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Coluna

- Publicada em 19 de Julho de 2013

Histeria e espetáculo

No mesmo ano de 1895 nasceram a psicanálise e o cinema. Foi naquele ano que Sigmund Freud e Josef Breuer publicaram Estudo sobre a histeria, considerado o marco inicial de um método que privilegiou o diálogo entre médico e paciente no trato de perturbações mentais. Por coincidência, o ponto aceito como o marco inicial do cinema também teve sua origem num trabalho a quatro mãos, no caso, o dos irmãos Lumière. Quando Orson Welles comparou os filmes aos sonhos não estava certamente pensando apenas na sua arte, mas reforçando a ideia de que todas as narrativas se assemelham aos sonhos, encenações sobre as quais o indivíduo não tem controle e que, certamente por isso mesmo, materializam em imagens sonhos e desejos reveladores. Numa entrevista aos Cahiers du Cinéma, na grande fase da capa amarela, Vincente Minnelli afirmava que um dos temas principais de sua obra, o contraste entre realidade e sonho, derivava da constatação de que os sonhos dos pacientes são o primeiro interesse dos analistas. A ação de Augustine, o primeiro longa-metragem de Alice Winocour, transcorre antes de Freud e Breur publicarem seu estudo pioneiro. Mas o cenário principal, o Hospital Salpêtrière de Paris, onde pontificava como grande estrela o doutor Jean-Martin Charcot, é o mesmo no qual Freud iniciaria sua jornada, inclusive como aluno do médico que é um dos protagonistas do filme de Winocour.

O filme da nova diretora, portanto, desenrola-se num tempo em que crises como a focalizada por ela eram tratadas como decorrentes de perturbações orgânicas. O olho fechado da menina paciente é o principal objeto de atenção do médico. As causas devem ser decorrentes de um fenômeno físico e por isso o corpo é meticulosamente examinado. Na sequência que abre o filme, no entanto, a diretora nos mostra a paciente visivelmente perturbada pela agonia do animal que deverá ser o prato principal. O olho fechado é como uma recusa da personagem em contemplar uma agonia e uma morte. Mais tarde, ao contemplar outro sacrifício, a paralisia se transfere para a mão que comete o ato de violência. Nada disso é do conhecimento do doutor Charcot, interessado em testar seus instrumentos e muito pouco preocupado em manter um diálogo com a paciente. Esse isolamento do médico não se limita a seus encontros com a jovem Augustine. Nas cenas com a esposa e no relacionamento com os colegas o comportamento é o mesmo, como se o personagem estivesse tentando erguer muralhas protetoras, ele próprio um ser humano alvo de ameaças reais ou imaginárias.

O mais interessante neste filme de estreia é este olhar crítico e por vezes irônico lançado para um homem incapaz de dar o passo decisivo. A diretora ressalta essa tentativa de ocultar medos e fraquezas quando, ao término de exposições da jovem doente a seus colegas, Charcot é aplaudido como se fosse a principal figura de uma peça ou de um concerto. O costume pode ser este, mas a diretora filma tudo de uma forma a acentuar o fato de que o ser humano, no caso, é elemento secundário, uma peça a mais num monumento a glorificar o autor, um processo de proteção. Este é o tema central do filme: o desinteresse pelo humano e a procura da glória. Como nos mostra John Huston, no seu admirável Freud, o discípulo de Charcot, ao ultrapassar fronteiras erguidas pelo desconhecimento e a repressão, não receberia aplausos e sim vaias. A realizadora acentua também o tema da repressão sexual. Os ataques da jovem são encenados e filmados de uma forma a não deixar dúvida quanto a isto. O encontro sexual dos dois personagens completa a ideia. O filme termina sendo, assim, uma espécie de prólogo, o que realmente é a expressão da verdade histórica. Mulheres histéricas não são mais vistas por Charcot como bruxas. Ao filme pode faltar uma estrutura mais sólida. As aproximações entre a violência e a repressão se limitam a algumas observações às quais falta elaboração. Mas Augustine, sem dúvida, é um relato dotado de observações pertinentes. E como obra de estreia, um trabalho promissor.