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entrevista especial

- Publicada em 15 de Outubro de 2017 às 22:18

O sistema político é uma ficção, acredita Alan Woods

'Stalin era burocrático e totalitário. Por isso o stalinismo colapsou', afirma Woods

'Stalin era burocrático e totalitário. Por isso o stalinismo colapsou', afirma Woods


CLAITON DORNELLES /JC
No ano que marca o centenário da Revolução Russa, o teórico político britânico Alan Woods visitou o Brasil e esteve de passagem em Porto Alegre para divulgar sua tradução da nova edição para o livro Stalin, obra em que um dos artífices da revolução, Leon Trotsky, trabalhava quando foi assassinado por um agente soviético na Cidade do México, em 1940.
No ano que marca o centenário da Revolução Russa, o teórico político britânico Alan Woods visitou o Brasil e esteve de passagem em Porto Alegre para divulgar sua tradução da nova edição para o livro Stalin, obra em que um dos artífices da revolução, Leon Trotsky, trabalhava quando foi assassinado por um agente soviético na Cidade do México, em 1940.
Crítico ao ditador russo tanto quanto Trotsky, para Woods "Stalin era uma caricatura burocrática e totalitária" e "foi um monstro que chegou ao poder subindo sobre os corpos de dirigentes do partido (comunista)".
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Woods disse acreditar que a crise econômica de 2008 foi diretamente responsável pela revolta da população contra o sistema político em vários países. O teórico também teceu comentários sobre a crise na Venezuela e o governo do presidente estado-unidense Donald Trump, que, em sua visão, "é a real face do capitalismo, feia e bruta. O chamado centro é o capitalismo com uma máscara".
Jornal do Comércio - A esquerda foi derrotada em eleições mundo afora no ano passado, junto com uma revolta contra o sistema político vigente. É a isso que se poderia atribuir a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos?
Alan Woods - Minha primeira observação é que a classe dominante nos Estados Unidos não ficou feliz com Trump. Eles continuam infelizes, e estão tentando se livrar dele. Há três razões para isso. Se pegar a história dos EUA nos últimos 100 anos, ela depende de dois pilares fundamentais, os republicanos e os democratas. Mas, como diz meu autor norte-americano favorito, Gore Vidal, "nossa república tem um partido, o Partido da Propriedade, com duas alas à direita". A estabilidade lá dependia desse equilíbrio. O interessante sobre essas eleições é que esse sistema se quebrou completamente. Todos achavam que Hillary Clinton seria a vencedora. Toda a imprensa se posicionou contra Donald Trump, e ainda assim ele venceu. Eles gostam de um político que podem controlar, e eles não conseguem controlar Trump. Outro político é muito importante nesse contexto, Bernie Sanders. Quando ele se apresentou como candidato ao partido Democrata, ninguém deu atenção, e ainda assim esse homem conseguiu um apoio da população, falando sobre a necessidade de uma revolução política contra a classe bilionária. E, se a eleição fosse entre Bernie Sanders e Trump, Sanders poderia ter vencido. O que se vê nos EUA é uma raiva contra o sistema.
JC - Como bilionário, Trump não seria parte desse sistema?
Woods - Trump é multibilionário, mas ele falou muito sobre a classe trabalhadora. Paradoxalmente, Trump apelou especificamente para os grupos mais pobres. Ele é um demagogo, era tudo uma mentira, mas foi assim que aconteceu. Ele falou sobre as fábricas fechadas, as minas fechadas, e essas pessoas estão desesperadas. Isso atingiu diretamente milhões de norte-americanos que estavam de saco cheio desse sistema. O que Trump é, na realidade, eu diria, é a real face do capitalismo, feia, bruta. O chamado centro é o capitalismo com uma máscara.
JC - Na sua opinião, quais são as causas dessa polarização política?
Woods - Em 2008, a chamada economia do livre mercado, que supostamente deveria ser a salvação, entrou em colapso. E isso aconteceu por causa dos grandes bancos. De acordo com economistas, o Estado não deveria ter nenhum papel na economia, mas em 2008 os bancos foram correndo para o Estado pedir dinheiro, e o Estado deu esse dinheiro. E é apenas por isso que essa economia ainda existe. E eu adiciono isso: 10 anos depois, ainda não saímos dessa crise. Só o que se conseguiu foi transformar o grande buraco nas finanças dos grandes bancos em um grande buraco nas finanças da classe trabalhadora. E por isso se tem o déficit. Não se tem dinheiro para casas, para os pobres, para a saúde e para a educação, mas se tem dinheiro para os bancos. São ataques constantes na qualidade de vida dos mais pobres.
