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COMÉRCIO EXTERIOR

- Publicada em 27 de Janeiro de 2014 às 00:00

Exportação de micro e pequenas empresas segue sem decolar


JONATHAN HECKLER/JC
Jornal do Comércio
Com o boom das commodities, as vendas externas do Brasil triplicaram entre 2003 e 2012. O cenário de crescimento expressivo dos negócios internacionais, entretanto, não foi suficiente para o comércio exterior deslanchar entre as micro e pequenas empresas. Cada vez mais, elas diminuem sua participação na atividade.
Com o boom das commodities, as vendas externas do Brasil triplicaram entre 2003 e 2012. O cenário de crescimento expressivo dos negócios internacionais, entretanto, não foi suficiente para o comércio exterior deslanchar entre as micro e pequenas empresas. Cada vez mais, elas diminuem sua participação na atividade.
Durante 15 anos, as mudas de orquídeas fornecidas pela Ricsel, de Porto Alegre, floresceram nos quintais norte-americanos, canadenses, ingleses, japoneses e de tantas outras localidades ao redor do mundo. Na medida em que os cultivares de origem brasileira eram semeados em solo estrangeiro, o caixa da empresa era regado com dólares. Em algumas temporadas, essa receita chegava a significar 50% do faturamento. Em média, fechava-se até 15 negócios anuais, cada um rendendo entre US$ 2 mil e US$ 3 mil.
Tudo mudou em 2012, quando a companhia desistiu da atividade e passou a focar apenas o mercado interno. “Antes, a exportação era mais fácil. Com o tempo, começaram a nos pedir licenças no Ibama, no Ministério da Agricultura, atestado fitossanitário e uma série de documentos. É muita coisa, muito vai para lá e vai para cá”, lamenta Sérgio Englert, dono da Ricsel. Segundo ele, a tarefa ficava dificultada pela vasta quantidade de variedades de orquídeas que a marca trabalha. Ao todo, são mais de 200 tipos no catálogo. E, para cada um deles, é necessário uma documentação diferente. “No mercado interno não tem tanta exigência”, compara Englert.
A situação vivida pelo orquidário da capital gaúcha não é exceção. De 2003 a 2012, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), centenas de micro e pequenas empresas (MPEs) desistiram de enviar produtos a outros territórios. Esse segmento passou de 9.479 para 9.171 representantes. No período, a contribuição das MPEs na balança comercial caiu de 2,4% a 0,8%. Em valores, as vendas até aumentaram de US$ 1,73 bilhão para US$ 1,78 bilhão, um ajuste de 2,9%. O índice, porém, fica muito abaixo da expansão de 332% constatada na exportação brasileira como um todo. Impulsionadas pelo boom das commodities, as transações verde-amarelas saltaram de US$ 73 bilhões para US$ 242,5 bilhões.
Se forem computadas as vendas fechadas por meio de tradings comerciais, o desempenho é um pouco melhor. “Em 2013, até novembro, as tradings exportaram US$ 21,6 bilhões. Não temos especificado o porte de cada empresa, mas cerca de US$ 1,4 bilhão pode ter sido vendido por companhias de menor porte. Isso representaria seis vezes o valor comercializado por essas empresas (de até US$ 100 mil/ano) por conta própria”, estima Lilia Miranda, diretora executiva da Associação Brasileira de Empresas de Comércio Exterior (Abece). Mesmo assim, a dirigente reconhece que a participação desse nicho poderia ser maior.
Além das questões burocráticas, diversos fatores influem na timidez das pequenas companhias na hora de cruzar fronteiras. “As MPEs, muitas vezes, acabam fazendo produtos específicos, de maior valor agregado, e não conseguem produzir em escala. Por isso, o custo para exportar é alto. A saída para elas é se organizar e buscar o auxílio de entidades setoriais”, diz o economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) Guilherme Risco. Por outro lado, as barreiras impostas por alguns dos principais parceiros comerciais, como a Argentina, também afastam potenciais exportadores.
O vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), Fábio Faria, acredita que as oscilações na taxa de câmbio ocorridas ao longo da última década têm sua parcela de culpa na diminuição de micro e pequenas empresas nas vendas internacionais. “Quando o dólar estava na casa dos R$ 3,00, havia mais exportadores do que quando estava em R$ 1,60. O risco cambial afasta muitas empresas, pois reduz as margens de lucro. E as pequenas acabam sentindo mais a oscilação. As grandes conseguem mecanismos de proteção, como o hedge (congelamento da cotação)”, explica.
Na comparação com outras nações, o Brasil perde de goleada quando o assunto é a participação das MPEs nas negociações com o exterior. Na Itália, por exemplo, elas respondem por 30% da pauta. Nesse sentido, a logística surge como outro obstáculo para as companhias brasileiras e, de certa forma, interfere na baixa adesão no País. “O Brasil é um continente, por isso muitos preferem ficar somente no mercado interno. Nossos principais compradores, como Estados Unidos e Europa, estão muito distantes. E o transporte de longo curso aqui, seja aéreo ou naval, é caro, o que reduz a competitividade do produto brasileiro”, menciona Faria.

