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Entrevista especial

- Publicada em 18 de Fevereiro de 2018 às 22:16

MBL quer bancada de 15 deputados federais, diz Kataguiri

'A estratégia é entrar em toda briga que aparecer', afirma Kataguiri

'A estratégia é entrar em toda briga que aparecer', afirma Kataguiri


MARIANA CARLESSO/JC
Com o surgimento e crescimento proporcionados pela presença nas manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o Movimento Brasil Livre (MBL) planeja agora intensificar sua migração para a política institucional – já iniciada nas eleições municipais de 2016 -, que o líder Kim Kataguiri entende como um “amadurecimento natural”.
Com o surgimento e crescimento proporcionados pela presença nas manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o Movimento Brasil Livre (MBL) planeja agora intensificar sua migração para a política institucional – já iniciada nas eleições municipais de 2016 -, que o líder Kim Kataguiri entende como um “amadurecimento natural”.
Para isso, o grupo pretende emplacar a eleição de uma bancada de até 15 deputados federais em 20 candidaturas lançadas em diferentes partidos, pois “não faria sentido a gente determinar um único partido, um único caminho”. A ideia é a criação de uma “bancada liberal”, com uma agenda que inclui desde a defesa do voto distrital puro ou misto e do parlamentarismo, passando pela revisão do pacto federativo, até uma reforma salarial e de privilégios no serviço público. O próprio Kataguiri diz que vai se lançar a uma cadeira na Câmara, mas ainda não decidiu por qual partido concorrerá.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, dada durante o julgamento em segunda instância do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em Porto Alegre, Kataguiri também não se furtou a falar sobre as polêmicas em cuja onda o grupo costuma surfar nas redes sociais, curiosamente pontuando que, para combater a esquerda, se inspirou em teóricos desse pólo como Saul Alinsky e Herbert Marcuse para construir a linguagem do MBL, que tradicionalmente se coloca contra partidos como PT e PSOL. “Você joga homens contra mulheres, brancos contra negros, héteros contra gays, enfim criam-se esses microconflitos, microrrelações de poder que fazem com que tudo aquilo se junte numa minoria, que no final se torna uma maioria e aí sim você consegue promover uma revolução pelo meio cultural”, dá a receita. 
JC – Em ambas as manifestações favoráveis à condenação do ex-presidente Lula a adesão de público foi pequena, em comparação ao movimento pelo impeachment de Dilma. Ao que atribui isso?
Kataguiri – Acho que é normal. Acho que a gente vive um momento bem diferente do que a gente vivia no impeachment. Tinha um sentimento de pertencimento maior ao momento histórico, as pessoas se sentiam parte de algo grande, que elas estariam perdendo o bonde da história se não participassem, e agora isso passou. Sem falar que também tinha uma demanda. Havia um incentivo, digamos assim, uma moeda social para que você participasse, que era: “olha, eu estou lutando por determinada coisa”. Hoje foi mais uma comemoração, não tinha uma agenda política pela qual as pessoas estavam lutando. E tem as causas naturais também: choveu. Mas acho que o principal fator é que a população está saturada de tanta mobilização que houve. E mesmo os movimentos liberais, conservadores, os institutos tendem a se institucionalizar, é um amadurecimento natural de transferir parte da militância para a política institucional. Fazer com que os movimentos tenham uma cara adulta, digamos assim.
JC – Como o MBL está se institucionalizando?
