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Entrevista Especial

- Publicada em 13 de Agosto de 2017 às 22:19

Reforma da Previdência não passa no Congresso, avalia Requião

"Querem esse modelo ('distritão')para retirar a população da decisão política"

"Querem esse modelo ('distritão')para retirar a população da decisão política"


JONATHAN HECKLER/JC
Apesar de pertencer ao mesmo partido do presidente Michel Temer (PMDB), o senador Roberto Requião (PMDB-PR) tem sido uma das vozes mais críticas às reformas capitaneadas pelo Palácio do Planalto. Para Requião, a reforma da Previdência - cuja articulação é agora o foco do governo federal - não vai passar no Congresso Nacional.
Apesar de pertencer ao mesmo partido do presidente Michel Temer (PMDB), o senador Roberto Requião (PMDB-PR) tem sido uma das vozes mais críticas às reformas capitaneadas pelo Palácio do Planalto. Para Requião, a reforma da Previdência - cuja articulação é agora o foco do governo federal - não vai passar no Congresso Nacional.
"A reforma previdenciária não passa mais no Congresso Nacional, porque, ao contrário da trabalhista, a Previdência viabiliza uma identidade dos parlamentares com a aposentadoria. Afinal, todo deputado federal ou senador tem um filho, uma esposa, uma prima que esperam se aposentar com dignidade depois de uma vida de trabalho", analisou o senador paranaense.
Conhecido por suas opiniões polêmicas, o parlamentar não teve meias palavras ao criticar a reforma trabalhista. Ele acredita que a revisão das leis do trabalho "prejudica o trabalhador de A a Z". Entre os pontos mais problemáticos, na sua opinião, está a primazia dos acordos entre patrões e empregados sobre a legislação trabalhista.
Requião critica a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no caso do triplex do Guarujá. Segundo ele, não há materialidade, porque "o apartamento é da OAS e da Caixa Econômica Federal". E compara: "Não há corpo do delito. É a mesma coisa que ser condenado pelo assassinato de alguém que está vivo, simplesmente porque o juiz chegou a essa convicção".
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Requião garantiu que não pretende sair do PMDB, apesar de líderes peemedebistas terem sugerido a expulsão dos membros da legenda que se posicionaram contra o governo tanto na reforma trabalhista, quanto na votação que acabou arquivando a denúncia de corrupção contra Temer na Câmara dos Deputados. O presidente do PMDB gaúcho, deputado federal Alceu Moreira, chegou a dizer que "não tem porquê" o senador paranaense continuar na sigla.
Jornal do Comércio - Mesmo fragilizado com as denúncias de corrupção, que acabaram barradas pela Câmara dos Deputados, o presidente Michel Temer conseguiu aprovar algumas reformas polêmicas, como a trabalhista. Qual a sua avaliação do governo?
Roberto Requião - Em primeiro lugar, não vejo no Palácio do Planalto um governo do Temer. Vejo um governo da banca: do Bradesco, do Itaú, enfim, do capital financeiro. A própria carta da Ponte para o Futuro (divulgada pelo PMDB, durante o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, PT) foi um documento escrito pelos banqueiros. É um governo extremamente bem-sucedido no que se propôs a fazer, que é acabar com a perspectiva do estado nacional. Aí entra a desnacionalização absoluta da economia e a inserção do Brasil na nova divisão do trabalho no mundo, em que nós seríamos apenas produtores de matéria-prima barata para os países desenvolvidos. Entretanto, se o governo da banca está tendo sucesso no que se propôs, o País e o interesse dos trabalhadores estão sendo prejudicados. Atualmente, o Brasil está sem projeto de Estado. E um país sem isso está condenado ao conflito social.
JC - O que quer dizer quando fala em conflito social?
Requião - A médio prazo, a população brasileira não vai aceitar ser escravizada pelo capital financeiro, nem vai se conformar com o fim da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), com a venda indiscriminada de terras para interesses estrangeiros, com a financeirização completa da economia.
JC - O senhor foi bastante crítico à reforma trabalhista. Quais pontos considera problemáticos?
Requião - Ela prejudica o trabalhador de A a Z. A tal ponto que chega a sobrepor o negociado entre patrão e empregado à legislação trabalhista. A aprovação dessa reforma demonstra como os parlamentares não têm mais nenhuma identidade com o povo, não se enxergam no trabalhador ou nas pessoas mais simples. Além disso, há uma grande incongruência na Câmara dos Deputados e no Senado, pois o mesmo Congresso Nacional, que votou unanimemente a legalização e formalização do trabalho de empregada doméstica, votou logo em seguida a reforma trabalhista que acabou com os avanços nessa profissão.
