Porto Alegre,

Anuncie no JC
Assine agora

Publicada em 23 de Agosto de 2017 às 15:03

Série de crises faz sobrar gado no campo

Bovino Caderno Expointer crédito Visual Agência

Bovino Caderno Expointer crédito Visual Agência

VISUAL AGÊNCIA/DIVULGAÇÃO/JC
Compartilhe:
Thiago Copetti
O saldo de um primeiro semestre turbulento como poucos para a pecuária brasileira pode ser quantificado de duas formas: pelo ingresso de cerca de 7 mil toneladas a mais de carne barata no Rio Grande do Sul, especialmente do Centro-Oeste, e na redução das vendas do Estado ao exterior, que encolheram US$ 20 milhões em relação ao mesmo período de 2016. À conta de perdas somam-se fatores ligado à crise da JBS, a Operação Carne Fraca, o embargo norte-americano e a queda no poder de consumo dos brasileiros e seus mais de 14 milhões de desempregados. Os danos deste conjunto de más notícias foram, no entanto, mais amenos no Estado do que no restante do País graças à dinâmica diferenciada do mercado gaúcho. O Rio Grande do Sul consome muita carne bovina (tudo que produz e mais um pouco). Mas a pecuária gaúcha, claro, não ficou imune ao cenário de retração.
O saldo de um primeiro semestre turbulento como poucos para a pecuária brasileira pode ser quantificado de duas formas: pelo ingresso de cerca de 7 mil toneladas a mais de carne barata no Rio Grande do Sul, especialmente do Centro-Oeste, e na redução das vendas do Estado ao exterior, que encolheram US$ 20 milhões em relação ao mesmo período de 2016. À conta de perdas somam-se fatores ligado à crise da JBS, a Operação Carne Fraca, o embargo norte-americano e a queda no poder de consumo dos brasileiros e seus mais de 14 milhões de desempregados. Os danos deste conjunto de más notícias foram, no entanto, mais amenos no Estado do que no restante do País graças à dinâmica diferenciada do mercado gaúcho. O Rio Grande do Sul consome muita carne bovina (tudo que produz e mais um pouco). Mas a pecuária gaúcha, claro, não ficou imune ao cenário de retração.
No caso das exportações, a queda foi de cerca de US$ 108,1 milhões no primeiro semestre do ano passado para pouco mais de US$ 85,5 milhões em 2017, de acordo com dados da Fundação de Economia e Estatística (FEE). Soma-se à ordem de fatores da queda também o fechamento do Frigorífico Marfrig, em dezembro de 2016 - planta habilitada a exportar para a China e que será reaberta pela empresa. Curiosamente, a reabertura também pode estar relacionada com a crise, já que a planta poderia ajudar o Marfrig a assumir posições em mercados perdidos pela JBS no exterior.
A nuvens negras começaram a pairar sobre o pasto em março, com a Operação Carne Fraca e a constatação de corrupção e fiscalizações irregulares em mais de 20 frigoríficos, especialmente no Centro-Oeste, incluindo as gigantes JBS e BRF. O caso, claro, afetou a imagem do Brasil no exterior, e embargos foram feitos à carne brasileira em dezenas de países, alguns permanecendo até hoje. Em maio, a delação do empresário Joesley Batista e de outros executivos da JBS envolvendo o presidente Michel Temer e a corrupção para obter facilidades e até mesmo obstrução da Justiça desencadearam nova crise no setor.