Kataguiri – Acho que a gente deu o primeiro passo em 2016, que teve a primeira eleição que a gente em que a gente teve candidatos; elegemos nosso primeiro candidato do Executivo, que foi aqui, o (Nelson) Marchezan (Júnior, PSDB) em Porto Alegre. Primeiro e único. Elegemos vereadores. Tem gente eleita pelo PSDB, DEM,PV, PRB, Novo e acho que a ideia é repetir a fórmula em 2018. Cada estado é uma realidade política diferente. Tem estados em que o PSDB coliga com o PT, que o DEM coliga com o PCdoB. É bem diferente a realidade local, não faria sentido a gente determinar um único partido, um único caminho. O sistema proporcional também incentiva essa estratégia porque em São Paulo, um deputado federal precisa de uma cadeira para formar quociente partidário; se o MBL fosse um partido, precisaria de 300 mil votos; como não é, a gente pode ter três candidatos diferentes, em até três coligações diferentes, os três terem 100 mil votos e entrar três com a mesma quantidade de votos de um. Por isso que não é interessante a curto e médio prazo se tornar um partido. A não ser que o sistema político mude para o voto distrital puro ou distrital misto.
JC – Quantos candidatos o MBL pretende lançar dessa forma, fazendo parceria com partidos, em 2018?
Kataguiri – A ideia é lançar 20 para deputado federal e fazer uma bancada de 15. O que a gente aprendeu em Brasília, muito claramente, é que a bancada suprapartidária é muito mais poderosa do que a partidária. Então, um caso comum, votação de demarcação de terra indígena, quando um deputado do PT é da bancada ruralista: se ele vota contra o líder do PT, ele vai perder relatoria de comissão, ele vai perder presidência, vai ter dificuldade para aprovar projetos, vai ter menos tempo para falar no plenário. Agora, se ele for contra a liderança da bancada suprapartidária, ele não vai ter financiamento na próxima campanha, não vai ter militância, discurso, justamente aquilo que o elegeu. Então, na próxima eleição, ele não tem mandato. É justamente isso que a gente pretende fazer: como existe a LGBT e a evangélica, fazer a bancada liberal.
JC – Quais são as pautas do MBL para 2019?
Kataguiri – É uma agenda bem extensa, mas acho que a gente pode resumir em alguns pontos principais, politicamente falando. Como a gente defende a centralização do poder, acho que faz mais sentido defender o voto distrital, misto ou puro. Hoje, no último congresso nacional do MBL, no estatuto está a defesa do distrital misto. Defesa do parlamentarismo também, que, pela a avaliação que a gente teve no último congresso, a última grande democracia presidencialista que parecia estar dando certo era nos Estados Unidos e acho que as últimas eleições acabaram com isso. 60% dos americanos não se sentiam representados nem pela Hilary, nem pelo Trump. E o Trump agora, mesmo com o congresso republicano, tem dificuldade de aprovar o orçamento. Então um modelo em que você tem menos traumas num processo de impeachment, um modelo que você tem mais maleabilidade no governo, modelo que você tem mais governabilidade em que a população possa dar um voto de desconfiança tanto para os parlamentares quanto para o chefe de governo é o parlamentarismo, que funcionou em todas as democracias europeias, que tem bem menos instabilidade que a política americana ou a política da América Latina. Outro ponto é a revisão do pacto federativo. Acho que existem realidades muito diferentes em cada estado para que a gente tenha a mesma legislação civil e a mesma legislação penal. Acho que não faz sentido que o Rio de Janeiro tenha a mesma legislação penal que o Amapá. São realidades muito distintas, são costumes distintos, são culturas distintas e isso poderia incentivar o desenvolvimento desses estados que muitas vezes estão amarrados. Governador, prefeito, deputado estadual é obrigado a ir lá e mendigar lei, mendigar orçamento em Brasília porque está tudo centralizado na União – 87% dos recursos. Outro ponto é reforma salarial de privilégios. Existe uma distorção muito grande quanto ao crescimento, nos últimos anos, do salário do setor privado e salário do setor público. Então acho que a ideia de propor uma reforma salarial - que você vá na carreira pública e comece com R$ 5, 6 (mil), crie pelo menos umas 30 faixas salariais e um plano de carreira mais bem estruturado - seria melhor para a eficiência da máquina pública. Outro ponto seria o fim de privilégios; também a reforma previdenciária. A reforma proposta pelo governo (federal) é muito mais um ajuste fiscal do que uma reforma em si.
JC– Recentemente, a entrada de Bolsonaro no PSL (ainda não oficialmente consumada), gerou a saída do movimento Livres do partido. O que opina a respeito?