Cultura exportadora precisa amadurecer no País

Conforme diz o senso comum, a repetição de uma atividade é o que leva ao seu domínio pleno. No caso do Brasil, a máxima pode ser aplicada também ao comércio exterior.  A aceleração das vendas internacionais foi constante no decorrer dos últimos anos, uma situação nova para o País e que ainda precisa ser mais bem digerida.
Diante desse cenário, a gerente de Competitividade e Inovação da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), Márcia Nejaim, acredita que o aumento no número de micro e pequenas empresas (MPEs) com presença no exterior é algo que deve ser alcançado com o tempo. “É questão de criar uma cultura exportadora, pois essa atividade tem uma história recente no Brasil. A própria Apex foi criada apenas em 2003. O Brasil, de um modo geral, tem um número baixo de exportadores”, enfatiza.
Um aspecto que pode atrapalhar a entrada de companhias no mercado internacional é a gestão, na percepção de Márcia. “Os pequenos sentem mais dificuldade, pois travam uma luta constante para aprimorar processos. Muitas vezes o dono é o responsável pelo departamento financeiro, pelo marketing e pelas vendas ao mesmo tempo e não tem condições de cuidar do comércio exterior”, justifica.
As MPEs representam 42,6% das 21,1 mil companhias exportadoras do Brasil. No entanto, as 9,1 mil marcas de menor porte que atualmente participam desse mercado são uma ínfima parte dos 8,3 milhões de empreendimentos desse gênero registrados no Brasil, de acordo com dados do Sebrae.
Ao todo, os micro e pequenos constituem 99% do total de empresas brasileiras. Em diversas companhias incluídas nessa parcela, o comércio exterior ainda é tabu. “Percebemos que muitas se voltam ao mercado interno, por acharem que a exportação não é para elas, o que não é verdade. A exportação pode ajudar a fortalecer uma companhia, por meio da diversificação de mercados”, diz Ivo Cansan, presidente da Associação das Indústrias de Móveis do Rio Grande do Sul (Movergs). Cansan lamenta que, no setor moveleiro, um dos principais do Estado, encontrar uma MPE exportadora é tarefa de gincana, tamanha a dificuldade.
Atualmente, a indústria responde pela maior parte das vendas destinadas a outros países. Em 2012, de acordo com as estatísticas do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), o setor produtivo girou US$ 1,11 bilhão (62% do total), enquanto comércio e serviços contribuíram com US$ 672 milhões (38%). O quadro é semelhante ao de 2003, quando as fábricas geraram US$ 1,15 bilhão (66%) contra US$ 580 milhões dos demais segmentos (34%).
A participação industrial seria maior, caso o segmento não tivesse perdido competitividade por causa das oscilações cambiais e do aumento dos custos de produção. Essa é a avaliação do coordenador do conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), Cezar Müller. “Nesse contexto, as pequenas e médias sofrem mais, pois têm menos recursos e, consequentemente, menor capacidade de prospectar novos mercados.”
Apesar das exportações serem desoneradas, Müller acredita que a carga tributária segue como vilã. “Os exportadores, de um modo geral, têm um volume de créditos acumulados junto ao Estado e a União (decorrente da compra de insumos). E as pequenas e médias não podem se dar ao luxo de ficar sem esse capital de giro”, afirma.

