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Saúde

- Publicada em 14 de Agosto de 2017 às 21:59

Gapa é despejado e não tem mais como atender

Milhares de documentos sigilosos precisam ser retirados do local

Milhares de documentos sigilosos precisam ser retirados do local


JONATHAN HECKLER/JC
Fundado em 1989, quando a epidemia de Aids ocupava as manchetes dos jornais, o Grupo de Apoio e Prevenção à Aids no Rio Grande do Sul (Gapa-RS) tem sofrido uma decadência gradual. Com o tema sendo menos pautado, o poder público tem oferecido menos apoio e houve redução de voluntários e infraestrutura. Na sexta-feira, a derrocada culminou em uma ação de despejo da sede que ocupava desde 1991, na rua Luiz Afonso, na Cidade Baixa. O imóvel era alugado pela Secretaria Estadual de Saúde (SES), que não pagava pela locação há oito anos.
Fundado em 1989, quando a epidemia de Aids ocupava as manchetes dos jornais, o Grupo de Apoio e Prevenção à Aids no Rio Grande do Sul (Gapa-RS) tem sofrido uma decadência gradual. Com o tema sendo menos pautado, o poder público tem oferecido menos apoio e houve redução de voluntários e infraestrutura. Na sexta-feira, a derrocada culminou em uma ação de despejo da sede que ocupava desde 1991, na rua Luiz Afonso, na Cidade Baixa. O imóvel era alugado pela Secretaria Estadual de Saúde (SES), que não pagava pela locação há oito anos.
Segundo o vice-presidente do Gapa, Carlos Alberto Duarte, a reintegração de posse ocorreu sem aviso por parte do Estado. Caminhões chegaram ao prédio, que estava vazio, e as entradas foram lacradas. "Se não fosse pelo proprietário do imóvel, teriam levado documentações sigilosas com dados sorológicos de milhares de pessoas que já atendemos", revela.
Os documentos precisam ser retirados do local até o final da semana, sob risco de serem descartados. O problema é que o Gapa não tem para onde ir. "Nossa preocupação maior é com esses documentos sigilosos. Como não fomos avisados, não providenciamos destino para esse material", lamenta Duarte.
Em nota, a SES afirma que o processo foi movido pelo proprietário, FF Participações Ltda., contra o Estado, para a retomada do imóvel. A pasta declara que financiou o aluguel de 1991 a 2008, quando o contrato de locação foi encerrado. Desde então, não efetuou mais pagamentos e "providenciou inúmeras notificações à ONG para que desocupasse o imóvel". Os móveis estão sob a guarda e responsabilidade do dono do prédio, a quem o Gapa deve se dirigir.
Conforme a presidente do Gapa, Carla Almeida, apesar de o contrato ter terminado em 2008, o Estado concordou em pagar até 2009 e, depois, a entidade teria que sair do local. Nesse período, os voluntários encontraram outro prédio público para utilizar, na avenida João Pessoa, próximo à avenida Salgado Filho. A cessão chegou a ser publicada no Diário Oficial do Estado. "Depois de assinado o contrato, nos disseram que o imóvel era da Secretaria Estadual da Justiça, que não iria ceder o espaço, porque ainda tinha documentos que ficavam ali. Até hoje o prédio está fechado", aponta.
Outra solução envolvia a gestão passada da prefeitura. A perspectiva era de cedência de um imóvel na esquina das ruas Marechal Floriano Peixoto e Jerônimo Coelho, no Centro, para abrigar o Gapa e outras ONGs. "Chegamos a pagar e fazer uma reforma em um dos andares do prédio, mas o Corpo de Bombeiros interditou o edifício, mudou a gestão da prefeitura e a última informação é de que o local vai a leilão", salienta Duarte.
A nova gestão municipal orientou a entidade a procurar por conta própria algum prédio público viável, de acordo com a presidente. "Até mencionamos a antiga sede da Secretaria Municipal de Infraestrutura e Comércio (Smic), próxima ao Túnel da Conceição, mas nunca mais entraram em contato."
Segundo a SES, o contrato de aluguel não foi renovado porque o motivo da realização do convênio com a entidade não se justifica mais, pois "hoje existem inúmeras organizações sociais que trabalham em ações de apoio aos portadores do vírus HIV". Por isso, a última atividade convenial se encerrou em 2013. Carla, contudo, diz que isso não é verdade, e que as ONGs de apoio e prevenção estão sucateadas. "Tanto é que outras duas organizações estavam atendendo no prédio do Gapa: a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids e as Cidadãs Positivas. O que eles querem é se eximir da responsabilidade", enfatiza.
 

'Não existimos para o Estado e isso se reflete na epidemia'

A presidente do Gapa, Carla Almeida, deixa claro que a ONG nunca se negou a desocupar o imóvel, mas seus integrantes consideram que o poder público precisa ser parceiro na busca por outro espaço. "Agora, nem nos atendem e dizem que é para tratar direto com o proprietário da nossa antiga sede. Vivemos na capital com a maior incidência de Aids no Brasil, localizada no estado no qual mais gente morre da doença, e o governo não tem nada a ver com isso", ironiza.
Para o vice-presidente Carlos Alberto Duarte, a importância que o Estado dá para o Gapa é a mesma que dá para a epidemia. "A maior organização de apoio e prevenção à Aids sequer foi informada do despejo, porque não há consideração. O Gapa não existe para o Estado, e isso se reflete nos grandes números de contaminação", avalia. Conforme o vice-presidente, o proprietário do imóvel, que não permitiu que os documentos sigilosos fossem retirados do local, talvez se preocupe mais com a Aids do que o poder público.
O Rio Grande do Sul apresenta a segunda maior taxa de detecção de Aids do País, com 38,3 casos para cada 100 mil habitantes, quase o dobro da média nacional, de 19,7 casos, conforme o Ministério da Saúde. Em 2014, Porto Alegre foi a capital com a maior taxa de detecção - 94,2 casos por 100 mil habitantes, mais do que o dobro do índice gaúcho e quase cinco vezes superior à taxa brasileira. O número de óbitos vem diminuindo, mas ainda são altos: 10,6 mortes para cada 100 mil habitantes no Estado e 28,3 em Porto Alegre - quase cinco vezes acima do coeficiente nacional (5,7).