Kataguiri – É ideologicamente coerente. A partir do momento que você tem o Bolsonaro candidato à presidência da República e você quer ter candidatos ao Legislativo estadual e federal legitimamente liberais... ou você defende o Bolsonaro ou você é liberal. As duas coisas ao mesmo tempo não encaixa. Ou você defende ditadura militar, ou você é um liberal; ou você defende a proteção da indústria nacional de nióbio, ou você é liberal; ou você defende a proibição de importação de bananas do Equador, ou você é um liberal. São agendas que simplesmente não se encaixam. Acho que é coerente da parte deles ter saído do partido. E acho que mostra bastante a falta de habilidade política e a falta de palavra do Bolsonaro em ter quebrado com o PEN. Afinal, o presidente do partido entregou tudo que ele pediu, ele queria ainda mais, queria a executiva, por isso quebrou, foi para outro partido, sendo que já colocaram ele na propaganda de televisão do partido, já fizeram anúncio oficial, já colocaram nomes de confiança dele na executiva e ainda assim ele quebrou o acordo e foi para outro partido. Acho que isso já demonstra que ele deve ter pouco futuro. Eu apostaria, inclusive, que não vai conseguir legenda para presidente da república. No máximo, sai para o Senado.
JC– Há analistas políticos que falam que ele pode não sair como candidato.
Kataguiri – É a minha aposta. O sistema de financiamento de campanha, com a nova legislação, obriga o partido que tiver candidato à presidência da República a dar 50% do orçamento para ele. Todo o resto para o Legislativo e para as candidaturas. Isso inviabiliza muito o partido pequeno e médio que queira se arriscar à presidência da República, porque você só lança para vencer. Você não vai gastar metade do seu fundo partidário em uma aventura. E o Luciano Bivar não é nenhum marinheiro de primeira viagem. O Luciano Bivar já foi deputado várias vezes, é colega de nomes históricos ali. Enfim, não é um amador, é um cara que está no comando do partido e é um cara que sabe de legislação. E o Bolsonaro é o cara que está há 20 anos no Congresso, se candidatou à presidência da Câmara e teve quatro votos. Então, a habilidade política de um e de outro é bem evidente.
JC – Houve uma série de postagens do MBL nas redes sociais, criticando o prefeito de São Paulo, João Dória Júnior (PSDB), que foi eleito com apoio do grupo. Por que essa mudança de postura?
Kataguiri – Acho que foi a gota d’água de um processo que já vinha acontecendo há algum tempo. Uma das coisas que mais doeu na gente foi a taxação dos serviços de streaming, como a Netflix e o Spotify,  que não foi ele que inventou; (foi) imposição de lei federal e o prefeito que não criasse a taxa poderia ser condenado por crime de responsabilidade. Só que não foi essa a defesa que ele fez. Se tivesse colocado o imposto mínimo exigido pela Constituição Federal, tudo bem. Agora, não foi isso que ele fez. Falou “defendo, acho que as empresas lucram muito em São Paulo, e se a gente taxar não vai aumentar o preço final”. E ele é empresário e sabe que isso é mentira. Aí veio a questão do Uber, colocou uma regulação de que os carros só podem até 5 anos, quer escolher a roupa dos motoristas e exigir o curso concedido pela prefeitura. Isso também está absolutamente contra o discurso que ele defendeu tanto na campanha quanto no congresso do MBL, de que ele participou. A gente rompeu porque ele rompeu com a sua palavra. Inclusive, era o nosso nome à presidência da República antes de fazer besteira.
JC – E qual é agora?
Kataguiri – Agora não é nenhum, por enquanto.
JC – Tem algum candidato no qual pode haver alguma possibilidade de apoio – mesmo que haja ressalvas, mas que o MBL olhe de uma maneira mais simpática?
