Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

relações internacionais

- Publicada em 11 de Dezembro de 2017 às 08:38

Mercosul e União Europeia: mais próximos de um acordo


JANNOON028 - FREEPIK.COM/DIVULGAÇÃO/JC
Um mar de dúvidas ainda cerca os impactos do acordo que tenta aproximar, comercialmente, o Mercosul e a União Europeia. Uma delas, porém, pode ser sanada em breve. Marcado para começar neste domingo, dia 10, um encontro em Buenos Aires pode selar a assinatura política e o encerramento de longas negociações que servirão como base para o tratado. A reunião ocorre paralelamente a conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Bruxelas, na Bélgica.
Um mar de dúvidas ainda cerca os impactos do acordo que tenta aproximar, comercialmente, o Mercosul e a União Europeia. Uma delas, porém, pode ser sanada em breve. Marcado para começar neste domingo, dia 10, um encontro em Buenos Aires pode selar a assinatura política e o encerramento de longas negociações que servirão como base para o tratado. A reunião ocorre paralelamente a conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Bruxelas, na Bélgica.
Quando anunciou, em outubro, que esperava celebrar ainda em 2017 o acordo que reduzirá tarifas e cotas para o comércio entre os dois blocos, a declaração do embaixador da União Europeia no Brasil, João Cravinho, foi vista com desconfiança e incredulidade. E não é para menos: as negociações iniciaram em 1999, várias rodadas foram realizadas entre 2000 e 2004, ano em que se interromperam as conversas. Retomadas em 2010, as negociações pouco progrediram até 2015. Em maio de 2016, o processo avançou significativamente com a meta de alcançar dezembro de 2017 entrando em nova fase.
Ronaldo Costa Filho, embaixador e negociador-chefe do Brasil, avalia que os acertos ganharam ritmo mais intenso a partir de maio do ano passado, quando os dois lados colocaram na mesa suas ofertas iniciais de acesso aos seus mercados (o que significa botar no papel o que cada um vai reduzir em tarifas e cotas, além de deixar claro como está disposto a efetivamente liberar o comércio).
Em termos de produto, carne e etanol têm proposta de cotas de ingresso muito abaixo da sinalizada no início dos trabalhos, e são apontados com os maiores entraves nas negociações. Em termos de conceito, há críticas sobre o fato de o Mercosul não existir efetivamente como um bloco e, ainda assim, estar tentado fazer acordos como um grupo.
"Há otimismo dos dois lados, boa vontade e progresso. Agora, estamos chegando na etapa final, na qual as concessões mais duras são aquelas que têm de ser feitas. É um momento de muito empenho, mas também de tensões mais elevadas", admite o diplomata.
Dezembro de 2017, diz Costa, é a meta que o próprio grupo se colocou, mas não é uma data limite. Após o anúncio político, que se pretende fazer nesta semana, ainda haverá a etapa de trabalho técnico para o ano que vem, antes da assinatura efetiva. O que ocorrerá em curto prazo é difícil de dimensionar. O processo, após ser firmado, precisa ir aos congressos nacionais, ser aprovado e ratificado. De acordo com Costa, isso pode levar cerca de dois anos. Depois de entrar em vigor, ainda há um calendário de redução gradual de tarifas. Do lado europeu, o prazo dessa desoneração tarifária é de 10 anos. Para o Mercosul, de até 15 anos, de forma a respeitar o nível de desenvolvimento a cada bloco.
"O princípio da negociação comercial é o que chamamos de empreendimento único. Nada está acordado até que tudo esteja acordado", diz Costa, ao destacar que, embora haja capítulos já fechados, com textos inteiros prontos, tudo é encaminhado ao congresso depois como um pacote único.
De acordo com Cezar Müller, coordenador do Conselho de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), estudos mostram que o acordo poderá se refletir em um aumento de 12% no comércio com a Europa. E, como o Rio Grande do Sul conta com um setor industrial diversificado e tradição exportadora, pode ter esses ganhos replicados em diferentes áreas. Além disso, segundo Müller, o acordo pode ajudar a reduzir uma característica brasileira que fragiliza os negócios internacionais. O Brasil tem participação muito modesta em acordos internacionais se comparado a outros países da América Latina. "Isso, lamentavelmente, fez com que perdêssemos competitividade em relação aos outros integrantes do Mercosul", explica o executivo da Fiergs.
Antônio da Luz, economista da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), crítico contumaz da fragilidade do Mercosul, também afirma que o Brasil é um país de grandes restrições não apenas em relação aos negócios com seus vizinhos, mas com o mundo em geral. "Somos uma das nações que mais causam problemas de importações para parceiros, com todo tipo de dificuldades e embaraços possíveis", alerta Luz, lembrando que é justamente na facilidade das importações que o acordo deve trazer os melhores ganhos a empresas e produtores.