JC - A próxima reforma que o governo pretende aprovar é a da Previdência, que parece ter maior resistência entre os parlamentares. Acredita que pode ser aprovada?
Requião - Não. A reforma previdenciária não passa mais no Congresso Nacional, porque, ao contrário da trabalhista, a previdência viabiliza uma identidade dos parlamentares com a aposentadoria. Afinal, todo deputado federal ou senador tem um filho, uma esposa, uma prima que esperam se aposentar com dignidade depois de uma vida de trabalho.
JC - O senhor também é crítico dessa reforma...
Requião - A mudança que estão tentando implementar não é exatamente uma reforma. É a entrega do dinheiro da Previdência para os banqueiros administrarem. E, ao contrário do que diz o governo, a Previdência é superavitária. É financiada pelo patrão, pelo empregado, pelo PIS (Programa de Integração Social), pelo Pasep (Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público), pelo Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), pelo lucro líquido das empresas e, às vezes, até pela CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). Claro que a previdência do Judiciário é deficitária, porque não tem muita contribuição. Assim como a do Ministério Público e provavelmente a dos parlamentares. Mas a do trabalhador não é. Inclusive, a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Previdência, presidida pelo senador Paulo Paim (PT), tem mostrado isso à exaustão. O que o Palácio do Planalto faz é confundir a opinião pública, misturando a Previdência com a seguridade social. A seguridade é um conjunto de garantias constitucionalizadas à população pobre do Brasil. Só que não são financiadas pelos recursos previdenciários, mas sim pela receita tributária.
JC - Falando em receita tributária, o presidente Temer chegou a mencionar em um vídeo a intenção de propor uma reforma tributária. Na sua avaliação, o que deveria constar nessa reforma?
Requião - É necessário taxar o capital. O Brasil e a Estônia são os únicos países no globo terrestre que não fazem isso. A iniciativa privada precisa de juros baixos e uma tributação razoável para se expandir. Mas, no momento, só quem está ganhando dinheiro no País é a banca (banqueiros). O capital está mais interessado na financeirização das dívidas públicas. A rolagem da dívida dos estados (com a União) não gera um emprego, não gera a produção de um parafuso em uma fábrica. 
JC - Quanto à reforma eleitoral, se fala muito em implementar o "distritão" em 2018. Acredita que pode ser votado até setembro, para vigorar já no ano que vem?
Requião - A proposta do Temer, que é a eleição majoritária (o "distritão"), acaba com os partidos. Não tem mais voto programático, não tem mais voto de legenda. Além disso, o sujeito não pode mais ser expulso do partido, porque se elegeu por conta própria, não por conta da proposta política partidária. Isso é o fim das legendas. Sem partidos fortes e com o Banco Central independente, para que precisamos de eleição? Querem esse modelo para retirar a população da decisão política do Brasil. Afinal, quem acabou com os direitos trabalhistas, programas sociais, vende terras para estrangeiros e quer acabar com a Previdência não vai se reeleger nas próximas eleições.
JC - Mas, pelo que o senhor sente no Congresso, podem haver alterações já para as próximas eleições?
Requião - Difícil dizer, porque muitas tentativas já foram feitas. No fundo, acho que os congressistas que estão capitaneando essa reforma querem o parlamentarismo, impedindo que o povo escolha o presidente. Porque, nesse caso, o chefe do Executivo seria escolhido no universo do Congresso Nacional. Aí o primeiro-ministro seria alguém influente no Parlamento. Como o Eduardo Cunha (PMDB, ex-presidente da Câmara)? O Rodrigo Maia (DEM, atual presidente da Câmara)? Eu defendo o fim das coligações proporcionais. O sistema atual faz com que pessoas ricas se elejam para o Parlamento. Não existem trabalhadores na Câmara dos Deputados e no Senado.
JC - Quanto ao julgamento do recurso no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) contra a sentença que pede a prisão do ex-presidente Lula, qual a sua expectativa?
Requião - Em primeiro lugar, não há materialidade, porque o triplex é da OAS e da Caixa Econômica Federal. Então, não há corpo do delito. Como então você pode fazer a presunção da autoria? É a mesma coisa que ser condenado pelo assassinato de alguém que está vivo, simplesmente porque o juiz chegou a essa convicção. Tem que haver provas materiais. Se houver condenação, vai ser o fim das garantias constitucionais no Brasil.