Kataguiri – Olha, candidato não tem. Mas tem um nome que eu gostaria que fosse presidente da República, não falando pelo movimento, mas por mim, e que eu acho que os coordenadores concordariam comigo: seria o Flávio Rocha, que tem ganhado projeção ultimamente por causa do Movimento Brasil 200, que lançou lá em Nova Iorque, com empresários. Acho que se ele conseguisse viabilizar e conseguir legenda, acho que é um cara que tem um discurso bastante alinhado com o nosso.
JC – Dória venceu com o apoio do MBL, assim como Marchezan em Porto Alegre, cuja relação com o Legislativo teve vários pontos de atrito durante o ano. Até nomes de orientação mais liberal, como Ricardo Gomes (PP), acabou saindo do Executivo e voltando para a Câmara por divergência principalmente na questão do IPTU, que é justamente uma questão de tributo. Como é a postura do MBL em relação a isso?
Kataguiri – Acho que o Marchezan sempre foi muito claro, desde a pré-campanha, em que a gente conversou com ele e elaborou um plano de campanha, propagandas, etc, no sentido de dizer que ele está assumindo que o município está quebrado. Município que, proporcionalmente, tem mais funcionários públicos que qualquer outra capital do país. O município que tem hoje o IPTU mais barato também de todas as capitais do país. Sem dúvida que o objetivo do projeto do Marchezan é aumentar o investimento porque ele não tem dinheiro simplesmente para pagar merenda em dia. Então o que ele fez (propôs) não foi um aumento de imposto em si. Foi mais a atualização do valor venal, que aumentaria a arrecadação, isso é verdade, mas ele propôs baixar a alíquota. Então, o imposto em si, ele estaria diminuindo. O dinheiro pago ele estaria aumentando, porque atualizaria o valor venal, que de fato está desatualizado na cidade.
JC – Fora essas questões financeiras, como você vê o Marchezan?
Kataguiri – O Marchezan é o cara mais honesto que eu conheço. E olha que eu conheço centenas de parlamentares. Ele é um cara, assim, que não negocia nem o que está dentro da lei, se ele considera imoral. Vem um vereador “ô Marchezan, vem aqui, eu vou votar com você, mas eu preciso de um cargo aqui”. Acontece, e está dentro da lei, mas ele acha imoral, eu também acho, e ele não cede. Ele não abre mão. Essa é uma das razões pela qual ele tem dificuldade com a Câmara. Não loteia cargos. A gestão Dória, por exemplo, divide cargos e dividiu, e defende isso abertamente desde o início. Foi a maior coligação da história da cidade de São Paulo. Evidentemente, distribuiu cargos não só na prefeitura como no governo do estado, que tinha o então padrinho político do prefeito (Geraldo Alckmin). Aqui, não. Aqui, além de o Marchezan não ter um padrinho político no estado, ele não loteia, ele não faz negociação nem daquilo que ele considera mais imoral. Eu acho que esse ponto é uma virtude, mas ao mesmo tempo dificulta o governo dele.
JC – Houve uma outra polêmica que envolveu o MBL, que foi a questão de financiamento do movimento, descrito em uma reportagem da revista Piauí. Como está o MBL hoje nesse aspecto, como ele se financia?
