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Publicada em 26 de Fevereiro de 2018 às 18:44

A criação das marcas humanizadas

Coronel divide a rotina da escrita literária, que tanto gosta, com seus afazeres na Agência Matriz, de Porto Alegre, onde é um dos sócios

Coronel divide a rotina da escrita literária, que tanto gosta, com seus afazeres na Agência Matriz, de Porto Alegre, onde é um dos sócios

/LUIZA PRADO/JC
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Mauro Belo Schneider
Mauro Belo Schneider Editor-executivo
Todo fim de ano, a propaganda do Zaffari é uma das mais aguardadas no Rio Grande do Sul. Isto porque o comercial traz uma mensagem que emociona o público, diferentemente do que é comum no ramo, com anúncios de produtos com o menor preço. A proposta é encantar por meio de uma narrativa envolvente.
Todo fim de ano, a propaganda do Zaffari é uma das mais aguardadas no Rio Grande do Sul. Isto porque o comercial traz uma mensagem que emociona o público, diferentemente do que é comum no ramo, com anúncios de produtos com o menor preço. A proposta é encantar por meio de uma narrativa envolvente.
O conceito foi criado por Luiz Coronel, publicitário que é também muito conhecido no Estado por seu eu poeta. "A propaganda brasileira se Zaffarizou", orgulha-se ele, considerado pioneiro na humanização de marcas.
Para os 20 anos do evento Marcas de Quem Decide, realizado no Teatro do Sesi, em Porto Alegre, ele compôs e declamou um poema. Acompanhe a seguir o bate-papo com esta personalidade gaúcha, que neste ano completa 80 anos e, para comemorar, encomendou um show de Fafá de Belém.
Marcas de Quem Decide - Como concilia a vida de publicitário com a de poeta?
Luiz Coronel - Minha vida correu, nesses últimos anos, sob dois trilhos. Ora como publicitário, ora como escritor. E, os dois, com uma conciliação muito harmoniosa. A criação publicitária é sempre um ofício de sentar e trabalhar. A criação literária, mais de casa. Digo para mim mesmo: quando o mundo me inquieta, sento na minha biblioteca e encontro a minha paz. Na vida de qualquer pessoa, o aprofundamento da amizade com os livros é uma grande conquista. Por exemplo, eu vou para uma praia e levo um livro do Umberto Eco, de crônicas. Ali, eu tenho o encantamento de me livrar da abobrinha, do mundo pequeno, e conviver com cabeças iluminadas. Por outro lado, a gente não pode perder a graça do cotidiano, de conversar com o lixeiro, com a zeladora, de brincar com as crianças. A poesia, sobretudo, mais que sabedoria de escrever versos, é um olhar sobre a vida. Ela não é um ato que te distancia da vida, pelo contrário, ela aprofunda tua experiência. A publicidade me ensinou a glorificação da síntese, a ser comunicativo. O grande problema de muitos poetas é que eles caem num esoterismo misterioso e terminam escrevendo de poetas para poetas, como pintores que pintam para pintores.
Marcas - Quais são seus momentos mais significativos na Publicidade?
Coronel - Quando criei a campanha Democratização do Brasil e quando criei o dialeto Zaffari. Hoje, dizem que a propaganda brasileira se "Zaffarizou". Os ingredientes da ternura, da família, das relações humanas, agora, têm um corte muito nacional. Mas começou com a propaganda do Zaffari. É importante dizer que, atualmente, isso está entregue na maestria de Beto Filomena, que deu um salto qualitativo.
LUIZA PRADO/JC
Marcas - Como é ser o pioneiro dessa característica de humanização de marcas?
Coronel - Foi por viver com uma família de gente simples, do Interior - Herval Grande. Foi da maneira de sentir os valores, aquela preocupação de ser muito atencioso com os clientes. Precisava dar uma linguagem para isso, e não seria a linguagem codificada da propaganda, quase que uma blitz de venda, uma tensão. Era preciso falar com a vida das pessoas, com a maneira com que elas vivem. Nascia assim um dialeto Zaffari de propaganda. A primeira propaganda institucional que fiz era um terno de reis, aquele cerimonial tão simples de gente do interior. Depois, um institucional da colonização alemã, italiana. Em seguida, vieram os filmes de Natal, com a construção de uma igreja. Fomos percorrendo até chegar à Agência Matriz, onde ganhou outra dimensão. É importante lembrar que, em vários momentos, a Literatura se insere nessa propaganda. O filme Somos Anjos de Somente Uma Asa, Somente Abraçados Podemos Voar é uma frase de um poeta do século 16, da Itália. A frase "Há sempre um anjo a nos velar" é de Fernando Pessoa. Muitas vezes, a Literatura interferiu na nossa propaganda. E essa fusão de Arte e Publicidade individualiza a nossa agência no mercado. Utilizamos a arte como forma de emocionar e chegar, através da emoção, à razão. Isso começa pelos anos 1970.
Marcas - Hoje, muitas marcas estão indo na onda do Zaffari. Mas que cuidado deve-se ter para não banalizar a mensagem?
Coronel - A propaganda tem uma tendência à banalização das emoções, das grandes causas. O cuidado de não banalizar é o cuidado de ser verdadeiro. É o zelar pelo poder de verdade. Num filme como Winston Churchill, por exemplo, no primeiro segundo o autor te convence. Não adianta falar de amor e afeição, de integração humana, de carinho, se isso não tiver um esplendor de verdade. As pessoas, em seguida, jogam a ducha em sua descrença e sua indiferença. A verdade, inclusive, tem de estar no ponto de venda. Tem que haver uma harmonia. Não se pode colocar num homenzarrão a voz de menino. Tem que ter uma consonância. Quem fala tem que ser o que diz. No caso do Zaffari, a empresa tem as credenciais para usar esse dialeto. Talvez, esse dialeto, em outra empresa, não soasse tão bem, com a mesma sintonia.
Marcas - E a sua face de empreendedor?
Coronel - Em primeiro lugar, Albert Camus dizia que o ideal humano é ser, ao mesmo tempo, pensamento e ação. Acho que procuro, pelo mínimo, pôr coturno nos meus sonhos. Não largo os meus sonhos de sapatilha. Procuro sempre transformá-los em realidade.
Marcas - Como separa as rotinas da agência da de escritor?
Coronel - Não se misturam as coisas. É uma questão muito delicada essa da fronteira entre o escritor e o publicitário. Que nunca se diga que a minha carreira de escritor foi guindada pela condição de publicitário. Se vou fazer um outdoor, pago o outdoor. Se vou lançar um livro, chamo uma empresa de Relações Públicas, passo um release, para que não seja alguém que vai pedir cobertura e usufruir da posição de publicitário. Isso é uma questão de juízo pessoal.
Marcas - O que acha de pesquisas como o Marcas de Quem Decide?
Coronel - Tenho a impressão de que as universidades brasileiras de Comunicação deveriam colher esse acervo e fazer uma biblioteca com esses estudos. Isto é um patrimônio que talvez o próprio jornal não tenha se dado conta, de como não existe outro no Brasil. E não sei se existe em alguma parte do mundo um levantamento de reflexões tão grande sobre marcas como esse e de como elas agonizam.
Marcas - Por falar em agonizar, por que as marcas hoje têm uma vida mais curta?
Coronel - Existe um filósofo francês que diz assim: "hoje, o que é não é mais, o que vai ser ainda não é". Nós vivemos a terceira revolução globalizante, com a revolução da informática. Cada uma delas desestabilizando processos de acomodações sociais. A experiência humana é profundamente marcada por ciclos, pelas relações entre coisas variáveis e coisas permanentes. Nos ciclos de transformação, as permanentes são bombardeadas pelas variáveis. Então, muitas coisas que pareciam destinadas à eternidade viraram sucata. Ideologias viraram sucata. Utopias viraram sucata. Instituições viraram sucata. Há um anúncio de coisas novas. A noção de nação passou para o time de futebol. A seleção significa mais o País do que as instituições. Para mim, chegando aos 80 anos, a vida me apresenta um novo quadro de atividades. Virei palestrante.
Marcas - Como é o Coronel consumidor?
Coronel - É um consumidor discreto. Minha família era muito pobre, mas feita de homens elegantes. Gosto de roupas, do cuidado pessoal. Se tu perguntares qual o maior consumo da minha casa, é a pintura.
Marcas - Qual sua relação com a tecnologia?
Coronel - A tecnologia para mim é um mistério. Me sinto um intruso no século 21.
Marcas - Com toda sua experiência na Publicidade, como acredita que as marcas vão se comunicar no futuro?
Coronel - Elas vão ter que usar as estradas que o povo anda. As agências vão ter de caminhar por onde as pessoas forem. Se os jovens vão para a internet, sigam para a internet. Quando afirmaram o fim da linguagem escrita, veio a informática e devolveu a linguagem alfabética para a humanidade. As pessoas novamente voltaram a se comunicar escrevendo.
JONATHAN HECKLER/JC