Ultrapassar as fronteiras ajuda a alavancar o crescimento

O volume financeiro movimentado pelas micro e pequenas empresas com exportação pode ainda não ser grande, mas há uma série de companhias que recorrem ao comércio exterior para aumentar de tamanho. Que o diga a Weber Haus, de Ivoti. Nos últimos anos, as vendas internacionais passaram a ser tratadas como uma pauta estratégica pela cachaçaria gaúcha. O envio de produtos ao exterior tem impacto cada vez maior no faturamento. Em 2013, chegou a 35% da receita, um recorde que deve ser quebrado novamente em 2014, quando a expectativa é elevar esse patamar a 40%.
“A exportação é estrategicamente boa, pois, como há menos impostos, ajuda a diminuir a carga tributária. Além disso, valoriza a marca até no mercado interno. Se há sucesso no exterior, fica mais fácil ter sucesso dentro do Brasil”, defende Evandro Weber, diretor da Weber Haus. A marca exporta para nove países, entre eles Estados Unidos, Alemanha, Japão e China. No ano passado, cerca de 110 mil garrafas saíram da fábrica e atravessaram oceanos em navios ou aviões até chegarem a outro continente. Com isso, em pouco tempo, a empresa superou a barreira de US$ 1 milhão em negócios e subiu de porte.
A tática da cachaçaria prevê objetivos específicos para cada temporada. Agora, a meta é entrar nos Emirados Árabes Unidos. “É um país de pouco consumo de bebida alcoólica, pela religião, mas tem muito turismo em Dubai. Quando se entra nos mercados mais difíceis, depois os mais fáceis vêm sozinhos”, acredita. Paralelamente, há a intenção de consolidar a presença nos países já clientes. Nesse sentido, Weber ressalta que a Copa do Mundo será uma boa vitrine para os produtos brasileiros.
Pensando em aumentar de tamanho, diversas marcas veem o comércio internacional como uma espécie de alavanca. De olho no momento de câmbio valorizado, a SBPA quer começar a exportar a partir de março. Com sede no parque tecnológico da Unisinos, em São Leopoldo, e linha fabril em Gravataí, a empresa faz simuladores de voo para treinamento de pilotos. Em novembro, embarcou um modelo de helicóptero para expor em um showroom na Flórida, nos Estados Unidos. “Durante os meses em que o produto ficará lá, vamos verificar a reação do consumidor local. Pelos contatos que já tivemos, acredito que vamos ter um bom retorno”, projeta o diretor de vendas Adriano Oliveira.
A escolha por iniciar operação em solo norte-americano não foi à toa. “O impacto da exportação vai implicar em novas receitas e ajudar a consolidar nossa marca. Tendo um simulador exportado para o mercado americano, que é muito exigente, vamos conseguir vender para outros lugares”, explica Oliveira. O público-alvo na terra do Tio Sam é expressivo. Somente o estado da Flórida possui mais escolas de formação de pilotos do que o Brasil inteiro. Por isso, a SBPA já alinhava contatos com possíveis fornecedores na região.

Alternativas de financiamento e de transporte têm procura reduzida

Diante dos altos custos para embarcar seus produtos ao exterior por conta própria, as micro e pequenas empresas (MPEs) precisam recorrer a serviços alternativos disponíveis no mercado quando querem marcar presença além das fronteiras. Assim, uma fonte ainda pouco utilizada pode ser um importante instrumento para viabilizar transações internacionais: o transporte aéreo, que hoje representa apenas 1% do tráfego de mercadorias, conforme a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Uma das opções responsáveis por fazer o meio de campo entre companhias brasileiras e o exterior é o Exporta Fácil, dos Correios. “Qualquer empresa pode usar o serviço, mesmo as que não possuem registro de exportação. Os Correios atuam como uma espécie de despachante aduaneiro, representando o cliente na hora do registro da exportação. O único custo é o do frete”, explica Francieli de Grandis, assistente de Comércio Exterior da estatal. Por meio dessa fórmula, é possível realizar transações de até US$ 50 mil, tendo um limite de 30 quilos por caixa. “Dentro de uma remessa, podem ser enviadas várias caixas de até 30 quilos, desde que não passe US$ 50 mil”, relata.
A iniciativa é válida para uma vasta gama de produtos e é acessível em qualquer agência. A relação de itens restritos e proibidos em cada país está disponível na internet (www.correios.com.br/exportafacil/cfm/ConsultaPais.cfm). Joias, bijuterias, máquinas, roupas, calçados, artesanatos e até carvão vegetal figuram entre os principais itens encaminhados por marcas gaúchas.
Apesar de ter sido criado em 2000, o serviço segue em busca de consolidação. Nos últimos três anos, 4,8 mil empresas brasileiras utilizaram a modalidade, sendo somente 271 delas oriundas do Rio Grande do Sul. Desde sua existência até outubro de 2013, em todo o País, 11 mil companhias enviaram 196,7 mil remessas. Os Estados Unidos lideram a lista de destinos, sendo responsáveis por 20,6% da demanda. Na sequencia, aparecem Hong Kong (15%), Japão (13,1%) e Argentina (5,6%).
Outra alternativa, que é usada com mais frequência pelos empreendedores de menor porte, é o envio de produtos por meio de tradings comerciais. “As micro e pequenas empresas precisam se organizar para exportar, elas não têm fôlego para fazer exportação direta. As tradings e até os consórcios de exportação surgem como ferramentas mais econômicas e também garantem uma segurança jurídica maior nas negociações”, aponta Demes Britto, professor do Instituto Nacional de Estudos Jurídicos e Empresariais (Ineje) e especialista em direito internacional.
Além da logística, um atributo que influi na competitividade no comércio internacional é o financiamento das operações. No intuito de estimular o ingresso de MPEs nessa atividade, o governo federal, através do Banco do Brasil (BB), oferece o Programa de Financiamento às Exportações (Proex). “É uma forma de as micro e pequenas empresas não se descapitalizarem, podendo garantir prazos maiores para seu comprador”, esclarece Renato da Silva, gerente geral de negócios internacionais da instituição. O recurso é repassado como em uma operação à vista. Só que o exportador precisa estar com as certidões negativas de débito em dia e deve assegurar uma carta de crédito do importador. A modalidade cobra juros médios de 1% ao ano.
Com o passar do tempo, o banco possibilitou que companhias de qualquer porte acessem o Proex, visto que a procura dos empreendedores de menor porte permanece reduzida. No Brasil, a linha movimenta cerca de US$ 1 bilhão ao ano, engordada pela participação dos médios e grandes. No Rio Grande do Sul, apenas 30 MPEs foram usuárias frequentes da ferramenta em 2013, fazendo mais de 500 operações. Isso resultou em um movimento de US$ 21 milhões. “É uma linha que poderia ser mais utilizada. Estamos tentando fomentar o seu uso”, admite Silva. Incluindo os serviços cambiais ofertados pelo BB, esse público movimenta em torno de US$ 50 milhões anuais.