Kataguiri – Acho que vale a pena fazer um histórico. Primeiro, acho que a nossa primeira fonte de financiamento eram os xeiques árabes, segundo teorias conspiratórias dos setores da imprensa. E aí, a teoria era de que a gente queria vender a Petrobras para os árabes. Depois, a Carta Capital soltou que os irmãos bilionários do petróleo dos Estados Unidos, que financiam o Tea Party, estariam mandando dinheiro para a gente para que a gente quebrasse a Petrobras e eles comprassem a Petrobras mais barato. Para mim isso não faz sentido, pois era muito mais fácil mandar dinheiro para a Dilma (Rousseff, PT) para criar essa fossa que diminuiu muito mais o dinheiro da Petrobras do que qualquer manifestação do MBL. Aí depois era o dinheiro do PSDB. Aí o MBL começou a bater no Aécio (Neves), no (José) Serra, no (Geraldo) Alckmin e no Dória e os caras falaram “é, não é o PSDB”. Aí depois era o PMDB. Aí o MBL bateu no (Michel) Temer, bateu no Geddel (Vieira Lima), bateu no (Romero) Jucá e aí já não era mais o PMDB. Aí entrou o jornalista da Piauí no grupo lá do mercado financeiro, o Mão Invisível, saiu aquela matéria, e falou: “olha, setores do mercado financeiro financiam o MBL”. E financiam mesmo. Isso é verdade, isso não é teoria conspiratória, inclusive, agora, já temos um novo grupo do mercado financeiro, sem jornalista da Piauí. Eles continuam apoiando como a própria reportagem mostrou. Tudo que está lá é verdade. Tem um banco de milhas que eles cedem, das companhias aéreas que eles têm passagens e acabam acumulando. Eles cedem para a gente quando precisamos viajar para Brasília, ou quando eu, por exemplo, precisei viajar para cá agora. Basicamente o movimento se sustenta assim. Acho que a única nova fonte de renda são doações pontuais e doações populares. Acho que a única novidade que tem desde aquela matéria é o YouTube, que agora nós passamos, tanto a ter anúncio, como a usar o Super Chat, que é a novidade do YouTube que agora paga para fazer uma pergunta. A gente apresenta lá o jornal todo dia e o cara dá 100, 200, 300, 400, 500 reais e faz a pergunta dele, a gente responde, e é outra forma de financiamento que está quase se tornando uma das principais.
JC – Como se organiza um grupo político tão disperso e tão distinto, financeiramente? É complicado esse trabalho de vocês?
Kataguiri – Não, porque cada núcleo se financia. Cada núcleo tem o seu próprio gasto. Então, não tem transferência de dinheiro. Como é descentralizado, fica mais simples.
JC – É certo dizer que o MBL surgiu na época do impeachment da Dilma?
Kataguiri – Um pouco antes. A primeira manifestação do MBL aconteceu porque o grupo Abril foi vandalizado porque a Veja soltou a capa com a delação do (Alberto) Youssef (em 2014), dizendo que a Dilma e Lula sabiam de tudo. Daí o PT processou a Veja. E aí a gente saiu em defesa da liberdade de imprensa e da Lava Jato. Ainda não era sobre o impeachment porque a gente achou que ainda não tinha base jurídica para isso, ainda mais porque ela tinha acabado de ser eleita. Mas acho que o impeachment foi o maior catalizador.
JC - Como está sendo esse processo para o MBL, de entrar na política nacional, de estar presente em prefeituras, ter eleito gente para legislativo? O que aprenderam?
Kataguiri – Acho que a gente está fazendo parte de um amadurecimento forçado. Um exemplo disso é o Fernando Holiday (DEM) em São Paulo, que é o vereador mais jovem da história, antes dele era o José Eduardo Cardozo (PT), para você ter uma ideia. Um dia ele estava lá fazendo lição de casa, no outro estava fazendo questão de ordem para obstruir uma sessão. Então é um negócio que foi repentino, no olho do furacão. As coisas foram acontecendo, o movimento foi ganhando uma dimensão até internacional e a gente foi amadurecendo politicamente e entendendo como as coisas funcionam.  A gente teve que sentar com Renan Calheiros (PMDB), com Eduardo Cunha (PMDB), com petista, com peemedebista, com gente do PSOL, da Rede. Sentou com todo mundo e aprendeu que política é necessariamente lidar com todo mundo e que é a arte do possível. Por mais que você queira... o que você quer, você não vai conseguir. Outro ponto é de que não existem aliados permanentes. Existem aliados pontuais. Para citar um exemplo grande, claro e público, a reforma trabalhista, (que) também era uma agenda do MBL. A gente trabalhou em conjunto e em divulgação com a bancada evangélica e a ruralista. Então, pontualmente, você tem que costurar essas alianças de acordo com a pauta, e não de acordo com as pessoas que você gosta ou não gosta, que é assim que você consegue progredir. Senão, não consegue maioria para nada.