Poema lido no Marcas de Quem Decide

1. Se não me perguntarem o que é o tempo eu sei.
Se me perguntarem, ignoro.
O que temos e percebemos são as nítidas e irreparáveis marcas do tempo.
Com o tempo a alma vem para o rosto.
Sonhos, realizações, desalentos.
As experiência de vida nos revelam.
Nos grandes homens, a grandeza se estampa.
Nos que mentem e trapaceiam, a vilania salta aos olhos!
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2. O que vale para uma pessoa também se projeta sobre uma empresa, cidade , nação.
As cidades, mais do que seus rios e montanhas, são as suas gerações, deixando as marcas de seus sonhos, em suas ruas, suas edificações.
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3. Quais as marcas de nosso tempo ?
“ Hoje o que é não é mais e o que vai ser ainda não é!”, disse um filósofo. A revolução da informática avança qual um tsunami.
Tudo que é sólido se desmancha no ar.
O tempo é aturdido por radicalizações.
E a mente humana, qual os paraquedas, só funciona se aberta.
A ciência viaja de drone, as mentes parecem mover-se de bicicleta.
Sem a consciência dos fatos o ser humano é folha que não sabe a que árvore pertence.
Um ciclo histórico fecha as cortinas.
Os novos tempos terão a marca de nosso discernimento e decisão.
Tenhamos em mente : o homem não cria problemas que ele não possa resolver.
Por maior que sejam os desafios, não podemos permitir que a esperança se transforme em cinzas.
Por nublados que sejam os dias, há sempre a certeza de que o sol, a qualquer momento, ressurge entre as nuvens.
Amigos : a vida é um milagre. Vivemos em um lindo planeta, e vale a pena lutar por ele.
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4. Avancemos : Há vinte anos, anualmente, no Jornal do Comércio, na aurora de um novo ano, dezenas de mentes lúcidas e corações atentos, espargem conhecimento sobre o desenvolvimento e consolidação das marcas.
Somos, como toda América Latina, ilhas de modernidade num imenso lago ou mar de atraso.
São nossas empresas, grandes ou pequenas, o empenho imprescindível para que possamos alcançar os altos patamares da prosperidade e da justiça social.
E é assim que o Jornal do Comércio grava sua marca inconfundível. Serena, como tudo que é verdadeiro.
Indiscutível, como o sabor dos bons frutos.
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A América é a primavera da historia.
E o Brasil somos nós...vamos desatar esses nós !

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