O uso de aplicativos de transporte privado de passageiros é uma realidade já sedimentada em nossa sociedade. Trata-se de um fenômeno típico da economia colaborativa e que se propagou exponencialmente em matéria de transporte individual. Mas uma realidade como esta deve ser compreendida sob a perspectiva da ordem constitucional vigente, sobretudo num país como o Brasil, que destina parte importante das normas da Constituição Federal para tratar dos modos pelos quais o Estado regula a economia.
Isso induz à recomendação de um freio de arrumação, pela qual questões jurídicas devem ser tratadas com um mínimo de cuidado jurídico. O problema é que o assunto alcançou surpreendente polarização: de um lado, os defensores dos aplicativos. Do outro, seus opositores, geralmente prestadores de serviço de táxi.
A questão dos aplicativos deve ser compreendida a partir do conceito de "serviço público", que consiste em atividades que propiciam comodidade fruível pela coletividade ou algum interesse do Estado. O serviço de transporte individual era prestado por meio de táxis, sendo normalmente qualificado pelos municípios como serviços públicos. Mas, a partir de pressões feitas pelos próprios taxistas, foi alterada em 2013 a Lei de Política Nacional de Mobilidade Urbana, para definir tal prática como serviço de utilidade pública e prever a possibilidade de transferência, seja por alienação ou falecimento. Foi justamente essa a porta de entrada para os novos aplicativos. Ou seja, foi exatamente uma mudança legislativa ocorrida por interesse dos taxistas que gerou a possibilidade desses serviços se proliferarem no país.
Desta forma, merece elogios a edição da Lei 13.640, que promoveu nova alteração da Lei de Política Nacional de Mobilidade Urbana para, ao que parece, racionalizá-la quanto à questão dos aplicativos. A nova lei coloca os pingos nos is, principalmente através de três novidades: o serviço remunerado de transporte de passageiros, para viagens solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede; a atribuição aos municípios da competência exclusiva para regulamentar e fiscalizar essa prática; e os requisitos mínimos a serem exigidos dos motoristas.
Diante disso, espera-se que os municípios estabeleçam um arranjo jurídico que viabilize o convívio harmônico entre os serviços de transporte por aplicativos e de transporte público - ou de utilidade pública, bem como com os demais modais de transporte cada vez mais necessários em nossas cidades.
Advogado especialista em Direito Administrativo