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Teatro
Antônio Hohlfeldt

Antônio Hohlfeldt

Publicada em 25 de Abril de 2024 às 18:50

Como a endemiaretira as máscaras

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Antonio Hohlfeldt
A estreia, no último dia 10 de abril, da segunda obra dramática de Gilberto Schwartsmann, sob o título de A força da arte - o Heptameron, reforça a impressão quanto às qualidades e eventuais falhas do dramaturgo. O título da obra é inspirado por trabalho homônimo de Margarida de Angoulême, Rainha de Navarra, originalmente publicado em 1558, ainda que em edição incompleta e muito falha. A autora, por seu lado, inspirara-se na narrativa de Giovanni Boccaccio, Decameron. A palavra grega 'heptameron' tem a ver com o número de dias, e de narrativas que cada personagem apresenta a seus companheiros, todos eles reunidos ao longo de sete dias, num lugar à beira dos montes Pireneus. É um total de 72 narrativas, atualmente em cinco volumes, sendo que a última parte está incompleta.
A estreia, no último dia 10 de abril, da segunda obra dramática de Gilberto Schwartsmann, sob o título de A força da arte - o Heptameron, reforça a impressão quanto às qualidades e eventuais falhas do dramaturgo. O título da obra é inspirado por trabalho homônimo de Margarida de Angoulême, Rainha de Navarra, originalmente publicado em 1558, ainda que em edição incompleta e muito falha. A autora, por seu lado, inspirara-se na narrativa de Giovanni Boccaccio, Decameron. A palavra grega 'heptameron' tem a ver com o número de dias, e de narrativas que cada personagem apresenta a seus companheiros, todos eles reunidos ao longo de sete dias, num lugar à beira dos montes Pireneus. É um total de 72 narrativas, atualmente em cinco volumes, sendo que a última parte está incompleta.
Schwartsmann manteve a estrutura dos sete dias e a encenação de Zé Adão Barbosa, que assina o espetáculo e é também o seu personagem central, igualmente cuidou desta estrutura. O texto reúne dois casais integrantes da alta sociedade, a que depois se somam mais um casal e o personagem de um professor universitário, este, amigo de infância do proprietário da casa (na verdade, toda a riqueza é de sua mulher, ele não passa de um arrivista). Ao final do drama, desolado e isolado, este Augusto assume, cinicamente, sua condição e trata de remediá-la da melhor forma possível, sendo o único, ironicamente, a não ler o texto de Tolstói, A morte de Ivan Ilitch, que gera uma espécie de revisionismo vital e social em todos os demais personagens.
Dramaturgicamente, Gilberto Schwartsmann evidencia evolução em sua escritura: o texto tem maior naturalidade nos diálogos, as situações dramáticas estão bem concatenadas e a última meia hora, ao propiciar uma reviravolta no enredo, se torna extremamente divertida. Schwartsmann, contudo, mantém uma tendência perniciosa para o texto dramático, que é um diálogo demasiadamente retórico, o que torna o andamento do espetáculo lento e deve ter exigido, de Zé Adão, um enorme esforço para manter o mínimo de ritmo de que toda e qualquer comédia necessita.
Os três casais apresentados sintetizam figuras egoístas e alienadas da atual sociedade que, provocados pela situação da Covid-19, tratam de fugir da doença, refugiando-se numa mansão na Serra Gaúcha (qualquer alusão a Gramado é mera coincidência...) A partir desta situação, desenrolam-se as "jornadas", explicitamente referenciadas no texto boccacciano, numa sátira bastante eficiente. O principal ridículo, bem apanhado por Schwartsmann, é que 1) rico não deveria pegar doença, simplesmente por ser rico e 2) pobre, mesmo que doente, deve seguir trabalhando e prestando serviços aos patrões.
O texto registra, com fidelidade, o profundo egoísmo que marca certos segmentos sociais. Através do professor universitário que, convidado, chega à mansão, Schwartsmann evidencia que não apenas a alta burguesia pode ser afetada por tais situações críticas (como ocorreu com a sociedade, ao tempo de Boccaccio), quanto também experimenta outras relações sociais, como ocorre, de forma estapafúrdia, ao final do espetáculo.
O cenário de Zoravia Bettiol vai numa linha relativamente realista: colorido, até alegre, é completado por saídas laterais de cena, em ambos os lados, já que a opção de Zé Adão, em que pese ter apresentado a montagem no Teatro Oficina Olga Reverbel, foi por um espaço de teatro italiano. O próprio Zé Adão vive o personagem principal, Augusto, contracenando com Arlete Cunha (Lúcia), que recolhe muito bem alguns traços para sugerir esta personagem ignorante, cuja atividade social se restringe a manicures e visita a centros de compras. Os outros dois casais são Adriana Collares e Zé Passos - ela quase ninfomaníaca - e Ana Kerwaldt e Anderson Leal. Por fim, Juliano Passini, que personifica o professor universitário, Luís, responsável por trazer o elemento desestabilizador do grupo, aquela novela do escritor russo Tolstoi, de onde o título da peça, A força da arte.
A proposta é interessante, como disse, podendo algumas passagens serem cortadas, por repetitivas. Schwartsmann também se repete - neste caso, num bom sentido - insistindo na importância e na força social da literatura. E o espetáculo é divertido e inteligente.
 

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