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Cinema

- Publicada em 16 de Novembro de 2017 às 22:58

Desafios

Cultor do documentário, realizador de duas obras-primas do gênero, Nelson Freire e Santiago, João Moreira Salles volta a oferecer ao público um trabalho ao qual não se pode negar excepcionalidade. Depois do pianista e do mordomo, o diretor inova outra vez, realizando um filme na primeira pessoa, ele mesmo narrando as impressões e as meditações dele próprio permitidas pela descoberta de um filme realizado pela mãe em viagem à China, na época da chamada revolução cultural. No primeiro filme citado, o cineasta exaltava não apenas um artista, porque também focalizava sua solidão e colocava na tela uma personalidade cuja integridade não poderia ser aferida apenas pela emoção despertada por seu talento. No segundo, realizado a partir de um filme já feito, no caso pelo próprio Salles e interrompido por dificuldades de elaboração depois superadas pelo diretor, os registros do comportamento do mordomo da família permitiam a descoberta de uma sensibilidade oculta. Ligando um filme ao outro, a música se fazia presente, dominando o primeiro e surgindo no segundo na admiração pela ópera, por uma cena de dança numa obra de Vincente Minnelli e pela sequência em que o protagonista se veste a rigor para interpretar uma peça de Beethoven. Em seu novo filme, No intenso agora, Salles, sem abandonar o interesse em descobrir o indivíduo atrás das aparências, ergue um painel que tem por tema principal tentativas de alterar o cenário no qual o ser humano é condenado a viver. O filme procura flagrar a revolta em dois países europeus, em 1968, e também, a partir das imagens registradas por Elisa Moreira Salles, em 1966, uma fuga do cotidiano então substituído pela contemplação de encenações dirigidas pela burocracia chinesa da época.
Cultor do documentário, realizador de duas obras-primas do gênero, Nelson Freire e Santiago, João Moreira Salles volta a oferecer ao público um trabalho ao qual não se pode negar excepcionalidade. Depois do pianista e do mordomo, o diretor inova outra vez, realizando um filme na primeira pessoa, ele mesmo narrando as impressões e as meditações dele próprio permitidas pela descoberta de um filme realizado pela mãe em viagem à China, na época da chamada revolução cultural. No primeiro filme citado, o cineasta exaltava não apenas um artista, porque também focalizava sua solidão e colocava na tela uma personalidade cuja integridade não poderia ser aferida apenas pela emoção despertada por seu talento. No segundo, realizado a partir de um filme já feito, no caso pelo próprio Salles e interrompido por dificuldades de elaboração depois superadas pelo diretor, os registros do comportamento do mordomo da família permitiam a descoberta de uma sensibilidade oculta. Ligando um filme ao outro, a música se fazia presente, dominando o primeiro e surgindo no segundo na admiração pela ópera, por uma cena de dança numa obra de Vincente Minnelli e pela sequência em que o protagonista se veste a rigor para interpretar uma peça de Beethoven. Em seu novo filme, No intenso agora, Salles, sem abandonar o interesse em descobrir o indivíduo atrás das aparências, ergue um painel que tem por tema principal tentativas de alterar o cenário no qual o ser humano é condenado a viver. O filme procura flagrar a revolta em dois países europeus, em 1968, e também, a partir das imagens registradas por Elisa Moreira Salles, em 1966, uma fuga do cotidiano então substituído pela contemplação de encenações dirigidas pela burocracia chinesa da época.
A revolta estudantil na França, que deixou marcas pelo mundo todo, modificando comportamentos sem alterar estruturas, é recuperada através de documentários realizados por grupos organizados e também por filmes oficiais, entre eles os que registram pronunciamentos do presidente, cuja renúncia é uma das exigências dos revoltosos. É perfeita a maneira como Salles coloca em cena a figura de De Gaulle, que surge como o pai exigindo ordem e disciplina. O conflito foi resolvido, como se sabe, depois de uma grande manifestação contrária a uma revolta cujo líder, Daniel Cohn-Bendit, é atualmente conselheiro informal do presidente Emmanuel Macron. A habilidade de Salles em utilizar material de arquivo permite que toda uma fase da história reapareça de forma intensa e dramática. É notável, também, a maneira como o realizador transforma um manifestante em atleta olímpico. No mesmo ano, no mês de agosto, a revolta na Checoslováquia não foi reprimida pela palavra de um pai ofendido por filhos rebeldes e sim por tanques de vários países, unidos para defender uma ordem ameaçada. No caso, uma ordem disposta a não permitir qualquer manifestação contrária. Salles, recorrendo a filmes realizados de forma secreta, acentua as diferenças entre países regidos por sistemas opostos. É quando ele introduz o tema do suicídio, representado pelo ato extremo de Jan Palach, em protesto pela ocupação soviética.
Ao contrário do que aconteceu na Europa, na China, onde crianças eram obrigadas a decorar os ensinamentos contidos no Livro Vermelho, a movimentação era comandada pelo sistema. Os integrantes da Guarda Vermelha, que humilhavam professores e intelectuais, obedeciam a ordens do chefe. O próprio cinema chinês, realizado depois, focalizou e criticou tal espetáculo, que foi concluído, como se sabe com a prisão da mulher do líder. Apontada como a comandante da gangue dos quatro, Jian Quing foi condenada à prisão perpétua e terminou cometendo suicídio. Observando e filmando as aparências, a mãe não percebeu a essência do que então acontecia. O objetivo oculto de tais rituais, que de certa forma iria resultar no massacre de 1989, quando estudantes foram vítimas de extrema violência, não é percebido. Tudo então se transforma em símbolo de uma derrota, algo que o filme sugere sem abordar diretamente. O relato poderia ser mais explícito, mas ainda assim o documentário é fascinante, principalmente por se afastar de fórmulas que já mostram, em outros exemplares, sinais de esgotamento.
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