Porto Alegre,

Anuncie no JC
Assine agora

Publicada em 25 de Agosto de 2017 às 14:02

Edição genômica avança no Brasil

Nova tecnologia para manipulação genética de plantas desperta interesse entre os pesquisadores ligados ao agronegócio

Nova tecnologia para manipulação genética de plantas desperta interesse entre os pesquisadores ligados ao agronegócio

EMBRAPA/EMBRAPA/DIVULGAÇÃO/JC
Compartilhe:
Thiago Copetti
Uma tecnologia de manipulação genômica começa a dar seus primeiros passos para ser aprovado no Brasil e desperta interesses de pesquisadores dedicados ao agronegócio. Chamada de edição gênica, que utiliza técnicas como Crispr (do inglês Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats), já é adotada nos Estados Unidos e apontada como o futuro da tecnologia que deu origem, por exemplo, à soja transgênica.
Uma tecnologia de manipulação genômica começa a dar seus primeiros passos para ser aprovado no Brasil e desperta interesses de pesquisadores dedicados ao agronegócio. Chamada de edição gênica, que utiliza técnicas como Crispr (do inglês Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats), já é adotada nos Estados Unidos e apontada como o futuro da tecnologia que deu origem, por exemplo, à soja transgênica.
Basicamente, a edição genômica se diferencia da transgenia porque permite melhorias em plantas sem a introdução de genes externos. O que se faz é melhorar a planta por meio de seus próprios gens. O trabalho tem uso nas áreas humanas, animal e vegetal. Em humanos, pode ajudar na correção de falhas no DNA que levam a doenças, por exemplo.
"Conhecendo o gene da planta pela sequência do genômica, se altera algumas bases sem deixar nela nenhum componente externo, como ocorre com os transgênicos. Essa tecnologia deverá enfrentar menos resistência por parte dos ambientalistas", avalia o professor da Faculdade de Agronomia da Ufrgs e membro do Conselho de Informações sobre Biotecnologia, Marcelo Gravina.
Nos Estados Unidos, diz Gravina, o uso já foi regulado e tem foco principalmente na indústria, no consumidor e na qualidade nutricional dos alimentos. Um dos produtos já aprovados é a soja com teor de ácido graxos (hoje inexistente) e alto teor de ácido oleico. Essa soja, explica o professor, produz um ácido graxo importante para a produção de bolachas, por exemplo, substituindo o uso de gorduras trans. "Com a edição genômica se obteve uma batata que não escurece após o corte, assim como uma maçã com a mesma característica", conta Gravina.
Como o método se destaca pela precisão, tem vantagem sobre os transgênicos convencionais, defende Gravina, derrubando uma das maiores críticas à transgenia. "A edição genômica diminui muito a possibilidade de efeitos inesperados ou de um dano não controlado no DNA", defende Gravina.
O ganho de tempo em pesquisas também é um fator favorável à nova tecnologia. Hoje, quando se quer obter um gene de uma planta se tem que cruzar ela com outra - e esse processo leva tempo. Com a edição, diz o conselheiro do CIB, isso é feito com uma planta única, sem precisar cruzar. Na Argentina, por exemplo, já se discutiu o tema e o governo vai considerar o produto não transgênico quando a edição for somente com gene da mesma espécie.
"No Brasil talvez já existam empresas que trabalhem com pesquisas nesta área, e estejam inclusive segurando investimentos, esperando para desenvolver futuros produtos já pensando nesta nova era", avalia Gravina.
O Brasil tende a aguardar para ver como outros países vão se comportar sobre o tema, especialmente mercados mais exigentes e restritivos, como Europa e Japão. "Estados Unidos, Argentina e Austrália já tem uma posição de considerar essa técnica como não transgênico. Alguns países consideram igual, como o Canadá, porque a planta passa por processo de laboratório", diz Gravina.
O professor avalia que somente partir do próximo ano o Brasil deve ter uma posição sobre o tema. Em 2018, por sinal, completam-se 20 anos desde o primeiro plantio de soja transgênica no País. Duas décadas que podem ficar no passado com a aprovação da edição genômica, com um período de transição entre as duas tecnologias.

