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conjuntura

- Publicada em 23 de Janeiro de 2018 às 21:26

Ganho a mais por ano de estudo vem caindo no País

Aumento do número de jovens com 11 anos de estudo e tendência das empresas de exigirem maior escolaridade está mudando cenário de empregos

Aumento do número de jovens com 11 anos de estudo e tendência das empresas de exigirem maior escolaridade está mudando cenário de empregos


/FREEPIK.COM/DIVULGAÇÃO/JC
O acesso à educação vem melhorando no Brasil. Estudo inédito do diretor da FGV Social, Marcelo Neri, comprova isso: em 1996, 70% dos filhos permaneciam com a mesma educação dos pais; em 2014, essa parcela caiu para 47%. Essa melhora, no entanto, não se deu da mesma forma em todos os níveis.
O acesso à educação vem melhorando no Brasil. Estudo inédito do diretor da FGV Social, Marcelo Neri, comprova isso: em 1996, 70% dos filhos permaneciam com a mesma educação dos pais; em 2014, essa parcela caiu para 47%. Essa melhora, no entanto, não se deu da mesma forma em todos os níveis.
O chamado prêmio por educação - quanto uma pessoa ganha mais por ano de estudo - aumentou para quem foi à universidade e completou 16 anos de aprendizado, passando de 193%, em 1996, frente a quem não tem instrução, para 203% em 2014. Já para quem tem apenas o Ensino Médio (11 anos de estudo), essa vantagem caiu de 114% para 68,8%, na mesma comparação. Na média, o retorno por educação recuou de 12% para 10,5% no período. Esse movimento reflete tanto o fato de mais jovens completarem o Ensino Médio quanto da tendência de as empresas exigirem uma escolaridade cada vez maior.
"Pode ser uma das explicações para a evasão dos jovens. No meio, a queda foi grande. Talvez seja um dos grandes problemas da educação no Brasil o Ensino Médio. Cerca de 15% dos jovens estão fora da escola e não se consegue mudar isso, situação que persiste desde 2008. O retorno da educação nesse nível caiu bastante. Quem concluía o Ensino Médio conseguia se diferenciar mais no mercado de trabalho. Agora, não consegue", afirmou Neri.
Apesar do avanço do Ensino Superior, o que fez aumentar a oferta dessa mão de obra no mercado, Neri diz que houve expansão forte na demanda por trabalhadores mais escolarizados, o que fez o retorno permanecer no mesmo nível ou até subir. A partir de dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), o economista calcula que 33% da desigualdade no mercado de trabalho era explicada pela diferença salarial dos profissionais de nível superior em 1996, enquanto em 2014 esse percentual era de 44%.
"As pessoas com nível superior são um recurso escasso no Brasil, até por causa desse gargalo no Ensino Médio, que a gente não consegue melhorar. Permanece uma certa casta universitária: 77% dos filhos que tinham pais com nível superior conseguem concluir a faculdade. Mas se os pais só tiverem o fundamental completo, essa parcela cai para 18,4%", explica Neri.
Bruna Gomes da Silva, de 20 anos, está entre esses 18,4%. Seu pai, Antônio Paulino, é porteiro e estudou apenas por quatro anos. Hoje, ele vê a filha no segundo período de Administração de uma universidade particular. Já seu filho Rafael, de 25 anos, completou o Ensino Médio e estuda inglês.
"Estudei até a quarta série, porque precisava trabalhar. Espero que meus filhos tenham uma vida melhor", conta Paulino. Bruna, por sua vez, não quer parar com os estudos e pretende ser executiva de uma grande empresa. "Penso em estudar no exterior."
 