JC - Os votantes mais jovens costumam não se identificar como de centro, tendendo mais à esquerda ou à direita. Qual é o motivo disso?
Woods - É porque o centro político é uma ficção. A sociedade está cada vez mais dividida entre um pequeno grupo de pessoas que controla o sistema e a maior parte das pessoas que estão ficando mais pobres e tendem a se rebelar contra o sistema. Seguir pelo centro foi uma ideia de Tony Blair (ex-primeiro-ministro britânico de 1997 a 2007) para tentar achar um acordo entre partidos, mas esse acordo é impossível, porque são completamente antagonistas. O que se percebe é um colapso do centro. As pessoas mais poderosas não estão felizes com isso. Esses grupos ficaram muito felizes porque Emmanuel Macron, centrista, ganhou na França, mas na verdade apenas 70% das pessoas foram votar. Além disso, o socialista Jean-Luc Mélenchon é o político mais popular da França. E veja a questão da Grã-Bretanha, quando o Partido Conservador achou que ia vencer as eleições por uma grande margem, as pesquisas davam vantagens de 20%, mas não aconteceu isso. O que aconteceu foi que o Partido Trabalhista, liderado por Jeremy Corbyn, continuou a ser de oposição, mas reduziu a desvantagem drasticamente. É muito provável que Corbyn ganhe a próxima eleição.
JC - Por que tantas pessoas dentro do Partido Trabalhista, especialmente as que são ligadas a Tony Blair e Gordon Brown, não gostam de Corbyn?
Woods - Não é o caso de não gostarem. Jeremy Corbyn é o político mais popular da Grã-Bretanha. Você gosta de rock? Eu não. Mas existe um festival de rock muito popular no país chamado Glastonbury, no qual mais de 100 mil pessoas vão. Nesse verão, pela primeira vez na história do festival, eles convidaram uma figura política para discursar, e essa figura é Jeremy Corbyn. Ele é impopular dentro do partido? Sim, mas (só) dentro do Parlamento. Nos últimos dois anos eles vem tentando se livrar de Corbyn de todos os jeitos possíveis, mas eles falham. Na minha visão, os trabalhistas no Parlamento não representam o Partido Trabalhista. Desde que Corbyn foi eleito líder do partido, está ocorrendo um grande fluxo de novos membros, principalmente pessoas mais jovens.
JC - O senhor era próximo ao ex-presidente venezuelano Hugo Chávez. Na sua opinião, o que levou a Venezuela à crise política?
Woods - Eu era um amigo muito próximo de Chávez, e eu apoiei a Revolução Bolivariana desde o começo. O problema lá, e eu discuti isso com Chávez muitas vezes e disse isso na televisão venezuelana, é que você não pode fazer metade de uma revolução. Ou se finaliza a retirada do poder das oligarquias, ou eles vão nos finalizar. Não se dá para tentar equilibrar isso, porque leva ao caos.
JC - Seria por medo ou fraqueza?
Woods - Acredito que seja por ideias reformistas. A minha questão com Chávez, e especialmente Nicolás Maduro, quem eu também conheço, é que eles não fizeram o necessário. Eles não expropriaram terras, bancos e grandes indústrias. A ideia que se dá para combinar capitalismo e socialismo, sem eliminar a economia de mercado, na prática é impossível. Isso leva ao caos, e o caos é o que leva a uma contrarrevolução.
JC - Maduro perdeu bastante apoio da esquerda após os protestos e as mais de 40 mortes decorrentes. Isso prejudica diretamente o projeto de governo venezuelano?
Woods - A esquerda está dividida nessa questão. Eu acho que esses proclamados esquerdistas no Brasil e na Argentina que apoiam a oposição à Maduro, por exemplo, devem se perguntar: qual é a alternativa? Se a revolução venezuelana for derrotada, vai ser uma pancada na esquerda mundial. Eu não entendo porque algumas pessoas bobas não conseguem entender isso.
JC - A China não funciona equilibrando comunismo e capitalismo?
Woods - Não, porque a China é na realidade um país capitalista de mercado. É certo que existem algumas coisas que são geridas pelo Estado, como os bancos, o que dá ao Estado uma vantagem. É por isso que eles conseguiram evitar o colapso em 2008. Apesar disso, eu acredito que um colapso chinês é iminente. A China produz uma alta quantidade de commodities, e eles precisam exportar dentro do contexto do mercado mundial. Se os países estão consumindo menos, então a China não pode produzir. Os chineses estão em uma situação dificílima, porque a economia mundial não vai conseguir absorver isso. Donald Trump já está ameaçando a China com uma guerra comercial, e o capitalismo não consegue solucionar isso.