Embrapa já começou a fazer estudos sobre o tema

Iniciativa pioneira foi desenvolvida com trigo para resistência a doença fúngica

Iniciativa pioneira foi desenvolvida com trigo para resistência a doença fúngica

SEAPI/SEAPI/DIVULGAÇÃO/JC
Descoberta em 2012, a tecnologia Crispr/Cas9 foi tema de seminário da Embrapa, no final do ano passado, e já é tema de estudos e pesquisas na instituição. Em pareceria com o Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB) e o Agropensa (Sistema de Inteligência Estratégica da Embrapa), o
workshop em Edição de Genomas reuniu no Brasil especialistas nacionais e do exterior, como a cientista da Academia de Ciências Agrícolas da China (CAS, sigla em inglês) Caixia Gao, responsável pela primeira utilização da tecnologia Crispr/Cas9 em plantas no mundo.
De acordo com a Emprapa, a iniciativa pioneira foi desenvolvida com plantas de trigo para resistência a uma das piores ameaças a essa cultura: uma doença fúngica denominada Powdery mildew. Hoje, Gao utiliza também a Crispr/Cas9 para desenvolver variedades melhoradas de milho e arroz.
Segundo a pesquisadora chinesa, a tecnologia é revolucionária porque permite editar o genoma de plantas e animais de forma muito mais rápida, econômica e eficiente. Além disso, como não depende da modificação genética, o que pode facilitar a sua aceitação pela sociedade mundial, que ainda oferece resistência aos organismos geneticamente modificados (OGMs). "Os testes realizados com o trigo resistente ao fungo comprovaram que as plantas editadas são 100% livres de transgênicos", afirmou Caixia durante o evento.

Saiba mais

  • Técnicas para editar e modificar o DNA são utilizadas desde a década de 1980, mas a Crispr/Cas9 pode ser considerada revolucionária por permitir a manipulação de genes com maior precisão, rapidez e menor custo.
  • Descoberta em 2012, a tecnologia utiliza a enzima Cas9 para cortar o DNA em pontos determinados por uma cadeia-guia de RNA. Utilizando uma metáfora, pode-se compará-la à ferramenta para localizar e substituir palavras no Word, sendo que o primeiro passo é localizar o gene a ser editado para, depois, fazer a alteração desejada.
  • O pesquisador da Embrapa Soja e presidente do Comitê Gestor do portfólio de Engenharia Genética para o Agronegócio, Alexandre Nepomuceno, explica que biologia já faz uso de técnicas para editar e modificar pontualmente o DNA desde a década de 1980, mas que a Crispr/Cas9 pode ser considerada revolucionária por permitir a manipulação de genes com maior precisão, rapidez e menor custo.
  • Nepomuceno já trabalha em um pesquisas para desativar genes envolvidos no metabolismo do etileno, hormônio vegetal que interfere nos mecanismos de aumento de tolerância à seca. O gás etileno está envolvido com a maturação da soja e quando a gente interfere nesse metabolismo, podemos ampliar o tempo que a planta suporta períodos de seca, explica o pesquisador.
  • As aplicações na ciência agropecuária são as mais diversas: criar plantas resistentes a pragas, mais tolerantes à estresses ambientais (como frio e seca) e com menos componentes alergênicos são alguns exemplos do que pode ser feito utilizando-se a técnica.

Duas décadas de transgênicos no Brasil

Arte Thiago Copeti

Arte Thiago Copeti

Arte Thiago Copeti
Em 1997, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) autorizou pela primeira vez no Brasil a realização de testes de campo para fins de pesquisa com a soja transgênica e, em 1 de janeiro de 1998, o Diário Oficial da União (DOU nº 188) publicou o parecer técnico conclusivo, emitido pela CTNBio, favorável à tecnologia de transformação genética da soja Roundup Ready (RR), tolerante ao herbicida glifosato.
Apesar da aprovação, a falta de segurança jurídica e clareza da lei travou investimentos na área até 2005, quando houve a revisão da Lei de Biossegurança, que levou à aprovação de diversos produtos que estavam represados. A partir de então, os transgênicos se consolidaram no campo e avançaram no Brasil.
 

Feijão pode ser próximo na lista de modificados

Mesmo passados 20 anos da adoção no Brasil, um grão altamente consumido no País e com produto transgênico já aprovado ainda não ingressou no mercado: o feijão. A questão é comercial, de acordo com o engenheiro agrônomo e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Marcelo Gravina, que espera que a demora deve estar perto do fim.
O feijão transgênico resistente ao vírus do mosaico dourado e foi desenvolvido pela Embrapa. O vírus é frequente no Brasil e na América Latina como um todo e é transmitido pela chamada mosca branca. Entre os benefícios do produto, diz Gravina, estariam a diminuição das perdas com a doença e a redução das aplicações de inseticidas. Sobre a importância da descoberta, o engenheiro agrônomo lembra que, apesar de amplamente consumido de Norte a Sul do País, o mercado brasileiro ainda precisa ser abastecido com importações.
"Mas eu acredito que, ainda antes do feijão, deve chegar ao mercado a cana-de-açúcar, que teve sua aprovação pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança neste ano, a primeira cana-de-açúcar transgênica do mundo. Outro produto já aprovado, mais ainda não colocado comercialmente no mercado, é o eucalipto", comenta Gravina, membro do Conselho de Informações sobre Biotecnologia.

Notícias relacionadas