Mobilidade social vem subindo

Para o sociólogo Rafael Osório, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a sociedade brasileira está ficando mais aberta. Ele ressalta, porém, que no topo, nem tanto. "A sociedade vem diminuindo lentamente a desigualdade de oportunidades. A elite brasileira é permeável, mas não muito. É um estrato social pequeno, a persistência (manutenção da mesma educação dos pais) é muito grande."
Segundo Marcelo Neri, a mobilidade social melhorou no Brasil, mas a relação entre a educação de pais e filhos ainda permanece muito alta. "É como se estivéssemos na terceira divisão de falta de igualdade de oportunidades entre as nações. Agora, estamos no último lugar da segunda divisão, muito atrás de outros países. Mas antes estávamos em outra liga", diz Neri.
Osório chama a atenção para a necessidade de melhorar mais rapidamente o acesso às oportunidades. "Grande parte da desigualdade no mercado de trabalho, essencialmente, é produzida na escola. Sendo assim, vamos ter de conviver com a desigualdade por muito tempo, se não acelerarmos esse processo. A melhoria é muito lenta. Principalmente no topo."
E os salários refletem essa diferença. Para quem tem curso superior e os pais não tinham instrução, o salário era de R$ 2.603,00. Quando os pais tinham curso superior, a renda subia para R$ 6.739,00. "O retorno da educação que você vai conquistar será tão maior quanto maior for a educação dos pais, por causa da bagagem familiar, das conexões e da qualidade da educação", afirma Neri.
 

Formação de brasileiro nos EUA vale menos que a de argentino

Para OCDE, formação dos alunos do Brasil amarga penúltima posição entre 36 países, à frente apenas do México

Para OCDE, formação dos alunos do Brasil amarga penúltima posição entre 36 países, à frente apenas do México


/FREEPIK.COM/DIVULGAÇÃO/JC
Um ano a mais de formação de um brasileiro que vai viver nos Estados Unidos se reflete em um aumento de renda de 6,2% - um resultado mais tímido que o de imigrantes de países como Guiana, Bulgária e Filipinas, aponta levantamento de 2012, feito a partir de dados do censo norte-americano de 2000 por um pesquisador da Universidade de Notre Dame.
O estudo, que mostra o quanto a formação brasileira ainda é desvalorizada no mercado de trabalho internacional, foi discutido com entusiasmo por pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV.
Quando são considerados os 108 países com um número de pessoas entrevistadas por nacionalidade maior que 100, o Brasil aparece na metade do ranking, ocupando a 54ª posição. Os primeiros lugares são ocupados por suíços, japoneses e suecos, cujos aumentos de renda por tempo de estudo variam de 11,4% a 12,6%.
Para Samuel Pessôa, economista-chefe da gestora Reliance e pesquisador associado do Ibre/FGV, existe uma correlação entre as diferentes formas de remunerar o mesmo nível de escolaridade e o desempenho dos países no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). "O que esse estudo mostra é que dois imigrantes de diferentes países, que tiveram sua educação formal em seus respectivos países, têm remuneração variável pela educação."
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mantém um ranking da educação em 36 países, no qual o Brasil atualmente amarga a penúltima posição, à frente somente do México. Como critérios avaliados estão o desempenho dos alunos no Pisa, a média de anos que passam na escola e o percentual da população matriculada no Ensino Superior.
No estudo, os brasileiros se saem melhor que os sul-coreanos em retorno de renda para cada ano de estudo. Uma das hipóteses é que os asiáticos têm um sistema de ensino mais eficiente, mas mais dificuldade com o idioma inglês.
Quando comparados a outros trabalhadores sul-americanos, os brasileiros também ficam atrás de imigrantes do Uruguai (9,3%), Argentina (8,1%) e Chile (7,5%); e só têm resultados melhores que os colombianos (4%) e peruanos (3,6%).
Os portugueses aparecem em uma colocação ainda pior, na 95ª posição. Pessôa lembra que Portugal tem avançado no Pisa nos últimos 10 anos. "Mas, quando a gente olha a trajetória mais longa, há esse fato curioso de os países de língua portuguesa terem valorizado muito pouco os aportes em educação."
O ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Simon Schwartzman lembra que também existe uma diferença grande entre as escolas públicas e as privadas. "Não é que a escola privada seja tão boa, mas nas redes públicas de Ensino Médio a qualidade em geral é ruim. Alguns estados se saem um pouco melhor que outros, mas temos um longo caminho a seguir", diz.
"O sistema brasileiro, além de ser de baixíssima qualidade, não acrescenta conhecimento prático nem forma as pessoas para a vida real", diz Hélio Zylberstajn, do Departamento de Economia da USP. Ele lembra que o sistema alemão mantém convênios entre escola e empresas, o que ajuda a diminuir o abismo entre o que é ensinado na sala de aula e as habilidades que o aluno terá de desenvolver ao chegar no mercado. "Sem muito esforço, o Brasil poderia adotar algo semelhante."
 