As consequências foram redução nas exportações, desconfiança de fornecedores sobre a capacidade de pagamentos da empresa, gado sobrando no campo e preço do boi gordo despencando. Em junho, encerrando o primeiro semestre - e reforçando a má fase do setor -, os Estados Unidos interrompem a compra de carne brasileira por questões sanitárias, levando inúmeros e importantes consumidores globais da nossa produção a adotarem a mesma ação.
A sequência de golpes afetou o campo e as indústrias, mas beneficiou consumidores. A redução nos abates para o consumo interno e externo foi sentida fortemente em estados como Mato Grosso, onde cerca de 30 milhões de cabeças povoam os campos. O preço da arroba, que chegou a passar de R$ 150,00 no início do ano, caiu para próximo de R$ 120,00 - e há quem diga que tenha alcançado os R$ 100,00 em alguns casos. Parte desta sobra foi "desovada" no Rio Grande do Sul. "Como o preço caiu demais e ficar com o gado no campo tem custo, tornou-se vantajoso ao produtor do Centro-Oeste mandar carcaças para o Sul mesmo com todo custo logístico dessa operação", diz Pedro Píffero, ex-presidente do Sindicato Rural de Alegrete, cidade que abriga o maior rebanho bovino do Estado.
O desembarque de carne de fora do Estado nos frigoríficos e gôndolas gaúchos deu um salto em junho: alcançou 15 mil toneladas. Quase o dobro do registrado no mesmo mês do ano anterior e três vezes o volume vendido um mês antes. Com isso, o preço baixou pesando mais no bolso do produtor e menos no do consumidor, e permitiu ao gaúcho manter seu nível médio de consumo nas carnes mais simples. O quilo da chuleta e do coxão de dentro, por exemplo, caiu 4% e 3,5%, respectivamente, entre janeiro e julho, de acordo com pesquisa mensal do Centro de Estudos e Pesquisas Econômicas (Iepe/Ufrgs). Em itens mais nobres, como alcatra e filé mignon, houve até alta nos preços ao consumidor. A perda, mesmo, ficou com o produtor.
"Como já é comum, a queda no valor pago ao produtor nunca chega totalmente ao consumidor. Se perde entre a indústria e o varejo. No mercado paulista, referência nacional, a arromba caiu 20%, de R$ 150,00 para cerca de R$ 120,00. No Rio Grande do Sul, que tem um comportamento diferenciando, o baque foi menor. Variação para baixo de cerca de 10%", exemplifica Fernando Henrique Iglesias, consultor da Safras & Mercado especialista em pecuária.
Antônio Cesa Longo, presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), afirma que a queda nos preços - que, em alguns itens, teria chegado a até 15% - fez com estancasse a perda de espaço da carne bovina no carrinho dos consumidores, registrada nos dois últimos anos. Enquanto os cortes de gado representam entre 45% e 50% das vendas médias na seção de açougues dos supermercados, diz Longo, no Estado esse índice avança para 55%.
"Nos dois últimos meses, ficou bem mais visível esse ingresso de carne mais barata no Rio Grande do Sul, o que se refletiu nas gôndolas e permitiu ao gaúcho manter o consumo normal, apesar da queda na renda e da alta no desemprego", avalia Longo.

