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entrevista especial

- Publicada em 29 de Outubro de 2017 às 21:30

Consulta Popular deveria ter R$ 800 milhões, projeta Fernandes

'A participação do cidadão é o fortalecimento da democracia, é o diálogo com a comunidade', diz Fernandes

'A participação do cidadão é o fortalecimento da democracia, é o diálogo com a comunidade', diz Fernandes


fotos: MARCELO G. RIBEIRO/JC
Pelo segundo ano consecutivo, o governo do Estado destinou às demandas da Consulta Popular R$ 60 milhões, a serem partilhados pelas 28 regiões dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes). Para Paulo Fernandes, que foi presidente do Fórum dos Coredes desde 2015 até a metade de outubro deste ano, o valor está muito aquém do ideal para fomentar o desenvolvimento regional gaúcho.
Pelo segundo ano consecutivo, o governo do Estado destinou às demandas da Consulta Popular R$ 60 milhões, a serem partilhados pelas 28 regiões dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes). Para Paulo Fernandes, que foi presidente do Fórum dos Coredes desde 2015 até a metade de outubro deste ano, o valor está muito aquém do ideal para fomentar o desenvolvimento regional gaúcho.
"Os Coredes trabalham (para elevar os valores) com 2% do orçamento. Aí, dá R$ 800 milhões." Porém, Fernandes também aponta que o passivo acumulado de demandas não atendidas chega a cerca de R$ 400 milhões. "Todas as outras consultas (de outros governos) não foram pagas, sempre tiveram um passivo." Pela primeira vez, Fernandes salienta que o valor concedido pelo governo estadual, embora reduzido, foi integralmente liberado nos últimos dois anos.
Mais do que contar com recursos, no entanto, Fernandes ressalta que é essencial garantir que a população opine sobre o destino do dinheiro. Ele anunciou uma parceria com a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) para estimular que a consulta ocorra internamente, nos municípios, para ter, pelo menos, "uma 'nesguinha' no orçamento que seja discutida pela população". "Uma das coisas mais importantes, hoje, é a ferramenta do diálogo com a sociedade. Não há outra."
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Fernandes fala também do planejamento estratégico que elegeu as principais demandas das regiões até 2030, e traça paralelos entre a Consulta Popular estadual e o Orçamento Participativo de Porto Alegre. "A consulta aos bairros e às vilas tem que ser prioridade", opina.
Jornal do Comércio - Em 2017, a criação dos Coredes chega a 26 anos de existência, e a Consulta Popular, a 20 anos. Como o senhor faz o balanço desses dois marcos?
Paulo Roberto Oliveira Fernandes - Eu realmente acho que todos os que estão aqui hoje, professores, doutores, há todo um conjunto de pessoas que, nas suas comunidades, tem uma representatividade muito grande. A gente acaba conhecendo o Estado inteiro pelo debate que se tem, sem nem ter visitado as regiões, porque acaba vendo as dificuldades de cada um. A Consulta Popular, hoje, tem credibilidade por causa dos Coredes, por causa da relação que as diretorias têm em suas regiões.
JC - O que o senhor considera, ao longo do tempo, que a Consulta Popular promoveu de mais relevante?
Fernandes - O interesse da população é em participar, e nós temos que provocar a participação do cidadão. Se sou secretário de Saúde, vou mobilizar toda a área da saúde para discutirmos e vermos os projetos importantes da área. Da agricultura, segurança, todas as áreas em que o município tem dificuldade acabam virando discussão entre a população. Isso é o fortalecimento da democracia, e acho que é uma das coisas mais importantes hoje, a ferramenta do diálogo com a comunidade. Não tem outra ferramenta (melhor).
JC - Na outra ponta, essa mobilização acontece? As pessoas participam? Como é a capilarização da Consulta Popular?
Fernandes - As lideranças responsáveis pelas suas áreas acabam fazendo com que a população em si entenda (a importância da consulta). E uma das coisas que acontece é que, quando chega um caminhão de bombeiro, uma viatura da Brigada Militar, são materializações que acabamos podendo mostrar à população, de que aquilo ali é consequência do voto que ela deu, e não daquilo que o governo disse que tinha que colocar lá. A Consulta Popular não é mexida depois de definida. A população é que escolhe. A escolha é efetiva, e não tem governador que vá mudar. Mesmo que o governador pense que não é para fazer tal investimento em determinada área, a Consulta Popular é "imexível". E, se existe um acordo dos Coredes, só quem pode dar uma autorização para a mudança de alguma demanda são os Coredes junto com sua região. Esse é o diferencial. Para o recurso que vai, o governo não tem autonomia. A autonomia é o voto da população.
