A experiência de quem tirou um tempo para si e a opinião de um consultor sobre como isso impacta a vida profissional

Qual o papel do período sabático?


A experiência de quem tirou um tempo para si e a opinião de um consultor sobre como isso impacta a vida profissional

Trinta e dois dias. Esse foi o tempo que a advogada gaúcha Roberta Guimarães Carvalho, 38 anos, levou para percorrer 799 quilômetros do Caminho de Santiago de Compostela, na França. Ela passou pelo "perrengue" do período sabático, como brinca, por uma questão de autoconhecimento e desaceleração.
Trinta e dois dias. Esse foi o tempo que a advogada gaúcha Roberta Guimarães Carvalho, 38 anos, levou para percorrer 799 quilômetros do Caminho de Santiago de Compostela, na França. Ela passou pelo "perrengue" do período sabático, como brinca, por uma questão de autoconhecimento e desaceleração.
No ano passado, Roberta se deu conta de que sua rotina estava atribulada demais. Moradora do bairro Floresta, em Porto Alegre, trabalhava com o pai em um escritório na cidade vizinha de Guaíba. Isto significava uma hora de carro na ida e mais uma hora na volta. "Chegava em casa só para dormir", lembra.
Das reflexões que fez enquanto assumiu o papel de peregrina, em setembro passado, percebeu que a vida deve ser mais simples. "Tudo pode ser compacto. A gente passa quase 40 dias lá só com uma mochila nas costas, com três mudas de roupas", exemplifica.
A partir disso, no retorno ao Brasil, resolveu montar um homeoffice, um gabinete em casa, para ter mais tempo para si e menos em deslocamentos. Agora, quando precisa atender um cliente na Capital, aluga uma sala compartilhada - e vai a Guaíba somente quando necessário (cerca de duas vezes por semana).
O investimento para tirar o mês no Caminho, vontade que surgiu há cerca de dois anos, em uma visita a Portugal, ficou em torno de R$ 5 mil, com passagem e estadia nos albergues. E o plano é voltar daqui um tempo. "Há pessoas que vão todos os anos, cada vez com um propósito diferente", conta.
Roberta tem certeza de que voltou renovada, inspirada no trabalho e com vontade de estudar. Além disso, trouxe na mala mais clareza sobre a função dos projetos paralelos que toca, como o Comidinhas de Rô, grupo que criou no Facebook para vender suas produções gastronômicas congeladas.
"Por que não posso fazer um pouco de cada coisa, diversificar? Minha profissão é o Direito, mas isso não impede que eu tenha realizações, fonte de felicidade, não necessariamente de renda, em outras áreas", entende.
MARCELO G. RIBEIRO/JC

'Descobri que gosto da minha companhia'

Ricardo Lugris, 59 anos, natural de Bagé, foi executivo da Embraer por 32 deles, até que decidiu - há três anos - embarcar em sua moto em um trajeto de buscas e fugas. O mapa totalizou 35 mil quilômetros, durante cinco meses, da França (onde mora) a Singapura, na Ásia.
"Esse tipo de decisão, após anos de serviço para uma empresa que tem a representatividade que tem a Embraer, nunca é fácil. Foi, justamente, a dificuldade de se desprender do trabalho que provocou a necessidade de ter um tempo de reflexão, de ponderações", diz ele, que lançou, no dia 9 de janeiro, no Dado Bier, em Porto Alegre, o livro Tempo em equilíbrio, publicado pela editora Fontenele Publicações.
O gaúcho teve a tranquilidade, ainda, de fazer a viagem com a certeza de que, na volta, um emprego estava à sua espera. Antes de sair a bordo da companheira de duas rodas, uma BMW 1200 GS Adventure, foi contratado como vice-presidente executivo de Marketing em uma empresa de leasing de aeronaves. "Me foi permitido iniciar na função seis meses mais tarde. Meus novos empregadores reconheceram a necessidade de fazer essa viagem como um 'rito de passagem' e voltar com toda a energia", explica.
A paixão pelo vento na cara começou muito antes da moda dos períodos sabáticos. O interesse despertou quando menino, no Rio Grande do Sul, no dia em que um aventureiro inglês passou pela sua cidade natal montado em uma BMW preta.
E a ida a Singapura não foi a primeira vez que ele saiu pelo mundo de moto. O hábito o acompanha há três décadas, um acúmulo de lições que nenhum curso acadêmico substituiria. "Se o viajante, ao final de um longo período, puder se reconhecer melhor e puder, com isso, aportar a sua própria vida e o seu entorno, a viagem terá valido a pena. A maior lição nessa viagem foi ter descoberto que gosto da minha companhia", orgulha-se.

ARTIGO

No dia 28 de dezembro, publicamos o artigo "Em 2017, de executiva à peregrina", de Luciana Bueno. Foi o que nos motivou a produzir esta reportagem. Releia aqui.  

Especialista alerta: cuidado com as fantasias

Antes de tirar um período sabático, é preciso ter a compreensão exata do que se quer com o projeto. A intenção é aprender um idioma? Se formar em algo novo? Se conhecer? Se isto não ficar claro, na volta, os empregadores podem interpretar a escolha como algo negativo.
A conclusão é de Rafael Souto, CEO da Produtive - Carreira e Conexões com o Mercado, que esteve em Porto Alegre em dezembro e participou do programa Frente a Frente, da TVE, no qual abordou tais viagens. "Tem de ter cuidado com essa história de período sabático. Existe uma moda dele, mas a pessoa deve ter uma justificativa e uma estratégia. 'Vou ficar um ano fora porque quero fazer um curso' ou 'quero melhorar meu inglês'. Tem que haver uma boa história para contar. Ir lá e, simplesmente, ficar pensando sobre a carreira, sem agregar nada para o currículo, o chamado ócio criativo estendido, pode dar problema no retorno. A leitura que o mercado vai fazer é de que o profissional ficou um ano, do ponto de vista curricular, sem agregar nada. Pode parecer duro ou rude isso, mas a gente precisa falar a realidade do que acontece hoje nas empresas", considera.
Rafael afirma que há quem crie fantasias sobre esse tipo de viagem. Às vezes, segundo ele, os sonhos terminam no aeroporto. "A pessoa diz 'vou viajar para fazer um curso no exterior e, quando voltar, vão estar me esperando com uma faixa de aumento ou de contratação porque fiz um curso maravilhoso no exterior'. Não funciona assim. Formação tem resultado a médio e longo prazos, não tem retorno imediato", enfatiza.

O que saber antes de partir

>> Ricardo Lugris diz que gastou cerca de US$ 100 dólares por dia, com conforto
>> Roberta Carvalho sugere, no caso da Europa, calcular € 50 diários na hora de planejar o investimento
>> Quem opta por se aventurar pelo mundo em caminhadas recomenda uma preparação prévia. Roberta, por exemplo, fez alguns meses de academia para aguentar o tirão. E, agora, percebe que, além do físico, é necessário treinamento mental
>> Lembre-se que você deve incluir, nos planos do período de desligamento, os dias de readaptação. Peregrinos afirmam que leva-se cerca de duas semanas para a cabeça voltar à rotina de trabalho e afazeres
>> Para que a experiência sabática seja completa, desapego é essencial. Esteja pronto para uso reduzido do celular e outras tecnologias
>> Em locais de peregrinação, a estadia ocorre em alojamentos, famílias locais, pequenos hotéis e pensões. Não vá pensando em opções cinco estrelas