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Entrevista Especial

- Publicada em 01 de Outubro de 2012 às 00:00

Para Marenco, pleito na Capital pode ser definido neste domingo


MARCELO G. RIBEIRO/JC
Jornal do Comércio
O cientista político André Marenco avalia que o prefeito José Fortunati (PDT) é favorito para vencer a disputa em Porto Alegre, inclusive já no primeiro turno. Ele argumenta que, desde o início da campanha, os principais adversários do pedetista, Manuela d’Ávila (PCdoB) e Adão Villaverde (PT), se preocuparam mais em se apresentar ao eleitor do que em discutir os problemas da cidade. Na avaliação de Marenco, esse erro de abordagem favoreceu Fortunati, que pôde valorizar a própria administração.

O cientista político André Marenco avalia que o prefeito José Fortunati (PDT) é favorito para vencer a disputa em Porto Alegre, inclusive já no primeiro turno. Ele argumenta que, desde o início da campanha, os principais adversários do pedetista, Manuela d’Ávila (PCdoB) e Adão Villaverde (PT), se preocuparam mais em se apresentar ao eleitor do que em discutir os problemas da cidade. Na avaliação de Marenco, esse erro de abordagem favoreceu Fortunati, que pôde valorizar a própria administração.

Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Marenco avalia as estratégias dos candidatos, em especial a do pedetista e de Manuela. Para o estudioso, a comunista era quem tinha mais chances de representar um projeto de oposição, mas pecou ao não conseguir formular um programa alternativo à atual gestão. Ele ainda constata que a situação do PT em Porto Alegre é de declínio.

Jornal do Comércio - Como avalia o quadro eleitoral na Capital, a uma semana do pleito?

André Marenco - Nos 30 primeiros dias de campanha, o PT (de Villaverde) resolveu se dirigir aos seus simpatizantes, e Manuela resolveu falar de si mesma. Fortunati foi quem falou da própria administração. Ele consolidou uma avaliação positiva e, inclusive, aumentou, de 44% para 59%. Manuela se perdeu muito nessa cartilha de marketing. Ela começou se apresentando como síndica e, depois, abandonou o que me parecia um rótulo muito infeliz para ela. O bordão dela durante a campanha na TV foi “eu vou cuidar das pessoas”, isso é um lugar-comum, todo mundo utiliza e é demasiado abstrato. Fortunati pegou coisas muito mais concretas, “fiz isso e vou fazer aquilo”. Ela deixou que Fortunati falasse sozinho sobre a própria administração. Ele fez o que o (ex-prefeito José) Fogaça tinha feito, consolidou e aumentou uma avaliação positiva e melhorou bastante as intenções de voto a ponto de ter a possibilidade, nesse momento, de vencer no primeiro turno. Esse me parece ser o script desta eleição até agora.

JC - Quais foram as estratégias dos candidatos mais bem posicionados nas pesquisas?

Marenco - Temos um quadro praticamente congelado em relação às eleições de 2008. Na pesquisa do Ibope, e as posteriores acentuaram essa tendência, Fortunati tem 45%, ou seja, ele está basicamente batendo em cima daquele eleitorado que foi de Fogaça. Na eleição de 2008, Maria do Rosário (PT) fez 22,7%, e Manuela, 15,3%. Somadas as duas candidaturas, chegam a 38%. Se somarmos, na pesquisa Ibope atual, Manuela, que tem 28%, e Villaverde, que tem 10%, temos 38%. Fortunati recupera os eleitores que, no início da campanha, de alguma forma, haviam migrado para Manuela, eleitores que eram de Fogaça, desta mesma administração. E o PT e Manuela estão basicamente no eleitorado que já foi deles em 2008. Isso mostra o grau de estabilidade de comportamento eleitoral e de previsibilidade em Porto Alegre. Mas também mostra que Manuela não conseguiu dar conta. Ela avançou, mas houve essencialmente um realinhamento desse eleitor de esquerda e da forma como ele se distribui entre PT e Manuela. O PT perdeu votos, provavelmente para Manuela, mas ela não conseguiu avançar no eleitor de Fortunati - e isso é fundamental para vencer. Outro dado interessante de se observar é que, até o início da campanha, Fortunati tinha em torno de 43% e 44% de bom e ótimo. Na pesquisa Ibope, ele já chega a 59%, tem um crescimento significativo de bom e ótimo. Não só cresceu, mas provavelmente recuperou eleitores que, até o início da campanha, Manuela tinha conseguido atrair. Ele recupera em função de um dado que já havia identificado há um ano como o elemento mais forte pró-Fortunati, a avaliação retrospectiva. O julgamento positivo da sua administração cresceu de um modo muito expressivo. De alguma forma, há uma reedição de erros e acertos que foram cometidos em 2008.

JC - Quais?

