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Internet

- Publicada em 19 de Setembro de 2017 às 08:20

Direito ao esquecimento será discutido no STF

Supremo irá analisar caso que envolve crime ocorrido em 1958

Supremo irá analisar caso que envolve crime ocorrido em 1958


JOSÉ CRUZ/ABR/JC
O Brasil está entre os países mais destacados em uma curiosa estatística internacional: segundo o Google, é o segundo lugar que mais envia ordens pedindo remoção de conteúdo de suas plataformas, atrás apenas da Rússia. Segundo dados da empresa, 5.261 solicitações do tipo foram encaminhadas desde 2009, envolvendo cerca de 54 mil itens on-line. Os dados constam em uma petição, encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF) no começo deste mês, em que o Google pede para ser amicus curiae em um processo ligado ao direito ao esquecimento - que facultaria ao cidadão eliminar das redes informações a seu respeito, mesmo que verdadeiras, se forem consideradas prejudiciais e tiverem perdido importância com o passar do tempo.
O Brasil está entre os países mais destacados em uma curiosa estatística internacional: segundo o Google, é o segundo lugar que mais envia ordens pedindo remoção de conteúdo de suas plataformas, atrás apenas da Rússia. Segundo dados da empresa, 5.261 solicitações do tipo foram encaminhadas desde 2009, envolvendo cerca de 54 mil itens on-line. Os dados constam em uma petição, encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF) no começo deste mês, em que o Google pede para ser amicus curiae em um processo ligado ao direito ao esquecimento - que facultaria ao cidadão eliminar das redes informações a seu respeito, mesmo que verdadeiras, se forem consideradas prejudiciais e tiverem perdido importância com o passar do tempo.
O caso, sob relatoria do ministro Dias Toffoli, é movido pelos familiares de Aida Curi, uma adolescente de 18 anos, que sofreu violência sexual e acabou assassinada no Rio de Janeiro, em 1958. No início dos anos 2000, o extinto programa Linha Direta, da TV Globo, dramatizou o crime. Alegando que a exibição do episódio provocaria dor à família, pediu-se que este não fosse ao ar e, em um segundo momento, que fosse paga uma indenização. O ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negou o recurso, e o caso agora chega ao STF, com possível efeito de repercussão geral.
Mesmo que nem todos os casos sejam referentes ao direito ao esquecimento, o Google alega que a alta judicialização cria riscos à liberdade na internet brasileira, motivo pelo qual deseja ser ouvida no caso em questão. "A pretexto de ajudar as pessoas a superar acontecimentos infelizes de seu passado, o que se tem é uma postura deliberada do Estado para cercear comunicações provenientes da sociedade", diz a petição. Segundo o Google, não há problema em apagar materiais ilícitos, mas muitas decisões ignoram questões técnicas que inviabilizam seu cumprimento. Além disso, presumir que a passagem de tempo gera o direito de apagar dados verdadeiros, mesmo que desconfortáveis, pode gerar situações de censura.
Desde 2002, o direito ao esquecimento passou a constar na interpretação do Código Civil brasileiro, a partir do Enunciado nº 531 da Justiça Federal. No texto, a prerrogativa de ser esquecido no mundo digital é colocada ao lado dos demais direitos da personalidade, em especial como elemento importante para ressocialização. A primeira decisão do STJ a reconhecer o direito, porém, ocorreu apenas em 2013, também envolvendo o programa Linha Direta. Na ocasião, um homem inocentado de participação na chamada Chacina da Candelária, em 1993, acabou retratado no programa como um dos envolvidos no crime.
Outro caso recente envolve a apresentadora Xuxa Meneghel. Ela solicitou que o Google excluísse de seus móveis de busca resultados apontando para o filme "Amor Estranho Amor", de 1982, em que a atriz contracena nua com um menor de idade. Em 2012, o STJ cassou decisão anterior a favor de Xuxa, acolhendo recurso especial do Google e anulando antecipação de tutela determinada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Em maio deste ano, a 19ª Câmara Cível fluminense definiu que um pedido genérico não é suficiente para a exclusão de resultados de uma busca on-line, sendo necessário respeitar jurisprudência do STJ que obriga a exibir o link de endereços com o conteúdo denunciado.