JC - O presidente do TRF-4, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, disse que a sentença do juiz Moro é uma "peça jurídica irreparável"...
Requião - Como disse o rei da Espanha (Juan Carlos) para o ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez, cala a boca. Não vejo porque um juiz possa antecipar juízos de sentença, cujos processos ele não leu. Afinal ele não vai julgar diretamente o recurso (é um colegiado composto por três desembargadores que avaliará o recurso).
JC - Caso o recurso não seja acolhido, o ex-presidente fica impedido de concorrer em 2018. Nesse cenário, qual dos outros pré-candidatos se fortalece, na sua avaliação?
Requião - Pré-candidatos sem um pré-projeto não tem significado nenhum para mim. O País precisa de um projeto de Estado nacional, não de um candidato. A eleição presidencial não é um concurso de beleza. Precisamos de um programa de recuperação econômica, geração de empregos, reestabelecimento da Petrobras, que foi responsável por cerca de 70% dos investimentos feitos no Brasil. Constituímos uma frente nacionalista mista no Congresso, com a presença de 201 deputados e 18 senadores, para discutir isso. Creio que esse projeto pode se basear nos exemplos dos Estados Unidos e da Alemanha, onde houve uma intervenção pesada do Estado, investindo deficitariamente até recuperar a economia. Eles não caíram no "austericídio" (quando se depararam com a crise de 2008). O governo brasileiro se gaba de ter controlado a inflação. Só que a paralisia na economia acaba com qualquer inflação.
JC - Considerando a impopularidade das reformas do governo Temer, o PMDB deve sair desgastado em 2018...
Requião - Já está. Nas últimas pesquisas de avaliação do governo, estamos com 4% de apoio da população. A Casa Civil do governo fez uma pesquisa no seu site sobre a reforma trabalhista: 97% das respostas foram contrárias as alterações na legislação do trabalho.
JC - Mesmo assim, uma ala do PMDB defende a candidatura própria à presidência da República no ano que vem. Acha viável?
Requião - Se o PMDB se livrar da proposta neoliberal e construir um projeto para o País, pode lançar um candidato, sim. A base do partido quer essa mudança de perspectiva, mas a cúpula está com o governo. Então, apenas torço para que a executiva nacional mude de rumo.
JC - Alguns peemedebistas sugeriram a expulsão dos membros do partido que têm se posicionado contra o governo Temer. O presidente do PMDB gaúcho, Alceu Moreira, defendeu a expulsão do deputado Sérgio Zveiter - que já deixou a sigla -, a sua e a dos senadores Renan Calheiros e Kátia Abreu. Como observa essa crítica?
Requião - Sou o filiado número um do PMDB do Paraná, além de ser o presidente paranaense do partido. Sigo a linha do documento Esperança e Mudança, que não foi escrito por banqueiros, como a Ponte para o Futuro. Eu não estou em discordância com os fundamentos do partido, pois o meu PMDB ainda é aquele de "não roubar, não deixar roubar e colocar na cadeia quem rouba". Parece que o PMDB deles é o de "deixar roubar e impedir que se investigue o roubo". Estou com 96% da população brasileira (que, segundo a pesquisa Vox Populi do início de agosto, desaprova o governo Temer). Aposto que o Alceu não pediu a expulsão do Eduardo Cunha. Acho que ele deve ter consultado o Cunha, antes de ter formulado essas opiniões.
JC - Pretende concorrer à reeleição em 2018?
Requião - Ainda não sei. Estou muito agredido pela crise política que se instalou no Brasil. 

Perfil

Filho do ex-prefeito de Curitiba Wallace Thadeu de Mello e Silva e Lucy Requião de Mello e Silva, o senador Roberto Requião de Mello e Silva nasceu em 5 de março de 1941, na capital paranaense. Graduou-se em Direito pela Universidade Federal do Paraná e em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Durante a ditadura militar brasileira, filiou-se ao MDB (Movimento Democrático Brasileiro) e, após a reabertura política, seguiu no PMDB. Elegeu-se deputado estadual pela primeira vez em 1982. Foi prefeito de Curitiba entre 1986 e 1989. Depois de ter sido secretário estadual do Desenvolvimento Urbano (1989-1990), foi governador do Paraná em três oportunidades: de 1991 a 1994, de 2003 a 2006 e reeleito para o período de 2007 a 2010. Entre os dois períodos em que chefiou o Executivo paranaense, exerceu um mandato de senador da República (1995-2002). Em 2010, chegou a ser pré-candidato a presidente da República pelo PMDB, mas não conseguiu o apoio necessário para chancelar sua candidatura. Por isso, acabou concorrendo ao Senado, para a vaga que ocupa até hoje. Ainda não decidiu se vai concorrer à reeleição em 2018. É presidente do PMDB paranaense.