Europeus querem vender mais vinhos e calçados

Predominantemente agrícola do lado latino, a pauta europeia é especialmente industrial. E ao menos duas solicitações podem afetar empresas gaúchas. Os europeus querem menos impostos para exportar vinhos e calçados para o Mercosul. Para o diretor executivo do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), Carlos Paviani, o pleito da União Europeia para que o Mercosul facilite a entra da bebida europeia é preocupante. "Aos negociadores pedimos que ficássemos excluídos da pauta e de acordos de liberação de tarifas. Caso isso não fosse possível, que os danos fossem os menores possíveis", explica o executivo.
O tema, que enfrenta resistência do setor, já foi levado ao governo federal, mas foge do controle da indústria vitivinícola, que sofreu sendo "moeda de troca" com o Chile nos anos 1990. Com a abertura à produção chilena, exemplifica Paviani, o mercado brasileiro abriga hoje mais de 40 milhões de litros anuais do produto. É o dobro do que comercializa a indústria nacional de vinhos finos. "E é preciso lembrar os altos subsídios europeus, que chegam € 1,2 bilhão anuais. Já o Brasil nos brinda com alta carga tributária, pouco crédito e altos juros", alerta.
Também está na mesa de negociações a facilitação da entrada de calçados europeus no bloco latino. E, para que o Mercosul tenha seus pedidos analisados, precisa também fazer concessões. Ou seja, na prática, mais sapatos europeus podem ser embarcados para cá.
Assim como o Ibravin, a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) tenta minimizar os danos futuros para o setor. Presidente executivo, da entidade, Heitor Klein diz esperar que os negociadores apertem um pouco as regras em relação ao pedido inicial apresentado pelos europeus. A ideia é evitar uma possível triangulação de produtos com muitos componentes chineses sendo montados na Europa.
"Queremos que seja considerado calçado europeu o que tiver, além do cabedal (parte superior do calçado), o solado também industrializado por lá", justifica Klein. Ainda estão na pauta europeia o aumento da proteção intelectual, a validação das indicações geográficas da região (como do queijo parmesão) e acesso a compras governamentais.

Desacertos internos não representam impedimento

Acordos internos precisam avançar, mas não podem travar as negociações

Acordos internos precisam avançar, mas não podem travar as negociações


/WILSON DIAS/AGÊNCIA BRASIL/JC
Não são poucas as críticas feitas aos desentendimentos internos dentro do Mercosul - o que levou a muito descrédito quanto ao futuro das negociações com a União Europeia. Ronaldo Costa Filho, embaixador e negociador-chefe do Brasil, confirma que é preciso, e muito, avançar nos acordos internos, mas que isso não pode ser um impeditivo para prosseguir com outras tratativas.
"O Brasil tem pouquíssimos acordos comerciais fechados, e o agronegócio precisa de novos mercados para se expandir", explica o diplomata, ressaltando que, dentro do Mercosul, um país não pode fazer acordos isolados. Usando de metáforas, Costas compara os blocos a um casamento, e relativiza as brigas comerciais internas relacionando as disputas à vida de um casal que, após a união, não deixa de ter desentendimentos, mas isso não significa um divórcio.
"É parte normal da relação você ter diferenças de opinião e interesses. Ocorre o mesmo em uma relação comercial. Isso não tem impedido que o Mercosul sente como um bloco, unido, e conduza sua negociação com a União Europeia", defende Costa.

