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nova economia

- Publicada em 17 de Fevereiro de 2014 às 00:00

O PIB da criatividade


MARCOS NAGELSTEIN/JC
Jornal do Comércio
Setores que combinam criatividade e diferenciação de produtos e serviços despontam pelo potencial de geração de valor, revigorando a velha matriz produtiva. Desvendar os mecanismos e as demandas da chamada economia criativa canaliza ações de governos e instituições. Atores de diversos segmentos dessa nova indústria demarcam seu lugar, acionam instrumentos próprios de negócios e podem reorientar o jeito de acessar crédito.
Setores que combinam criatividade e diferenciação de produtos e serviços despontam pelo potencial de geração de valor, revigorando a velha matriz produtiva. Desvendar os mecanismos e as demandas da chamada economia criativa canaliza ações de governos e instituições. Atores de diversos segmentos dessa nova indústria demarcam seu lugar, acionam instrumentos próprios de negócios e podem reorientar o jeito de acessar crédito.
No mundo dos nativos da economia criativa - alguns também falam indústria criativa -, o que menos importa é o tamanho do Produto Interno Bruto (PIB), a maior medida de grandeza de uma nação, estado ou município. Enquanto o mundo da velha economia tenta dimensionar o que os novos produtores de valor estão gerando, os antenados do planeta criativo já definiram suas estratégias. Se não tem acesso a crédito, busca-se alguém que aposte na qualidade da ideia e do que ela pode render. Se não tem canal de venda, una-se a outros iguais e forme a rede de comercialização. O que é comum é o que todos os interlocutores dessa matriz que fala a língua da era da tecnologia mais repetem: vale a experiência.
Esse ambiente, que setores de governos, organizações empresariais e institutos de análise tentam decifrar, está cada vez mais se pulverizando. Segundo a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad), braço das Nações Unidas, a chamada economia criativa responderia por 7% do PIB global. E o que mais interessa é a velocidade do crescimento das trocas globais: 16% a 20% ao ano. No Brasil, que é considerado o quarto maior mercado do setor, a fatia estaria entre 6% e 7% da riqueza gerada. No Rio Grande do Sul, um estudo inédito da Fundação de Economia e Estatística (FEE) dimensionou, com dados de 2010, que o PIB criativo na indústria e no comércio varia entre 13,7% e 6,2%, respectivamente.
Nos serviços, que não foram captados porque a metodologia se alimenta de dados fiscais do ICMS, o coordenador do estudo, o economista e professor de Economia Internacional da Ufrgs Leandro Valiati, avalia que a participação ultrapasse os dois dígitos. Neste setor, o levantamento revelou ainda que o Estado têm participação entre 10% a quase 15% dos empreendimentos existentes no País (ver página 10). “O foco foi entender o modelo de negócio dos segmentos criativos e definir uma concepção para dimensionar sua participação no valor adicionado”, esclarece Valiati, que elucida: “O que se percebe é que não há um único canal de negócio.”
O trabalho mapeou os segmentos e as atividades que, no interior dos macrosetores, trazem o fator criativo. Hoje, países pelo mundo adotam a concepção da Unctad, que engloba no caldeirão desde artes, teatro, música, audiovisual, games, arquitetura, gastronomia, artesanato e turismo cultural. E o conceito para calibrar o lugar de cada componente nessa diversidade segue a definição: “setores cujo processo produtivo seja baseado na imaginação, criatividade, habilidades e no talento de profissionais”. E tudo alinhavado por uma constatação. “Como a transformação pela tecnologia está mudando o capitalismo”, provoca Valiati.
A secretária-adjunta da pasta de Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico (SCIT), Ghissia Hauser, enxerga o que chama de inovação por meio da criatividade. “Temos de densificar esse setor pelo seu poder de agregar valor”, observa Ghissia, que promete mais recursos para fomentar pesquisas e empreendedores em 2014.
O presidente da Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento (AGDI), Ivan De Pellegrin, lembra que o design é sempre o componente da diferenciação. “O maior potencial de captação de valor está em design e gestão da marca, e os dois conversam com a indústria criativa”, ressalta Pellegrin. Na busca por apoiar os emergentes, a AGDI, junto com diversas áreas do governo estadual – das áreas de Promoção ao Desenvolvimento, Cultura à Ciência e Tecnologia - acionou instrumentos depois que a nova economia virou um dos tentáculos da política industrial.
“Difícil identificar na cadeia de produção o que é só elemento da indústria criativa. O princípio que adotamos é que inovação é o principal drive de competitividade, e é preciso levar a setores estratégicos as condições para avançar, o que inclui conhecimento e criatividade”, conecta o presidente da AGDI. E Pellegrin cita que, enquanto ramos tradicionais como o de calçados e móveis já incorporaram essa estratégia, trazendo para dentro de seus produtos o fator design e marca, outros como o da agroindústria precisam se mexer. No reduto industrial, os Arranjos Produtivos Locais (APLs) canalizam as ações para carregar o fator dos componentes da cultura e da arte. Nesse caso, ramos como gemas e joias, têxteis e móveis estão sendo favorecidos com apoio financeiro e consultorias.