Marenco - Em 2008, a situação de Fogaça era mais difícil. Ele partiu de uma avaliação de sua administração muito abaixo do que parte Fortunati. No início da campanha, Fogaça tinha 20% de bom e ótimo. Quando chega o final do primeiro turno, mais ou menos esse estágio em que estamos agora, ele dobra, chega a 40% e 42% de bom e ótimo. Na campanha no horário eleitoral gratuito na TV, no primeiro turno, Fogaça é quem avalia a própria administração. Tanto o PT quanto Manuela resolvem ignorar e falar de si mesmos para não fazer uma polarização e uma discussão sobre a prefeitura. Com isso, eles dão o tempo que Fogaça de certa forma precisa para alterar e inverter a avaliação que havia no eleitorado sobre a sua própria administração. Neste ano, acontece um fenômeno similar. Se observarmos o primeiro mês do horário eleitoral, o PT está fazendo uma campanha quase autista, no sentido que ele está tentando atrair os eleitores que migraram para Manuela para tentar disputar o segundo turno. Basicamente, se dirigiu aos próprios simpatizantes e deu forte ênfase à administração do PT com Dilma Rousseff e Tarso Genro. Não falou, ou falou muito pouco, sobre Fortunati. Cresceu de 3% para 10%, muito aquém do esperado.

JC - Faltou tempo para Villaverde, que era desconhecido, apresentar-se?

Marenco - Isso foi um elemento. Ele tentou fazer isso basicamente reforçando a sua associação com o PT e mirando os 25% de eleitores que manifestam identificação ideológica ou simpatia com o partido. De alguma forma, Manuela fez a mesma coisa, sendo que ela não precisaria, porque tem um recall alto, já foi candidata a prefeita, teve duas votações muito significativas para a Câmara dos Deputados. Até o primeiro mês, ela igualmente ignorou Fortunati e a administração atual. Ambos, e, sobretudo Manuela, foram movidos por um raciocínio que é muito forte entre marqueteiros de campanha.

JC – De não ser agressivo?

Marenco - É uma manobra muito arriscada ser muito agressivo, vai produzir rejeição. Os eleitores, em pesquisa, dizem que não gostam de críticas exageradas, então não se faz isso. Mas estamos indo para a oitava eleição municipal no País, então tem pelo menos duas coisas que se sabe sobre eleições. Primeiro, em geral, as eleições municipais são determinadas por questões municipais, têm pouca influência de questões federais. Por exemplo, o PT pode perder as prefeituras de Recife, Fortaleza, Belo Horizonte, São Paulo, mas muito pouco isso tem a ver com o mensalão. Os dados mostram que tem muito pouco êxito esse tipo de federalização de eleições. O (ex-presidente Luiz Inácio) Lula (da Silva, PT) conseguiu transferir votos para Dilma em um contexto em que era a mesma eleição, para o mesmo nível de cargo. Na verdade, não é nem o carisma de Lula. Ele tinha um governo bem-avaliado, e a continuidade desse governo era Dilma. Quando ele conseguiu mostrar que era Dilma, transferiu votos. O mesmo ele não consegue fazer na eleição de São Paulo, já que o Haddad está aquém do próprio eleitorado do PT na cidade, que é de 30%.

JC - O que mais conta?

Marenco - Uma questão muito forte, a avaliação retrospectiva. O eleitor mediano se baseia muito em uma avaliação de governo, como fez com Lula em 2006 e com Dilma em 2010. No caso de Manuela, se tem um governo bem-avaliado, e o eleitor não mudar essa avaliação, acabou a eleição. Em política vale a mesma coisa que vale em economia, que é um conceito chamado retornos decrescentes. A questão crucial para o eleitor mediano é a diferenciação, ele quer pensar como diferencia os candidatos Fortunati e Manuela. No momento em que todos começam a falar uma linguagem parecida, são todos similares. Isso produz retornos decrescentes, não diferencia. O que diferencia vai ser a avaliação da administração atual e o medo de não querer arriscar com o novo quando já se tem alguma coisa garantida. Manuela deveria ter discutido com o eleitor que a administração podia ser melhor. Um erro que os marqueteiros sempre cometem é segurar os candidatos para que não falem mal do prefeito, então, bate o pânico nos marqueteiros e candidatos, e eles começam a criticar de uma forma equivocada e agressiva. Tem que, desde o início, pontuar críticas de uma forma que não seja demasiado agressiva, mas que possa ser convincente para o eleitor e, ao mesmo tempo, apresentar-se como uma alternativa. Manuela não conseguiu fazer isso. Ela ficou com bordões e rótulos. Ela poderia ter usado a tecnologia como um diferencial importante se ela conseguisse mostrar, em coisas muito concretas, como a incorporação de tecnologia na administração poderia fazer diferença, mas acabou ficando muito no abstrato.