Agronegócio no centro da pauta

Para Antônio da Luz, empresas deveriam olhar o acordo com a UE além das vendas

Para Antônio da Luz, empresas deveriam olhar o acordo com a UE além das vendas


ANTONIO PAZ/JC
É a produção de alimentos que norteia a maior parte dos itens que têm sido negociados no acordo que está em tratativas. Produtores brasileiros estão sedentos pelo mercado europeu. E o Brasil está faminto pelo mercado agrícola da Europa, que é o maior importador de produtos agropecuários do mundo, com um mercado com 500 milhões de pessoas, em sua maioria com bom poder de consumo.
Por isso, as negociações abertas têm reflexos tanto para indústrias processadoras quando para o consumidor final, pois abrangem de grãos para alimentar o rebanho de gado europeu à exportação de carne que vai diretamente para mesa, assim como açúcar para a produção de refrigerantes e sucos.
Dentro do conjunto de produtos de interesse latino, etanol e carne estão entre as questões mais complicadas, diz Ronaldo Costa Filho, embaixador e negociador-chefe do Brasil, e estão entre aquelas que menos agradaram a pecuaristas, agricultores e indústrias.
"Carne e etanol são duas prioridades do Mercosul e, por ser um mercado sensível a produções internas na própria Europa, não foram oferecidos na proposta inicial do ano passado, como outros itens", pondera o embaixador. Dessa forma, os produtos entraram na pauta apenas em outubro deste ano e em valores muito aquém dos prometidos inicialmente.
Quando as negociações foram reabertas, em 2010, diz o diplomata, a sinalização europeia era de que as ofertas seriam melhores do que estavam em 2004. Naquele ano, o bloco europeu ofereceu liberar uma cota de carne de 100 mil toneladas. Agora, a oferta foi reduzida à marca de 70 mil. Também em 2010, a cota para o etanol era
1 milhão de toneladas e caiu para 600 mil. "Essa queda gerou uma frustração muito grande no setor privado", revela Costa.
Gedeão Pereira, coordenador do setor de pecuária da Farsul e representante da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) no Mercosul, também critica as baixas cotas propostas atualmente pela Europa, mas diz que, para o Rio Grande do Sul, que pouco exporta, o impacto será mínimo. "No caso gaúcho, que direciona o produto basicamente para o marcado interno, pouco mudará. Mas, no conjunto, deverá se investir ainda mais em rastreabilidade, por exemplo, uma exigência do mercado europeu e de novos mercados que se quer atingir", avalia Gedeão, ressaltando que, para Uruguai e Argentina, os negócios são fundamentalmente o mercado gourmet.
Já o Brasil exporta principalmente carne para produção industrial e consumo doméstico, destinadas ao dia a dia. Superintendente de Relações Internacionais da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Ligia Dutra lamenta que diferentes itens agrícolas importantes tenham propostas muito insatisfatórias. E boa parte dessas culturas são relevantes para o Rio Grande do Sul, como arroz, tabaco e milho. "Esperávamos resultados muito melhores do que apenas redução tarifária para produtos como arroz, por exemplo, assim como frutas, itens para as quais nossas expectativas eram as mesmas oferecidas em acordo com Colômbia e Peru, de tarifa zero.
Outro segmento importante para o Estado, o de laticínios, nem entrou na pauta de negociações, porque também é uma área sensível dentro da Europa por questões sanitárias. A União Europeia tem restrições e controle sanitário rígidos em relação à importação de produtos lácteos que venham de rebanhos onde ainda exista, por exemplo, brucelose e tuberculose bovina.
Com uma visão diferente, Antônio da Luz, economista da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), reduz a importância dada pelo setor ao mercado europeu como forma de aumentar as exportações do agronegócio. "Muitos falam que é um grande mercado, de pessoas ricas. É uma população que está envelhecendo e com crescimento vegetativo negativo. Ou seja, serão cada vez menos bocas para comer", diz o economista.
Para Luz, empresas e políticos nacionais deveriam olhar outro lado positivo do acordo com a UE, além das vendas. As facilidades podem ser uma oportunidade de importar equipamentos e insumos com custos menores de fornecedores com alta tecnologia e pesquisa. É na Europa que estão as sedes de grandes indústrias do setor, como Basf e Syngenta, entre outras. "É assim que vamos vender mais barato para o mundo e ser mais competitivos em outros mercados", avalia o economista da Farsul.