Com apenas três anos de idade, Tonya Harding descobriu que tinha um dom. Aos quatro, ela conquistou seu primeiro prêmio como patinadora artística. O que poderia ter sido uma história de sucesso e de ascensão social, no entanto, teve um desfecho triste e dramático. Em um formato que dialoga com o documental e com o ficcional, o longa Eu, Tonya é baseado em fatos reais e conta a história da patinadora norte-americana que conquistou o amor e o ódio dos Estados Unidos da década de 1990.
Considerada uma das maiores patinadoras no gelo do mundo, Tonya foi a primeira atleta norte-americana a executar um giro duplo no ar. No entanto, sua carreira chegou ao fim após um incidente que envolveu Nancy Kerrigan - sua principal oponente - e que ficou conhecido como o maior escândalo da história do esporte nos Estados Unidos. Em 1994, a atleta foi atingida no joelho por um bastão de metal após uma sessão de treinos - o ataque foi relacionado a Jeff Gillooly, esposo de Tonya na época.
A cinebiografia é baseada em entrevistas com Tonya Harding, Jeff Gillooly e outros envolvidos no caso. Graig Gillespie, da comédia romântica A garota ideal, dirige o roteiro escrito por Steven Rogers, que recria a história misturando humor e emoção. Apesar de mais extenso do que o necessário, o drama buscar construir a narrativa a fim de quebrar o estereótipo criado pela mídia e mostrar que, desde a infância, Tonya foi vítima de relacionamentos abusivos, abandonos e violências em suas mais diversas formas.
Desde pequena, a atleta foi tratada aos socos e pontapés pela própria mãe, LaVona Golden, uma mulher fria e amargurada. De nada valiam as horas que Tonya passava no ringue, nem o quanto ela se dedicava e tinha abdicado de amigos, da escola e da vida normal de uma adolescente, a patinadora nunca havia dado o seu melhor e valorizado o investimento da mãe em seu treinamento. Como resultado, a patinação se tornou a sua vida. A frieza e o desamor que a cercavam desapareciam no gelo, e o ringue se tornava um espaço cheio de vida em meio a suas piruetas, saltos e pousos.
Paralelamente à relação entre Tonya e sua mãe, os júris também a rejeitavam. Apesar de sua técnica impressionante, ela não era bonita o bastante, não era gentil e dócil o suficiente, não tinha os melhores uniformes (que eram costurados por ela ou pela mãe), não escolhia músicas de garotas para as suas performances. Ela era inadequada, tinha sotaque e origens pobres, pintava a unha com esmaltes coloridos e tinha um linguajar que não se encaixava com o que a associação de patinadores buscava para ser o rosto da América nos Jogos Olímpicos.
Relacionando amor à violência, Tonya casou com seu primeiro namorado e passou a conviver com mais agressões domésticas e abusos psicológicos. Foram inúmeras as chamadas feitas para a polícia, as ordens de restrição e as desculpas pelos roxos no corpo e no rosto. Tragicamente, foi Gillooly quem acabou por encerrar, antecipadamente, o sonho de Tonya.
Margot Robbie - em um dos papéis mais densos de sua carreira - consegue transmitir ao público a raiva e a frustração de não ser reconhecida, apesar de seus esforços, revelando uma mulher que foi criada para se sentir insegura e nunca boa o bastante. De mesmo modo, Margot emociona com suas reações durante saltos perfeitos em belíssimas apresentações.
Ao seu lado, Allison Janney, que já recebeu o Globo de Ouro por seu papel no longa, é uma das favoritas ao Oscar de atriz coadjuvante como mãe da patinadora. Cruel e carrancuda, LaVona não poupa críticas à filha e desconta na personagem sua frustração pessoal.
Eu, Tonya é um filme que muda o olhar sobre o caso da patinadora e mostra que, por trás do escândalo, é preciso compreender toda a trajetória e as dificuldades enfrentadas por uma mulher grafilizada que, desde pequena, foi ensinada a olhar para outras meninas como rivais, que teve problemas com autoestima e passou por diversos relacionamentos abusivos quando, no fim, só buscava ser amada e reconhecida pelos seus próprios esforços.