Segundo semestre é de retomada

Depois da sequência de crises que marcou o primeiro semestre e que derrubou os preços do boi gordo, o pior, aparentemente, ficou para trás. Ainda com cautela, a avaliação do mercado, em geral, é de que a reação está começando. No mínimo, o setor espera pela estabilidade, diz o vice-presidente da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Gedeão Pereira. "O estrago que tinha de ser feito já foi", afirma o pecuarista.
O representante da Farsul justifica o otimismo pela já iniciada recuperação de preços e pela redução na entrada de carne do Centro-Oeste no Estado, devido ao início do período mais seco na região e à adaptação do plantel ao novo cenário. Gedeão explica ainda que a queda nos preços e o ingresso de carne mais barata no Estado não afetaram a prioridade dos gaúchos pelas proteínas de raças britânicas, de melhor qualidade, que mantiveram preços estáveis, em torno de R$ 150,00 a arroba. "A carne de menor qualidade abastece o consumo das famílias no dia a dia, mas a carne melhor, considerada gourmet, seguiu sempre em alta", ressalta Gedeão.
O pecuarista diz ainda que, apesar dos danos, a crise de confiança do produtor na JBS teve ao menos um ponto positivo, porque movimentou o mercado. Levou a Marfrig, por exemplo, a reabrir unidades fechadas em diferentes partes do Brasil e deu oportunidade de expansão a outras empresas. "Essa parada da JBS fez com que frigoríficos de menor porte conseguissem ganhar novos clientes. O mercado rapidamente se ajustou, positivamente", destaca Gedeão.
Outro sinal de otimismo do setor para este segundo semestre é a melhora na cotação do preço do boi gordo para outubro. De acordo com Fernando Henrique Iglesias, consultor da Safras & Mercado especialista em pecuária, em 21 de junho, por exemplo, os negócios no mercado futuro do produto mensurado para outubro tinham com referência o valor de R$ 119,50, e nos últimos dias avançou para cerca de R$ 140,00.
"Este é o contrato mais importante do boi gordo na BMF, porque marca o início do segundo giro de confinamento do semestre, que tende a ser de maior demanda. Mas vale ressaltar que ainda assim há muita volatilidade no ar, com crise política e incertezas com o câmbio", pondera o especialista.
Crises políticas e econômicas, delações em andamento e câmbio instável estão entre os fatores que levam Maurício Nogueira, coordenador de pecuária da Agroconsult, a ser mais comedido no otimismo para este semestre. "Há muita instabilidade ainda no horizonte para que se possa projetar algo de positivo mais concreto no cenário", opina Nogueira.
Mais confiantes estão os produtores que apostam em genética e qualidade, assegura Fábio Schuler Medeiros, responsável pelo programa Carne Angus Certificada da Associação Brasileira de Criadores de Angus. "O ingresso de carne do Centro-Oeste deu uma bagunçada no mercado gaúcho, porque os frigoríficos que já tinham na rotina comprar carne de fora ampliaram as compras, e alguns que não tinham o fizeram. Mas, no segmento de alta qualidade, ao menos no que diz respeito à carne Angus, não houve impacto. Pelo contrário, nós até crescemos no primeiro semestre", comemora Medeiros.

Reforçar as exportações é a receita para elevar o valor do rebanho

Com um cenário de estabilidade que "há anos", como dizem os especialistas, estagnou o abate médio gaúcho em 2 milhões de cabeças, o Rio Grande do Sul ainda explora menos do que poderia as exportações. Com o mercado mais amplo, naturalmente o produtor teria mais chances de conseguir valor maior pelo produto, diz o diretor-geral da Secretaria da Agricultura, Antônio Aguiar.
"Mais exportações certamente seriam positivas, mas, por outro lado, teriam impacto negativo ao consumidor, que também acabaria pagando mais pela carne", pondera Aguiar.
No Rio Grande do Sul, duas iniciativas privadas são bons exemplos de como os pecuaristas gaúchos tentam ampliar suas vendas externas, que hoje não chegam a 20% da produção dos associados do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados (Sicadergs), que reúne 75% de toda a carne industrializada no Estado, segundo o presidente da entidade, Ronei Lauxen. Mesmo tendo uma carne valorizada acima da média e sem conseguir atender a toda a demanda brasileira pela carne Angus, de acordo com o presidente da associação dos criadores da raça, José Roberto Pires Weber, ampliar as exportações é um dos focos da entidade.
Em 2016, por exemplo, o Programa Carne Angus Certificada teve renovada a certificação europeia feita pela TÜV Rheinland, que amplia espaço e possibilidades de negócios na União Europeia e retomou sua participação no Salão Internacional da Alimentação (Sial), na França, com a realização do Brazilian Angus Day. Em maio deste ano, esteve divulgando as qualidades da raça na produção de carnes nobres na China, onde participarão de mais uma edição do Sial Xangai, a maior feira de alimentação do Oriente.
Individualmente, destaca-se a ação da uma conhecida fazenda do Estado. A Pitangueira, de Itaqui, é referência de qualidade na genética Braford e, desde julho, integra o seleto grupo de associados da inglesa International Meat Trade Association (IMTA). De acordo com Michael Herlo, economista norte-americano radicado no Brasil e diretor da Frate, empresa especializada em internacionalização de empresas, mesmo com todos os problemas que o Brasil teve no primeiro semestre, não é interessante para ninguém que o País deixe de ser o grande exportador de carne.
"Existe todo um trade internacional que funciona em torno da carne brasileira e que não pode parar. São milhares de negócios, empresas e profissionais envolvidos dentro e fora do Brasil", explica Herlo.

Notícias relacionadas