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Segurança pública

- Publicada em 08 de Agosto de 2017 às 14:29

Facções surgem de superencarceramento e más condições das prisões, diz pesquisadora

Camila Caldeira Nunes Dias (d), que estuda o PCC, falou sobre o tema na Assembleia Legislativa

Camila Caldeira Nunes Dias (d), que estuda o PCC, falou sobre o tema na Assembleia Legislativa


LUIZ ANTÔNIO GUERREIRO/Agência ALRS/JC
Existente desde 1993, o Primeiro Comando da Capital (PCC) é a maior e mais organizada facção criminosa do Brasil, atuando dentro e fora das prisões. Hoje, está presente em todos os estados do País, em maior ou menor grau. Para Camila Caldeira Nunes Dias, principal pesquisadora sobre o PCC, as causas do surgimento das facções são o superencarceramento e as más condições das prisões, que criam um ambiente no qual se constroem sistemas de proteção dentro dos presídios. A estudiosa deu palestra sobre o tema ontem na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
Existente desde 1993, o Primeiro Comando da Capital (PCC) é a maior e mais organizada facção criminosa do Brasil, atuando dentro e fora das prisões. Hoje, está presente em todos os estados do País, em maior ou menor grau. Para Camila Caldeira Nunes Dias, principal pesquisadora sobre o PCC, as causas do surgimento das facções são o superencarceramento e as más condições das prisões, que criam um ambiente no qual se constroem sistemas de proteção dentro dos presídios. A estudiosa deu palestra sobre o tema ontem na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
Em sua tese de doutorado, a pesquisadora identificou três pilares que alicerçam o grupo: a violência, o discurso ideológico e a questão econômica, baseada em redes de tráfico de drogas e outros crimes economicamente eficazes. "Em São Paulo, o PCC teve êxito em eliminar todos os grupos concorrentes e construir um monopólio que se mantém tanto pela ameaça da violência quanto por um discurso de legitimidade que aponta a opressão do Estado e chama os presos a se unirem para enfrentar essa opressão", explica. 
Camila não vê uma saída a curto prazo para o problema de segurança pública vivido no Brasil. "Só o que podemos fazer é separar as facções rivais para não se matarem, o que não é uma solução, é apenas mantê-los vivos", observa.
A longo prazo, a estudiosa apostaria em uma mudança no paradigma do que se entende por segurança pública, investindo menos em polícia e mais em prevenção. "Não prevenção pela Polícia Militar, mas sim através da saúde, da educação e de um esforço por desencarcerar. O superencarceramento só vai contribuir para perpetuar e ampliar esse quadro." Em dez anos, a taxa de aprisionamento no País aumentou 67%, segundo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen).
Desde o surgimento do PCC em São Paulo, três períodos foram traçados pela pesquisadora. O primeiro, entre 1993 e 2001, foi marcado especialmente pela violência. "Presos decapitados e casos de canibalismos serviram para o PCC conseguir espaço, dizimando grupos rivais", pontua. Como nenhuma autoridade se mantém exclusivamente através da violência, a facção utilizava, também, um discurso ideológico focando o Estado como opressor e inimigo dos presos, promovendo a união da classe.
A segunda fase começou em 2001, quando o grupo deu a primeira demonstração pública de sua existência, promovendo uma rebelião simultânea em 29 unidades prisionais. "Na época, foi a maior rebelião na história mundial. Serviu para deixar claro que o PCC existia, ao contrário do que o Estado negava", afirma Camila.
Entre 2001 e 2006, a facção passou a se mostrar publicamente de forma recorrente e a virar um ator político. Com isso, o Estado buscou agir pela repressão, criando, por exemplo, o Regime Prisional Diferenciado, no qual se procurava identificar os líderes criminais e colocá-los em maior grau de isolamento e restrições de contato com o mundo exterior. A resposta veio em 2006, com uma rebelião ainda maior, em 74 unidades prisionais.
Desde então, ocorre a terceira fase, na qual o PCC está consolidado e age em células sintonizadas entre si, diferentemente do modelo piramidal que seguia anteriormente. A hegemonia fez com que a violência entre facções diminuísse, uma vez que o PCC passou a ser mediador dos conflitos. Essa é a justificativa de Camila para a redução de 70% no número de homicídios em São Paulo em um período de 15 anos. "Não existe outra explicação. Não há política pública que justifique uma queda tão grande, até porque, se o número de homicídios diminuiu tanto, por que não se consegue reduzir a quantidade de roubos?", questiona.

'Governos só querem viabilizar eleições'

Sob a ótica da pesquisadora, os governos só estão interessados em viabilizar as eleições e dar a impressão de que estão fazendo alguma coisa. “Na verdade, não há interesse em debater seriamente e encontrar caminhos alternativos àquilo que já vem sendo feito. Construir mais prisões, pôr mais polícia na rua e transferir detentos para presídios federais, são coisas já feitas há décadas, que não têm resolvido”, aponta.
Uma das saídas para a crise no sistema carcerário experimentadas recentemente pelo governo do Estado é a seleção de presos exclusivamente sem passagem anterior pela prisão e sem relação com facções criminosas para o ingresso no Complexo Prisional de Canoas, que já teve duas de suas quatro unidades parcialmente abertas. A estudiosa não considera, no entanto, que a filtragem seja a solução. “É uma ilusão achar que o Estado consegue fazer essa separação, porque não consegue. Hoje em dia temos muitas pessoas pertencentes às facções que não se declaram como tal e acabam se infiltrando, ocupando as unidades”, avalia.
No Rio Grande do Sul, assim como em outros locais, como a Bahia, o PCC age de forma inteligente, conforme Camila, e não parte para o confronto. “Eles perceberam que aqui teriam dificuldade em chegar e controlar os territórios. Então, preferem fazer acordos e alianças”, salienta. Com estratégias nem sempre violentas, a facção se consagra e se mantém como a maior do Brasil.