Fator colaborativo emplacou projetos de desenvolvedores de games

Uma vantagem do Estado, reconhecida por autoridades e validada pelo próprio setor, é o fator colaborativo que deu origem à Associação dos Desenvolvedores de Jogos Digitais do RS (Adjogos-RS), com 25 empresas e mais de 200 empregos, que decidiu se organizar e colocar a pauta no colo dos gestores. Em 2013, uma missão ao Canadá rendeu contratos de co-produção. O presidente da associação e dono da Napalm, Carlos Idiart, avisa que 2014 será o ano dos games no Estado.
O segmento, acostumado a criar e entregar a maior receita a fabricantes de fora, ambiciona andar com as próprias pernas, mas apoiando-se em braços de parceiros. Mercado não faltará, já que o Brasil é considerado hoje o quarto em consumo no mundo. “Todo o processo de indústria criativa é meio novo. Quem cria jogos nunca teve espaço. Lidamos com vários segmentos - tecnologia, design, tudo no mesmo projeto”, define o dirigente, ressaltando como trunfo ter inserido o setor no mapa criativo estratégico. “Assim, vamos nos vender como bloco.”
Idiart está ansioso pelo desfecho de uma negociação com um player internacional, cujo nome ele não revela, que pode montar no Estado um centro de pesquisa e desenvolvimento (P&D). O dirigente, que, aos 40 anos, considera-se um sobrevivente de três ondas de desenvolvedores (a primeira da década de 1990), tem outra ambição. Entre idas e vindas ao Rio de Janeiro, a última no começo de fevereiro, o dirigente se reuniu com o Bndes para convencer a instituição a criar um fundo para games. “Como nossos ativos são medidos em downloads, temos de criar garantias viáveis”, justifica o empresário. A intenção não é ter dependência com a fonte oficial, que seria um alavancador. “A indústria criativa peca por querer viver de edital e recursos do governo. Queremos criar um sistema sustentável”, ambiciona o dirigente da associação.
Ao citar o game thinking como mecanismo de criação de inovações e produtos, o presidente da Adjogos-RS acaba dando o tom do potencial de negócios e receitas. “O mercado mundial de games é maior que o de entretenimento. Nos Estados Unidos, fatura mais que cinema e música juntos. O Brasil é o quarto consumidor mundial, mas basicamente do que vem de fora”, pontua Idiart. A meta é montar um cluster com pelo menos 15 empresas associadas ao player global. O segmento gaúcho entusiasma o presidente da AGDI, Ivan De Pellegrin, que detecta “um elemento fundamental para criar um ecossistema favorável” na área.
“Trata-se da predisposição para atuar coletivamente”, resume Pellegrin. Idiart ressalta que universidades para formar mão de obra de nível superior e técnico são itens essenciais nesse ecossistema. A Adjogos-RS começa a montar seu plano estratégico, cuja inspiração é a canadense Montreal, que há 25 anos decidiu virar um polo de games e audiovisual. “Lá deu certo, e aqui queremos atingir esse patamar em dez anos”, avisa Idiart.