JC - De quanto foi a participação na consulta feita em agosto?
Fernandes - Foram 705 mil pessoas. Um voto por pessoa. Antigamente, o voto de uma pessoa valia quatro, então não se conseguia definir quantas foram à votação. Nesses últimos dois anos, fizemos alterações. Hoje, a votação é toda on-line. Tem uma coisa que aconteceu no meu mandato que é assim: tem cinco ou seis indicadores que definem os recursos que vão para cada Corede. Aqueles que têm um IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) mais baixo devem receber um pouquinho mais de recurso. Isso está se aperfeiçoando, a própria FEE (Fundação de Economia e Estatística) nos ajudou muito, vai ser extinta, mas sempre foi nossa parceira, e tínhamos alguns dados que acabavam sendo importantes na hora de definir aí a metodologia da consulta, porque, no início da consulta, é feita toda a metodologia de como vai ser realizada. A cada ano, pode haver alguma modificação, sempre para ficar melhor.
JC - Como o senhor acredita que as consultas podem ser aperfeiçoadas?
Fernandes - Acho que ainda tem muita coisa a caminhar, e uma delas é (a questão dos) recursos. Tem que fomentar mais em termos de valores; a própria consulta em si tem que ter mais projetos regionais, mais estruturantes. O Estado necessita de mais infraestrutura. Temos a rodovia BR-386 que é um problema. O Norte do Estado é muito agrícola, tem (a cultura de) todos os tipos de grãos, e ela é uma rodovia que acaba tendo uma necessidade, mas olha o custo que é, hoje, uma duplicação da BR-386. E nós, gaúchos, somos um pouco diferentes dos outros, porque precisamos ter uma abertura um pouco maior de longo prazo e planejamento das necessidades que temos.
JC - Falando de recursos, houve uma diminuição nos últimos dois anos no valor disponibilizado para a Consulta Popular. Como o senhor avalia isso?
Fernandes - Todas as outras consultas (de outros governos) não foram pagas, sempre tiveram um passivo. Definia-se que eram R$ 100 milhões, mas eram pagos 40%, 50%. Isso acabou em um determinado momento, nos tirando a credibilidade nos Coredes lá fora, porque aí ficava para os Coredes a culpa de que não foi pago. Em nenhum deles foi pago todo (o valor da consulta), não havia critérios de pagamento. Com isso, ela correu o risco, inclusive, de cair totalmente em descrédito. Quando chegou esse governo, eles disseram: "Olha, são R$ 60 milhões". Foi uma briga nos Coredes, (nos perguntávamos) como vamos passar de R$ 200 milhões para R$ 60 milhões, mas, se analisar todo o passivo que havia, já não estávamos pagando mais de R$ 60 milhões. Claro, foi uma pauleira, ninguém aceitava, mas o governo disse que, se colocasse os R$ 60 milhões, iria pagar (totalmente). E foram pagos os R$ 60 milhões, e a gente pressiona o governo pelo (pagamento do) passivo. Porque foi votação da comunidade, não podemos rasgar tudo e botar fora.
JC - Atualmente, o passivo da consulta está em quanto?
Fernandes - Ah, está em uns R$ 400 milhões. Mas este governo sempre disse que não tinha condições de pagar o passivo, que para fazer isso tinha até que reorganizar na lei. Mas o que está acontecendo agora é que tudo o que votamos em agosto, todos têm que mandar os projetos para serem protocolados nas secretarias até março do ano que vem. Para tramitar e não ter mais passivo, e ser pago durante o ano. Isso aí melhorou bastante a credibilidade lá na ponta. Não tem o que discutir: se, por acaso, o município acabar não conseguindo fazer o seu projeto, aí o problema é dele. Não é problema nem nosso, nem do governo, nós damos todas as orientações, então isso melhorou. Claro que temos que ficar forçando para ir ampliando a cada ano.
JC - Quanto deveria ser alocado para a Consulta Popular a cada ano?
Fernandes - Os Coredes trabalham com 2% do orçamento. Aí dá R$ 800 milhões. Essa sempre foi a briga. Sempre foi um balizador dos Coredes que a consulta fosse 2% do orçamento. Mas, oficialmente, não acontece. Tu prometes para todos os segmentos, e aí não vai pagamento? É muito maior o desgaste de ter um valor maior não pago do que ter um valor menor e ter certeza de poder contar com aquilo.
JC - Aqui, em Porto Alegre, no Orçamento Participativo, pela primeira vez, as assembleias deliberativas não aconteceram. A alegação da prefeitura é de que não havia recursos para serem alocados por causa da crise. Quando não há dinheiro, deve haver a interrupção da consulta?