Estado de origem também define renda no mercado de trabalho

O mercado de trabalho que os brasileiros de diferentes estados enfrentam em São Paulo espelha as desigualdades de ensino e de oportunidades que os imigrantes de várias origens têm ao tentar a vida nos EUA. Uma pesquisa conduzida por economistas da Fundação Getulio Vargas (FGV), a partir do censo de 2010, aponta que, a depender da origem e da qualidade da formação do trabalhador, sua renda pode variar de 2% a 13% para um ano a mais de estudo.
Cruzando dados de nível de escolaridade e renda, os economistas concluíram que um ano a mais de formação de um brasileiro que estudou no Piauí e se mudou para São Paulo se reflete em um aumento de 2,3% na renda - o patamar mais baixo entre os 19 estados analisados. Os estados da região Nordeste tiveram os piores resultados de rendimento.
No topo do ranking estão os fluminenses e gaúchos, para quem um ano a mais de estudo é revertido em ganhos de 10,5% a 13,1% no salário. Eles têm retornos maiores do que os que se formaram em São Paulo. A pesquisa não incluiu a Região Norte.
Os pesquisadores compararam os rendimentos de grupos de duas pessoas de mesmo gênero, que têm a mesma idade e o mesmo estado de origem. A diferença entre elas era ter um ano a mais de estudos.
"Os dados mostram o reflexo da formação no mercado, livre de preconceitos. Nós comparamos um catarinense com outro catarinense e um baiano com outro baiano; a diferença perceptível entre eles é o tempo que ficaram na escola", explica Cezar Santos, pesquisador da Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE), da FGV, e coautor da pesquisa. Os resultados coincidem com os do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do período, em que os estados do Sul e do Sudeste estão entre os 10 melhores.
Santos diz que a conclusão é que a qualidade de ensino entre os estados brasileiros é mais desigual do que se imagina. "O estudo também demonstra o quanto o investimento nos primeiros anos de formação é mais efetivo que nos anos finais." Ele lembra que experiências recentes de melhoria da educação básica, como no Ceará, devem se refletir na renda dos migrantes cearenses em alguns anos.
Para o ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Simon Schwartzman, a qualidade do ensino, sem dúvida, é um fator que limita as oportunidades que um migrante de um estado mais pobre tem ao se mudar para um mercado mais competitivo.
"Também pesam as redes e conexões que essa pessoa traz consigo. Ela chega a São Paulo e se aproxima de outros que vieram do mesmo lugar, com uma formação parecida e contatos de empregadores próximos daquela realidade. Os grupos acabam fechados em si mesmos."
O estudo é uma adaptação de um levantamento feito em 2012 por um pesquisador da Universidade de Notre Dame, com imigrantes que foram viver nos Estados Unidos. "É como se o mundo todo coubesse no Brasil. Na proficiência da educação, também somos uma 'Belíndia'", diz Santos, citando o termo criado pelo economista Edmar Bacha para definir a desigualdade brasileira. "O nosso mercado de trabalho reflete a realidade dos imigrantes que vão para os Estados Unidos e que passaram por um sistema de ensino desigual."
 

Desigualdade de gerações anteriores ainda afeta o presente

O sociólogo Carlos da Costa Ribeiro, do Iesp/Uerj, estudioso da mobilidade, diz que o acesso às oportunidades vem melhorando desde 1973, mas que ainda observa-se a reprodução da desigualdade de gerações anteriores. "Descontando todo o efeito da educação, ainda permanecem as características que passam de pai para filho. O pai mais rico pode abrir um negócio para o filho, embora ele não tenha estudo. É muito comum. Mesmo considerando o sistema educacional, o médico vai passar a clínica para o filho."
Marcelo Neri ressalta que a recessão em 2015 e 2016 foi mais cruel com os mais jovens, o que deve reduzir ainda mais o prêmio pela educação. "O salário dos jovens caiu em média 4,4% em 2016. Para quem tem entre 20 e 24 anos, a queda foi de 10,6%. O grupo que mais perdeu renda nos últimos anos foi o de jovens. Eles também têm encontrado as portas do mercado de trabalho fechadas, é uma frustração dupla. Isso afeta a capacidade de melhorar de vida."