Para professor da Ufrgs, decisão não deve virar referência

Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) com trabalhos ligados ao Direito da Informática, Cesar Santolim conversou com o Jornal da Lei sobre o direito ao esquecimento no cenário jurídico brasileiro e internacional.
Jornal da Lei - Em que cenário se coloca o direito ao esquecimento no ambiente jurídico do nosso País? Quais são as origens dessa discussão?
Cesar Santolim - Ela surge em um contexto de tensão permanente em torno de dois valores altamente tuteláveis: o direito à informação e o direito à privacidade. Esse choque sempre existiu, não está restrito à discussão em torno da informática, mas ganhou novas dimensões. O que há de novo, no caso, é a perenização da informação. No passado, uma pessoa envolvida em um episódio desagradável - em uma briga na cidade, por exemplo - teria essa questão em torno dela esquecida depois de um tempo, ou se mudaria para outro local, e essa situação não seria lembrada por lá. Hoje, esse episódio fica perene na internet, pode ser acessado e relembrado permanentemente.
JL - Em alguns processos em tramitação no Brasil, são mencionadas decisões anteriores ocorridas fora do País. De que forma o direito ao esquecimento é visto no cenário internacional?
Santolim - Nos EUA, há uma tendência de separar o direito ao esquecimento (oblivion) do direito ao apagamento de informações (erasure), que se refere a pedir supressão de informações que a própria pessoa prestou. Esse direito é amplamente reconhecido, enquanto o referente ao esquecimento ainda é bastante debatido. Na Europa, os dois se misturam mais, e geralmente se reconhece o direito de apagar as informações em ambos os casos.
JL - Um dos casos apreciados pelo STF (Aida Curi) poderia, supostamente, gerar jurisprudência para a aplicação do direito ao esquecimento no Brasil. Qual a sua leitura sobre esse processo?
Santolim - Alguns dos casos apreciados no País me parecem enquadrados de forma inadequada, em especial esse. Não vejo que ele se relacione ao direito ao esquecimento, pois não há pedido para supressão de banco de dados. Ali se trata muito mais de direitos personalizados, referentes ao nome e à reputação. Não é nada novo, mesmo porque o programa televisivo não imputou falsamente nada à pessoa mencionada, apenas fez uma recuperação - o que inclusive é ressalvado pela União Europeia, que exclui informações de interesse histórico ou estatístico. Vejamos como o Supremo verá esse caso. Acredito que a decisão anterior (de negar o recurso) seja mantida, mas sem aclarar totalmente a tutela do direito ao esquecimento. Não acredito, seja qual for a decisão, que esse caso vire referência. 
JL - E para que lado se inclina a interpretação brasileira sobre esse direito? Somos mais norte-americanos ou europeus?
Santolim - A tradição jurídica no Brasil é mais inclinada à europeia, o que incluiu essa discussão sobre esquecimento. Mas ainda não temos normas tratando diretamente disso. Talvez tenhamos que construir uma solução normativa, pois o quadro ainda é bastante impreciso. Digamos que uma escola está selecionando professores, e um dos candidatos cumpriu pena por crime relacionado a crianças. Por um lado, a escola e os pais certamente vão querer saber dessa informação; uma pessoa ser reabilitada não remove da história o que ela fez. Por outro, o criminoso cumpriu sua pena, pode alegar que tem direito a buscar um rumo novo em sua vida. Na Alemanha, um político condenado por improbidade queria que seu crime fosse esquecido; mas é do interesse do eleitorado que isso suma das buscas? É muito difícil traçar uma linha que traga um procedimento único para todos os casos.