Fernandes - A consulta, por causa dessa discussão interna, dos bairros e das vilas, é prioridade. Até porque os Coredes trabalham em todos os municípios do Estado para que haja a Consulta Popular interna, que todos municípios façam isso. Temos, agora, um convênio com a Famurs, e vamos começar a trabalhar com eles para ter uma nesguinha no orçamento, que seja discutido pela população. A grande importância que há, nesse movimento, é fomentar a discussão. A própria população não sabe qual é o orçamento do município. Se houver um processo desse, vai ficar sabendo.
JC - Em termos de valores, nesses 25 anos, a consulta foi prioridade de algum dos governos do Estado?
Fernandes - Todos os governos dizem que é prioritária, mas, às vezes, temos uma dificuldade de saber se, de fato, elas são prioritárias. A própria governadora Yeda Crusius (PSDB, 2007-2010) quis cortar a consulta. Disse que não queria a consulta, que pagaria só o atrasado, mas aí o movimento foi muito forte e ela voltou atrás. Nos últimos anos, não tem muito isso de ser prioritário ou não. Não criticando, mas, no governo Tarso Genro (PT, 2011-2014), nós fizemos, na Assembleia, um projeto de lei para que os recursos da consulta fossem impositivos. Primeiro se pagaria a consulta, que é demanda da população. O próprio governo dizia que sempre defendeu a consulta, mas quem votou contra foi a base do governo Tarso, porque, na realidade, o que acontecia era que todos os secretários eram políticos, aí pagavam as demanda deles e deixavam a Consulta Popular para trás, porque não foi ele que correu atrás.
JC - Sobre o planejamento estratégico para 2030, o que está sendo mais prioritário? Como foi o processo de diagnóstico e construção do plano?
Fernandes - Na realidade, temos um plano estratégico feito pelos Coredes em 2009 e 2010, mas agora se pensou em uma atualização do que foi investido até aqui e do que está sendo prioridade nas regiões, porque a cada cinco ou seis anos têm algumas alterações. A gente fez um acordo com o governo, que disponibilizou R$ 2,5 milhões para fazer a atualização do planejamento. Agora, o governo tem na mão quais as maiores dificuldades e prioridades de cada região. Sempre vai aparecer, como áreas prioritárias, saúde, educação, agricultura e segurança, que são básicas no Estado inteiro. Essas quatro dificilmente saem da consulta e do debate, são as mais prioritárias.
JC - Qual é o peso das áreas prioritárias na Consulta Popular?
Fernandes - Na realidade, acho que dá uns 80%, essas quatro que falei: agricultura, saúde, educação e segurança.
JC - E que outras áreas aparecem na consulta?
Fernandes - Na Serra, temos o turismo e também a parte de tecnologia, que vem começando a crescer dentro dos Coredes.
JC - Em que regiões?
Fernandes - Principalmente na Serra. A parte tecnológica é uma área importante, hoje, para o Estado; a energia também vem sendo bastante debatida em nível estadual, a energia limpa. Já há, no Norte, as experimentações de torres eólicas, já estão fazendo análise disso, as próprias Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH), mas a energia limpa vem começando, é uma demanda crescente. O problema mesmo é iniciar, mas isso vai se potencializando com o tempo.
JC - De onde surgem essas demandas e essas tendências? A comunidade já tem essa consciência, de pensar a sustentabilidade como um todo, ou existe um estímulo externo?
Fernandes - Essa é a importância dos Coredes. Essa discussão começa a acontecer também devido a isso, porque, quando entra na Consulta Popular, um começa a pegar essa bandeira para levar à discussão, e aí começa esse processo, a importância do meio ambiente, da questão do desmatamento, do problema do herbicida, e o debate em relação a isso. Mas acho que a comunidade, em si, vem sendo preparada pelos municípios. Nossa região começou agora a coleta seletiva do lixo, que quase não existia. São vários municípios trabalhando nessa lógica, e isso também é da conscientização, tem que trabalhar dentro de casa.

Perfil

Paulo Roberto Oliveira Fernandes é natural de Santiago, no Centro do Estado, onde nasceu em 26 de setembro de 1959. É formado e pós--graduado em Administração de Empresas pela Universidade Regional Integrada (URI) de Frederico Westphalen. É professor concursado do Estado, onde já lecionou Matemática para o Ensino Fundamental e Contabilidade para o Ensino Técnico. Em 2004, foi candidato a vereador pelo PMDB em Palmeira das Missões, sem ter sido eleito. Já foi delegado regional de Saúde, entre 2004 e 2006, durante o governo de Germano Rigotto (PMDB). Atualmente, é secretário de Saúde também em Palmeira das Missões. Depois de presidir o Conselho Regional de Desenvolvimento (Corede) Rio da Várzea, foi eleito presidente do Fórum dos Coredes para a gestão 2015-2017, posto que recém transmitiu à professora da Universidade de Passo Fundo (UPF) Munira Awad, ex-presidente do Corede Produção.