JC – Aqui no Jornal do Comércio o nosso conteúdo de maior audiência foi aquela polêmica envolvendo o Queermuseu. Você mesmo falou sobre o assunto.
Kataguiri – Para você ver que, infelizmente, os temas que acabam pautando o debate político não são da relevância que o país precisa.
JC – Foi feito bastante barulho por causa disso. Quem fez esse barulho?
Kataguiri – O tema surgiu a partir do momento que dois meninos aqui de Porto Alegre gravaram um vídeo. Não sei quem são. Daí “bum”. Tomou o debate da sociedade. E a partir daí a gente se posicionou, mas não acho que a gente tenha sido... a gente não levantou o tema, só participou do debate que estava existindo. E não acho que a gente tenha catalisado, tenha feito ele durar mais. Durou o tempo que tinha que durar e passou.
JC – Como é que o MBL surfa nessas cristas da onda em redes sociais? O quanto vocês se dedicam a essa parte como estratégia de comunicação?
Kataguiri – A estratégia é entrar em toda briga que aparecer. Toda briga que a aparecer a gente vê: olha, quais são os nossos valores? Qual que é a briga? Onde nossos valores entram nessa briga? Posicionamento A, então vamos entrar com o posicionamento A. Em termos de linguagem, acho que isso é um dos maiores méritos do MBL, porque foi por isso que a gente surgiu, onde moleque que se cansou de palestras de liberalismo sobre taxa de juros cambial, viu que a gente nunca ia conseguir fazer palestras para 200 milhões de brasileiros e decidiu trabalhar uma linguagem mais simples que não só as pessoas entendessem, mas que criassem um sentimento de pertencimento, um estilo de vida, que, na nossa tese, foi o que a esquerda criou para ser bem-sucedida. Hoje, política não é simplesmente uma ideologia, é estilo de vida. Então, se você tem determinados posicionamentos de esquerda, não só uma posição política, você conversa com determinadas pessoas, você vê determinados programas. Você escuta determinadas músicas, veste determinadas coisas, você come determinadas coisas, você fala sobre determinados assuntos, tem determinadas pautas comportamentais, que politicamente podem não ter nada a ver diretamente com a esquerda, mas que foi vinculado àquilo para se tornar atraente. Da mesma maneira a gente tenta fazer com o liberalismo.
JC – Vocês não se arrependem de ter batido forte demais em um tema, ou batido demais em alguém de quem poderiam ser aliados posteriormente? Vocês não têm essa crítica depois?
Kataguiri – Acho que pontualmente, sim. Eu não lembro de nenhum caso específico para você agora, mas com certeza aconteceu. Principalmente durante o impeachment, diversos parlamentares que votaram contra o impeachment depois a gente teve que sentar para conversar, que a gente colocou outdoor e colocou caixa de som na frente da casa do cara que depois a gente teve que sentar e conversar para aprovar projeto.
JC – Existe alguma coisa que você aprendeu com a esquerda?
Kataguiri – Claro, a linguagem. A direita perdeu porque a direita é chata. Ganhou espaço porque começou a trabalhar a linguagem. A grande diferença entre os autores de direita e os de esquerda é que todos os livres de direita, como Montesquieu eAdam Smith, partem do pressuposto de que você já está no poder. Os de esquerda, pelo contrário, tratam sobre como chegar ao poder. Então Saul Alinsky, que foi tanto objeto da tese de mestrado da Hillary (Clinton), como da tese de doutorado do (Barack) Obama, escreveu Rules for Radicals, que fala “olha, é assim que você demoniza seu adversário, é assim que você ataca pessoas, não instituições, polarize, frise em determinado adversário, bata onde dói”. Assim como o Marcuse fala “olha, a revolução não vai acontecer pelo proletariado, vai acontecer pelo lumpemproletariado”. Não vai ser uma revolução de classe operária porque a classe operária hoje quer cerveja e churrasco. O lumpemproletariado não, você pode criar minorias e jogar umas contra as outras. Então você joga homens contra mulheres, brancos contra negros, héteros contra gays, enfim criam-se esses microconflitos, microrrelações de poder que fazem com que tudo aquilo se junte numa minoria, que no final se torna uma maioria e aí sim você consegue promover uma revolução pelo meio cultural, e não pelo meio das armas. Todos eles tratam de como chegar no poder.