Pandorga vira canal entre criadores e mercado

Não foi à toa que o negócio ganhou o nome de Loja Pandorga, instalada há quatro anos em um casarão charmoso na rua Miguel Tostes, bairro Rio Branco, em Porto Alegre. “Pandorga sugere alçar voos, mas em conjunto, até porque você nunca vai ver pandorga sozinha no céu”, conceitua o publicitário e um dos sócios do estabelecimento Vinicius Dambros. O empreendedor, que se uniu a Giuliana Neuman, já teve suas marcas, enfrentou dificuldade de mercado e decidiu que empregaria sua inventividade para catapultar criativos como Marcos Rosemberg, cujas joias de autor figuram em mercados selecionados do exterior, e Bruna Machado, sócia da Samo, alfaiataria masculina de moda urbana descolada para clientes criativos.
Na loja, passaram mais de 300 marcas, de confecção, itens de decoração, calçados, joias, bolsas, papelaria e perfumaria. E tem fila para entrar, que atrai 30% de criações de fora do Estado e exterior. “Todo mês entram 15% a 20% novos nomes. O setor cresce muito, precisa de canais alternativos e apoio na gestão e como acessar crédito, buscamos ajudar”, cita o gerente Gabriel Vanoni. A Pandorga tem o trunfo de figurar num dos redutos da nova economia da Capital, que gera o ambiente para atrair os clientes afinados com os valores desse segmento. O publicitário lançou a rede social Hookit.cc, com capital de investidores-anjo, que recompensa clientes que indicam a loja. Além disso, com a ascensão do negócio, novas Pandorgas devem surgir em pouco tempo.  
“Meu atelier fica aqui ao lado, em um escritório onde compartilho despesas e espaço com pessoas de outras áreas, o que gera um ambiente de inspiração”, sugere Rosemberg, que neste ano estará pela terceira vez em uma mostra de joias de autor em Chicago, nos EUA. A projeção não contamina o estilo singelo do artista, que largou a atividade em comércio exterior e o mundo de commodities e produtos de massa para fazer suas criações. As joias descrevem o caminho inverso, que, segundo Rosemberg, está alinhado com pessoas que hoje andam de bicicleta, consomem itens ecológicos e têm estilo de vida colaborativo. “Quando faço a peça, imagino que quem for usá-la não consome produto de massa. Cada joia é resultado de um processo. Tem uma história.”
Bruna, designer de moda formada em escolas gaúchas como a sócia Laura Stumm, descreve que foi uma certa insatisfação com o modelo de produção que levou a montar a marca Samo. A grife, com produção de 800 peças por coleção, tem como referência o estilo do artista norte-americano Jean-Michael Basquiat, e aposta em camisaria com estilo e irreverência, que atrai clientela entre fotógrafos, arquitetos e designers. As sócias dirigem o negócio, terceirizam a produção e só usam matéria-prima nacional. A grife de alfaiataria privilegia lojas como a Pandorga e alguns pontos no interior gaúcho e capitais como Rio de Janeiro, e São Paulo. No e-commerce, o tratamento é cuidadoso, a embalagem vai com cheiro e como se fosse presente. “Todos fazem e-commerce. No nosso caso, queremos que o cliente tenha uma experiência diferenciada.” As sócias definiram que em 2015 terão as primeiras lojas físicas e buscam um investidor que conheça varejo. “Não vamos buscar capital em banco, queremos um parceiro que agregue seu conhecimento”, cita Bruna.

