ 10.144,94 no mesmo período — menos de um quarto do poder de compra da chamada Noiva do Mar.

Entre as explicações admitidas para o esquecimento de São José do Norte pelos grandes investidores até a vinda do EBR, está o fato de que há alguns anos não existia ligação asfáltica até o município. A BR-101, única rodovia de acesso ao local, era uma pista de areia (hoje está completamente asfaltada) e apelidada há muito tempo de Estrada do Inferno. Além disso, a cidade é cercada pela Lagoa dos Patos a oeste e pelo mar ao leste. Porém, atualmente, é o potencial aquaviário que permitirá a implementação do estaleiro que mudará a economia da região baseada atualmente na cultura da cebola, pesca e madeira.

Para o gerente administrativo do EBR, Carmelo Gonella, o estaleiro, cujas obras estão quase na metade, será uma revolução, trazendo progresso e a perspectiva de melhora da qualidade de vida. Segundo o dirigente, o complexo ficará situado em uma área nobre do município (na localidade do Cocuruto). Ali há um canal natural, dispensando uma dragagem de maior porte e permitindo que o estaleiro tenha um calado de aproximadamente 14 metros. O canal será mantido através da correnteza que provém do mar e entra na Lagoa dos Patos, evitando dragagens constantes. 

O gerente do EBR afirma que a empresa tem como prioridade o emprego de pessoas da região. No começo deste mês de fevereiro, eram em torno de 700 trabalhadores atuando nas obras da estrutura e 90% deles moravam nas cercanias. Apesar do número expressivo, o salto será dado quando iniciarem os trabalhos de implementação da P-74, primeira plataforma de petróleo que será feita em São José do Norte. No pico das obras, a P-74 deve absorver em torno de 3 mil funcionários. Gonella estima para este ano a contratação de pelo menos 1 mil pessoas e a partir daí será um crescente.

Uma etapa fundamental para o estaleiro, que é um dos focos dos trabalhos no momento, é a concretização do cais. Isso porque as estruturas metálicas chamadas de pancakes (espécie de bases que servem de apoio para os componentes dos módulos da plataforma) devem estar no Estado ao final de março, parte proveniente da Tailândia e outra da Turquia. Paralelamente, o casco da P-74 está sendo preparado no Rio de Janeiro e deve chegar ao Rio Grande do Sul dentro de 18 a 24 meses. O EBR, por contrato, tem que entregar a plataforma até o dia 16 de dezembro de 2015. A construção do estaleiro, que absorverá um investimento de cerca de R$ 300 milhões, e o início da implementação dos módulos serão conduzidos simultaneamente. O grupo ainda aguarda o comportamento do mercado para definir a instalação de um dique seco no complexo, o que aumentaria em muito o aporte no empreendimento.

População manifesta entusiasmo com o empreendimento

No começo, admite o gerente administrativo do EBR, Carmelo Gonella, havia um descrédito muito grande da população quanto ao estaleiro, pois em diversos momentos outros empreendimentos tentaram se instalar na cidade e acabaram não vingando. “Tinha-se o mesmo ceticismo com relação ao EBR e, inicialmente, sentimos uma reação até negativa quanto ao progresso.” Hoje, de acordo com o dirigente, percebe-se uma receptividade maior, com a geração de empregos para a população.

A mudança pode ser vista na cidade em segmentos que não são o da indústria naval. Quando a economia de um município começa a se alterar, a prova disso pode ser notada nas lojas, restaurantes e carros transitando. Segundo levantamento feito pelo EBR, em um ano as transações imobiliárias de São José do Norte elevaram-se 84%, o comércio cresceu em torno de 40% e o número de veículos 14%.

Esse aquecimento é testemunhado pela população nortense. O proprietário da Arpini Imóveis, Mario Antonio Arpini, diz que o desenvolvimento do estaleiro tem elevado o preço praticado no mercado imobiliário. O empresário calcula entre 40% a 50% de valorização nos imóveis. Arpini aponta que a oferta de locação está escassa na localidade. Quanto à venda, o dono da imobiliária defende que é necessário realizar um mutirão com a prefeitura, para regularizar as casas existentes. Conforme o empresário, há diversos imóveis irregulares, o que impossibilita a tomada de financiamentos habitacionais. Arpini antecipa que o município ainda irá perceber o quão aquecido ficará o segmento quando, além da construção do estaleiro, iniciar a implementação da plataforma P-74.

A dona do restaurante Brisamar, Marlene Venturin de Carli, também reforça a percepção quanto à aceleração da economia. A empresária comenta que o movimento no restaurante cresceu muito, aproximadamente 80%. A maior parte desse incremento é devida ao pessoal procedente de fora. Marlene, que se mudou de Caxias do Sul para São José do Norte há 39 anos, para abrir o restaurante, considera positiva a vinda da indústria naval para a região. “Para nós tá bom”, resume a proprietária. 