JC - A expectativa de transferência de votos da senadora Ana Amélia Lemos foi frustrada?

Marenco - De fato, a aposta era entrar, através da associação com a senadora Ana Amélia, no eleitor mais conservador e que havia votado em Fogaça e em um segmento de idade mais avançada. Aí também dependeria um pouco da estratégia de campanha de Manuela. Ela era a candidata que tinha potencial para enfrentar um prefeito bem-avaliado. Em 2008, ela fez uma aliança com o PPS, que tem um alinhamento muito antiPT. Foi ruim, porque o desafio para ela naquele momento era atrair o eleitor do PT. Sem dúvida, em 2008, a aliança foi fatal para ela, mas agora, nem a aliança com PSD, ou até com PP, poderia representar isso. Agora, o elemento crucial para ela seria o programa. Ou seja, a capacidade que ela tivesse de balizar e calibrar a crítica a Fortunati e conseguir construir e apresentar uma alternativa. Ela tenta, mas não consegue fazer com êxito. Ela consegue atrair eleitores do PT e se consolidar como alternativa de esquerda, mas não consegue o mesmo com os eleitores de Fogaça e de Fortunati. Ela precisaria mostrar que essa administração tem problemas. Só que, para fazer isso, ela não poderia ter dado essa vantagem de um mês para Fortunati falar sozinho sobre a própria administração. Esse foi um erro que pode ter sido fatal.

JC - Aumentam as chances de Fortunati vencer no domingo?

Marenco - É muito arriscado fazer essa previsão. Teremos uma semana que vai ser muito definitiva. Vitória em primeiro turno em Porto Alegre só tivemos uma com  Raul Pont em 1996. Mesmo quando Tarso Genro parecia ser um candidato muito forte, em 1992 e 2000, ele não conseguiu vencer no primeiro turno. Não é inteiramente fácil. Fortunati, nesse período, tem um crescimento de 15%, Manuela tem um declínio de 10%, e o motor propulsor do prefeito é a avaliação de desempenho do governo. Essa avaliação já subiu para 59%, e isso mostra que ele ainda tem fôlego para crescer. Ele tem uma rejeição baixíssima, então a probabilidade de que ele venha a vencer no primeiro turno é muito grande.

JC - Em caso de segundo turno, quais são as chances de Manuela reverter essa vantagem?

Marenco - A única eleição em que há reversão é a de Fogaça, em 2004, contra Pont. Fortunati tem uma margem de segurança grande, dada pelo crescimento da avaliação positiva de seu governo. Ter deixado ele falar sozinho sobre a administração durante um mês é uma vantagem cuja recuperação se torna difícil mesmo no contexto de uma eleição de segundo turno, quando os dois candidatos terão o mesmo tempo de propaganda. Para reverter o favoritismo do prefeito, Manuela terá de disputar, desde o primeiro dia de campanha, a avaliação da administração. Talvez esse tempo perdido seja irreversível. Ela deveria ter feito uma comparação da administração desde o começo. Para o eleitor, comparação é muito pedagógica. Facilita para o eleitor mediano, que tem uma escolaridade e uma renda baixa ou média e cujo interesse por política é muito ocasional. Fortunati foi muito mais concreto, apresentou ao eleitor uma avaliação positiva da sua administração, que não foi contestada pelos adversários. Pode reverter, mas a própria história da cidade tem mostrado que é mais difícil, sobretudo quando um candidato parte de um patamar elevado.

JC - Villaverde tem potencial para ir para o segundo turno?

Marenco - É muito pouco provável. O PT chega ao seu auge eleitoral em 1996 e 1998. São as duas melhores votações do PT em Porto Alegre. A partir de 2000, vai declinando. Perdeu, em primeiro lugar, um eleitor que nunca foi petista stricto sensu, mas que votava no PT por uma avaliação retrospectiva, porque o partido vinha bem. De um lado, vem declinando e, ao mesmo tempo, o elemento que impulsiona é o fato de ele ter perdido a agenda para a cidade. O PT, no Rio Grande do Sul, se ressente de uma incapacidade de formular a agenda.

Perfil

André Luiz Marenco dos Santos, 49 anos, é natural de Tupanciretã, município do Centro do Estado. Graduou-se em Ciências Sociais (1980-1984) e fez mestrado (1990-1993) e doutorado (1997-2000) em Ciência Política na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). É professor da mesma universidade no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política. Também atua no Centro de Estudos sobre Governo. É coordenador da área de Ciência Política e Relações Internacionais da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). E ainda assumiu uma cadeira nos conselhos Técnico Científico da Educação Superior e Universitário da Ufrgs. Possui artigos sobre instituições políticas, campanhas eleitorais e reforma política publicados em periódicos científicos nacionais e internacionais. 

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