Ingresso no mercado externo exige uma adequação minuciosa

Para Koch, companhias de pequeno porte devem traçar uma estratégia de longo prazo.
FREDY VIEIRA/JC

A entrada no mercado externo, por meio da comercialização de um produto em solo estrangeiro, é apenas a etapa final de um longo processo que uma empresa percorre até atingir a condição de exportadora. O estudo de uma legislação diferente, o domínio de mais de um idioma e a identificação dos mercados-alvos são algumas das tarefas essenciais para obter sucesso no comércio exterior.
A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) oferece uma série de ferramentas para as companhias que desejam ingressar na atividade. Entre as alternativas, está o Programa de Extensão Industrial Exportadora (Peiex), que atendeu a 3,6 mil empresas entre janeiro e novembro de 2013. Neste ano, a meta é chegar a 3,9 mil. O processo é conduzido por meio de núcleos operacionais em 13 estados brasileiros. Com nove pontos de capacitação, o Rio Grande do Sul teve 1.064 marcas participantes no ano passado. “Atuamos junto às empresas, ajudando a encontrar soluções para os seus problemas internos. O objetivo é dar robustez para que elas comecem a exportar”, assinala Márcia Nejaim, gerente de Competitividade e Inovação da Apex-Brasil.
Ao todo, em 2013, a agência esteve ligada a 12,8 mil empresas, sendo 84% delas micro, pequenas e médias. No Estado, foram apoiadas 2,8 mil companhias. Dessas, 2,3 mil eram de menor porte. Em geral, a capacitação do Peiex demanda três anos até ser finalizada. “É um processo de longo prazo. As empresas passam a apresentar resultados efetivos após dois ou três anos de trabalho, quando elas começam a exportar”, elucida Márcia.
A Apex-Brasil ainda auxilia as companhias na parte logística. O Projeto Brasil Trade procura aproximar potenciais exportadores e trading companies. O objetivo é realizar rodadas de negócios entre as partes, a fim de viabilizar a comercialização de artigos para outras nações. Até agora, 300 marcas já aderiram à ação e movimentaram US$ 15 milhões em vendas.
O presidente do Sebrae-RS, Vitor Augusto Koch, enfatiza que as micro e pequenas empresas (MPEs) não podem ser levadas pela maré na hora optar pelo ingresso em solo internacional. O ideal é traçar uma estratégia de longo prazo. “A exportação não pode ser vista como algo esporádico. Não adianta achar que é só porque o dólar está valorizado que se deve começar a exportar agora. É necessário um planejamento que torne essa ação estratégica”, aponta.
Desta forma, o dirigente acredita que a participação em feiras e eventos internacionais ajuda os pequenos empreendedores a se familiarizarem com as questões relativas ao comércio exterior. O Sebrae gaúcho investe em torno de R$ 5 milhões ao ano para apoiar a presença de MPEs  em missões fora do País. A entidade seleciona as marcas através de chamada pública e banca até 50% dos custos das escolhidas.
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