JC – Então vocês estão crescendo usando estratégias que você aponta como de teóricos de esquerda. A esquerda não está usando isso, esqueceu disso?
Kataguiri – É a teoria do rei gordo. O rei ficou muito tempo sem ser invadido. Não tinham bárbaro, não tinha nada. As muralhas estavam altas. Tinha boa colheita de trigo durante muito tempo. Então ele não se preocupou em manter sua estrutura de poder. Não se preocupou com a pobreza nos arredores, não se preocupou em melhorar as armas do seu exército, não se preocupou em aumentar as muralhas. Estava muito confortável em sua posição. Veio um monte de bárbaros, com menos recurso, com menos popularidade, com menos poder político, com sangue no olho, aprendeu como o rei chegou lá e invadiu as muralhas.
JC - Acha que nós estamos nos encaminhando para uma estrutura de alternância de poder mais constante?
Kataguiri – Não sei dizer se a gente está indo para uma alternância de poder mais constante. Agora, acho que a tendência é ir para um caminho melhor. Acho que a gente tem uma mudança no debate político, que antes era hegemônico para centro, centro-esquerda e esquerda, e hoje tem um debate mais plural de que direita já não é sinônimo de defender milico, de defender ditadura. Já existe uma direita republicana, uma direita democrata que defende valores de mercado, liberdades individuais, tanto a direita mais liberal, no sentido americano, como o Livres, como a direita mais conservadora no sentido fiscal e no sentido comportamental que ambas prezam pelos valores democráticos, mas que têm divergências entre si. Então acho que, pela ampliação do debate em si e pelos rumos que o discurso de esquerda tem tomado, cada vez mais de aceitar a liberdade econômica e manter apenas a defesa das liberdades individuais, no mesmo discurso, acho que isso soma para a democracia e está levando a gente para um caminho melhor, sim.
JC – Você já afirmou que se candidatará a deputado federal. Por qual partido?
Kataguiri – Ainda não sei.
JC – Tem alguma simpatia? Quantos convites você ouviu e de quem?
Kataguiri – Praticamente de todos os partidos da base (do governo Temer). Mas não tenho nada definido ainda.
JC – Tem alguém com quem não vai de jeito nenhum?
Kataguiri – PSDB.
JC – Por quê?
Kataguiri – É mais por uma questão do estigma que o PSDB levou por ter feito uma oposição fraca por todo esse tempo e por ter demonstrado um discurso hipócrita, em que o Aécio (Neves) ia lá e falava “eu sou o honestão” e chega na casa dele e está lá o extrato da CX2. Daí, porra, o cara tinha na percepção que ele era um príncipe. Que ninguém nunca ia entrar na casa dele. O adolescente que vai lá e coloca no computador da mãe: “pasta de pornô”. É a mesma coisa que o Aécio fez, colocou lá “Caixa 2”.

Perfil


MARIANA CARLESSO/JC
Kim Kataguiri nasceu na cidade paulista de Salto em 1996, e é fundador do Movimento Brasil Livre, uma das organizações que protagonizaram as manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Durante um ano, entre os anos de 2016 e 2017, foi colunista da Folha de S. Paulo, lançando, posteriormente, uma coletânea com seus artigos intitulada Quem é esse moleque para estar na Folha?, pela editora Simonsen. Além disso, de 2015 a 2017 foi comentarista político da Rádio ABC. Atualmente, além de coordenar o Movimento Brasil Livre, atua como colunista do HuffPost Brasil e do Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE). Desde 2016, Kataguiri cursa o bacharelado em Direito no Instituto de Direito Público, em São Paulo.