Fluxo de caminhões ficou mais intenso com início das obras

Nessa etapa da construção do estaleiro, o empreendimento registra um fluxo diário de 35 a 40 carretas transportando materiais para a obra pela BR-101. Para tentar atenuar o impacto desse tráfego, os governos municipal e estadual e o EBR discutem a construção de uma avenida perimetral em São José do Norte. Além disso, há a ideia de alongar a BR-101 até a localidade conhecida como Barra.

Apesar desse choque no trânsito da cidade, o carroceiro Iraci Veiga da Rosa acredita que o reflexo do estaleiro será positivo. “Tem que aparecer uns empregos aqui, porque a nossa cidade é muito pobre, né, tchê, dependemos da cebola e do peixe.” O carroceiro, que transporta tanto cargas como pessoas, diz que já é possível encontrar gente com sotaque de outras regiões, como o nordestino, circulando pelo local. Rosa argumenta que o fato desses trabalhadores virem com emprego garantido deixa a população mais tranquila quanto à questão da segurança. 

O que claramente não era “tranquilo” e se agravou com o vai e vem de pessoas, carros e caminhões em São José do Norte foi a travessia da Lagoa dos Patos até Rio Grande por lanchas (para passageiros) e por barcas (para veículos). O caminhoneiro Fabiano Silveira Duarte foi um dos que recentemente teve que esperar um bom tempo para embarcar na balsa. “Cheguei na noite anterior para atravessar na manhã do dia seguinte”, conta o motorista. Após enfrentar a espera de várias horas para passar a carga de cavacos de madeira, outro obstáculo foi o preço. O ingresso do bitrem (combinação de dois semireboques acoplados) de Duarte custou R$ 119,30.

Na barca, a bicicleta paga o valor mais baixo, R$ 4,00, o automóvel R$ 19,90, a carreta, R$ 99,55, e, o rodotrem, R$ 199,10. De acordo com informações da empresa responsável pela embarcação, o tempo médio de travessia é de 35 a 40 minutos, desde que as condições climáticas estejam favoráveis. Não há travessia à noite, por falta de segurança. Não existem reservas de lugares na balsa, o ingresso é por ordem de chegada e o pagamento é feito na hora do embarque.

Uma prova que o interesse por esse transporte fluvial aumentou é que hoje a frequência da barca é de seis viagens de São José do Norte para Rio Grande e o mesmo número no sentido inverso, de segunda a sábado. Aos domingos e feriados, a constância é de três travessias em cada direção. Há cerca de quatro anos, durante os dias úteis, o número de cruzamentos era de apenas dois para cada lado.

As dificuldades com a travessia não se limitam aos veículos. Apesar de oferecerem opções de horários mais abrangentes do que a balsa, as lanchas de passageiros também apresentam limitações.  Em virtude desse cenário, quando os trabalhos na plataforma P-74 iniciarem, a perspectiva é de que seja disponibilizado pela EBR um catamarã para trazer funcionários de Rio Grande. “O transporte atual tem bastante demanda, as lanchas que fazem a ligação entre as cidades, pela manhã, são muito ocupadas”, aponta o gerente administrativo da companhia, Carmelo Gonella. A proposta da empresa é fazer um cais no estaleiro para o catamarã desembarcar a mão de obra e ofertar ônibus para o pessoal que mora em São José do Norte.

Estrutura da cidade precisa ser aprimorada para suportar salto econômico

Apesar da expectativa positiva com o estaleiro, muitos nortenses têm a consciência de que aprimoramentos precisam ser feitos para receber o empreendimento. O dono de peixaria Maciel Colares avalia que a instalação do estaleiro tem seus prós e contras. A favor, o desenvolvimento, com a criação de empregos. Contra, a vinda de muitas pessoas para o município. O peixeiro afirma que a cidade não tem estrutura para absorver um número muito elevado de novos moradores. Colares cita a melhoria das vias urbanas e a saúde como as demandas mais urgentes.

Mesmo com as vantagens que o aquecimento da economia trará para a cidade, a administradora da pousada Bozano, Dorailza Lemos Fonseca, também sabe que isso afetará a tranquilidade da pequena cidade. No entanto, pesando vantagens e desvantagens a administradora de pousada crê que valerá à pena, pois o município hoje é dependente de atividades como a cultura da cebola e a pesca do camarão. Ou seja, em safras ruins, a cidade passa por dificuldades.

A própria Dorailza é uma das beneficiadas diretamente com o estaleiro. “Estou ganhando dinheiro desde 2010”, revela. Dorailza explica que a motivação de abrir o negócio não se deveu exclusivamente ao estaleiro, mas o empreendimento tem auxiliado no sucesso do estabelecimento. Uma prova disso é a necessidade de aprimorar o edifício, o que está sendo feito com a construção de um estacionamento e a ampliação dos apartamentos. Atualmente, a Bozano conta com oito quartos, que demandam grande procura, sendo que a maioria do público é relacionada com o estaleiro.

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