JC - Outra crise política que ocorre atualmente, no Oriente Médio, acarretou em uma crise de refugiados e a instabilidade política na região. Como vê as relações de poder na região, especialmente agora que as tensões entre Estados Unidos e Rússia estão crescendo após as investigações sobre uma suposta interferência russa nas eleições norte-americanas?
Woods - Toda a terrível bagunça que ocorre no Oriente Médio tem apenas um culpado, que é a invasão do Iraque pelos Estados Unidos. Saddam Hussein era um ditador, um monstro, mas alguém concorda que o que eles têm agora é melhor do que tinham antes? Não. Os Estados Unidos foram muito burros, não fizeram nada além de desestabilizar o Oriente Médio. Eles acabaram com o exército iraquiano, a única força que podia combater o Estado Islâmico. As pessoas que estão contrárias ao regime de Bashar Al-Assad não são moderadas. Não existe oposição moderada na Síria. E é interessante perceber as limitações do poder americano nos Estados Unidos, o país mais poderoso do planeta econômica e militarmente, porque na realidade eles perderam a guerra. Agora, a Rússia é quem decide as questões sobre a Síria, os Estados Unidos não determinam nada, e eles são os únicos culpados por essa crise.
JC - O senhor veio ao Brasil para divulgar o livro Stalin, no qual Trotsky trabalhava quando foi morto. A imagem de Stalin ainda assusta as pessoas ao redor do mundo?
Woods - Acredito que não. Stalin acabou, ele é algo do passado, foi um monstro que chegou ao poder subindo sobre os corpos de dirigentes do partido. Stalin é completamente desacreditado hoje. Veja bem: O fato de eles não terem conseguido completar isso é outra questão. Havia recursos e condições que eram ausentes na Rússia, e é assim que Trotsky teve a ideia de uma revolução internacional. Quando a revolução foi isolada na Rússia, ela começou a andar para trás. No começo da revolução, a Rússia foi o país mais democrático da história. Mas, depois da morte de Lenin, Trotsky tentou preservar as ideias originais, e Stalin chegou ao poder destruindo o Partido Comunista. Stalin era uma caricatura burocrática e totalitária, por isso que o stalinismo colapsou, ele era um tanto quanto insignificante dentro do Partido Comunista. E Trotsky foi quem liderou a resistência.
JC - Há a possibilidade do surgimento de um novo Hitler ou Mussolini, que não necessariamente cometa as mesmas atrocidades, mas que tenha a mesma retórica?
Woods - Não, eu não acho que isso é possível. E a razão para isso não ser possível é porque a relação de classes é diferente do que era nos anos 1930. Naquela época, professores jamais se considerariam parte da classe trabalhadora, jamais fariam greve. Estudantes, antes da Segunda Guerra Mundial, eram filhinhos de papai, muitos eram fascistas. Hoje, quando há uma greve, os estudantes e professores são os primeiros a apoiar. O fascismo perdeu muito o apelo dentre a classe trabalhadora.
JC - E uma revolução como a bolchevique pode acontecer novamente? Há algum político hoje assemelhado a Trotsky, por exemplo?
Woods - Poderia acontecer sim, por que não? As pessoas não sabem, mas a Revolução Russa foi uma revolução pacífica. Mas eu não diria que seria uma única pessoa. O que se tem é as ideias de Trotsky, assim como as ideias de Lenin, Marx e Engels. Essas ideias, sem sombra de dúvida, podem servir para uma revolução. Eu tenho certeza que vai acontecer. Cedo ou tarde isso vai acontecer. Pode ser até no Brasil.

Perfil

Alan Woods tem 72 anos e é um teórico político marxista britânico. Nascido em Swansea, no País de Gales, é considerado um dos principais ícones do trotskismo mundial atualmente. Um dos líderes fundadores da Tendência Marxista Internacional (IMT), Woods teve papel de ativista dentro da ala mais à esquerda do Partido Trabalhista do Reino Unido até os anos 1990, quando foi expulso desse setor após divergências ideológicas. Amigo de Hugo Chávez, que morreu em 2013, Woods foi visto como um assessor político dele quando o ex-presidente venezuelano falou, em rede de televisão, que estava lendo Reformism or Revolution, a mais famosa de suas mais de 20 publicações. Em 2002, ajudou a fundar o Hands Off Venezuela, grupo político de apoio ao chavismo e contrário à ocupação do país pelos Estados Unidos. Estudou russo e filosofia na Universidade de Sussex, na Inglaterra, e depois Universidade de Sofia, na Bulgária e na Universidade de Moscou. Woods é casado e tem duas filhas.