Microcrédito será um dos elementos do RS Mais Criativo

O plano do RS Mais Criativo está pronto, e usará mecanismos simples, como o microcrédito para tornar viável, por exemplo, crédito a um músico que queira gravar um CD e não tenha nenhum ativo para dar em garantia. Ou melhor, segundo o produtor musical e assessor para Estratégias de Inovação da Secretaria Estadual da Cultura, Iuri Freiberg, os instrumentos musicais como um violão, guitarra ou bateira, podem ser os avalistas. O programa será lançado em março, colocando em ação decreto de 2013 que projetou a nova plataforma. “O programa é inspirado no Rio Criativo, que instituiu em maio de 2013 seu programa oficial, antes baseado em incubadoras”, adianta Freiberg. O orçamento prevê quase R$ 100 milhões, com fontes da Lei de Incentivo à Cultura (LIC), recursos federais e verbas estaduais.
Serão cinco eixos de ações, que preveem internacionalização, capacitação e profissionalização, inovação, fomento a empreendedores e territorialização, e terá um comitê. Tudo começou com conhecimento de programas ingleses, que usa estudos de referência e programas de desenvolvimento criativo e transformação de setores industriais. O maior desafio será pegar carona no rabo de foguete desse novo mundo. “Como se espalham os produtos de economia criativa, como pegar a criatividade e inseri-la em um escopo de negócio e com foco em empreendedorismo”, lista Freiberg entre as questões a serem respondidas. O recurso criativo será explorado para alavancar setores tradicionais. Nesta inserção, há um formato de atuação, no qual as indústrias convencionais terceirizam o processo criativo, gerando mais demanda pelos serviços de designers, publicitários, gestores de marca e de redes sociais. “Todos lidam com cultura que  potencializa a economia”, traduz o assessor da Cultura.
No esboço do pacote, estão previstos, além de recursos financeiros, editais para projetos e fundos de incentivo, com regras para impulsionar o setor. A meta é colocar as universidades como geradoras da capacitação em gestão dos criativos. Um convênio com o Ministério da Cultura dará origem à incubadora RS Criativo, cuja sede será a Casa de Cultura Mario Quintana. No local, ocorrerão formação, atividades e consultoria em áreas burocráticas, como acessar financiamento, microcrédito cultural e desenvolver os potenciais do produto e serviços. Uma das metas é levantar os eventos, iniciativas e identificar o tamanho dos setores. “Queremos atingir 600 empreendedores em 2014, o que é pouco, mas quando der um boom vai ser muito maior. Cinco consultores rodarão o Estado”, revela.
O plano é que o RS Mais Criativo seja guarda-chuva de outras iniciativas, como feiras e missões. “Mais ações estão sendo planejadas para 2014”, adiantou o presidente da Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento (AGDI), Ivan De Pellegrin. No ramo de audiovisual, editais da Secretaria de Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico contemplaram projetos com a Fundacine e universidades para formar um polo local. “Foram R$ 140 mil em 2013 para criar uma metodologia e estruturar a governança do polo. Outros R$ 100 mil serão usados no planejamento estratégico”, explicou Pellegrin. Mais linhas devem ser abertas este ano.
O Ministério da Cultura elabora a fase 2 do plano nacional de economia criativa. O profesor da Ufrgs e coordenador do Observatório de Economia Criativa, Leandro Valiati, reforça que o desafio é dimensionar o potencial de receita e o papel do setor no Brasil.

Estado se destaca em cenário nacional

A Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) foi pioneira em buscar referências de tamanho e geração de atividade, a partir de segmentos ligados à economia criativa. O economista e especialista no tema, que atua no Núcleo de Indústria Criativa da Firjan, Gabriel Pinto, aponta que o Rio Grande do Sul lidera em número de vagas formais e renda em setores como moda e design (25% das vagas) e que geram R$ 5,2 bilhões (dados de 2011) do PIB, ou 1,9% da riqueza total. O peso de áreas da moda e design é ligado a ramos com tradição, como o calçadista, mas que ganha mais fôlego em Porto Alegre. Pinto reforça que a área criativa é forte demandante de profissionais qualificados com foco

em criação.
“Nesta etapa, está a capacidade absurda de gerar valor para a indústria, eleva a competitividade, pois pressupõe propriedade intelectual”, ressalta o economista. Para a federação fluminense, os novos segmentos rompem com o que é uma lógica, na qual a competição é dura, quando envolve apenas preço. “Muda a forma de competir. O consumidor busca cada vez mais produtos com mais valor intangível”, resume o especialista. O que atrai potenciais de renda mais alta, dispostos a pagar pelo valor simbólico, pela tecnologia. “O criativo trabalha com o usuário, entende o consumidor e atua em todas as etapas. O design é o melhor canal para entender estas dimensões e gera diferenciação do produto”, cita.
Na ação da Firjan, o esforço é por levar para dentro de segmentos tradicionais a lógica da criação, proporcionando avanço e desenvolvimento para a sociedade. Formação técnica, necessária para situar os empresários nesta nova dimensão, e fomento a cadeias produtivas estão no arsenal acionado pela Firjan. Um dos desafios, alerta o economista, é o modelo de financiamento. Como moldar critérios de acesso e garantias a um setor em que a capacidade intelectual é o maior ativo, lembra. Pinto observa que será preciso diversificar as formas de crédito e até de investimento, atraindo setores dispostos a correr riscos. A burocracia e padrões mais conservadores para concessão de recursos também terão de ser revistos, sugere.     

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