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Entrevista Especial

- Publicada em 09 de Julho de 2017 às 23:26

Movimento ambientalista deve pautar ações positivas, diz Milanez

Milanez diz que não é aceitável que um gestor público desconheça o que se propõe a administrar

Milanez diz que não é aceitável que um gestor público desconheça o que se propõe a administrar


MARCELO G. RIBEIRO/MARCELO G. RIBEIRO/JC
Para o arquiteto Francisco Milanez, não é aceitável que um gestor público desconheça aquilo a que se propõe administrar, como, avalia, aconteceu recentemente no Rio Grande do Sul com a extinção de fundações públicas pelo governo do Estado. "As pessoas que propuseram a extinção não tinham e continuam não tendo nenhuma ideia do que esses órgãos faziam." Em um cenário crítico para entidades de pesquisa, ele acredita que a saída que deve ser estudada é de aproximar a sociedade do trabalho de pesquisa destes órgãos, para que possam sustentar sua existência.
Para o arquiteto Francisco Milanez, não é aceitável que um gestor público desconheça aquilo a que se propõe administrar, como, avalia, aconteceu recentemente no Rio Grande do Sul com a extinção de fundações públicas pelo governo do Estado. "As pessoas que propuseram a extinção não tinham e continuam não tendo nenhuma ideia do que esses órgãos faziam." Em um cenário crítico para entidades de pesquisa, ele acredita que a saída que deve ser estudada é de aproximar a sociedade do trabalho de pesquisa destes órgãos, para que possam sustentar sua existência.
Eleito sucessor de Leonardo Melgarejo como presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) para o período de 2017 a 2019, Milanez projeta que as ações da entidade devam focar em recuperar as perdas de conquistas ambientais e propor novos caminhos, como leis e políticas públicas voltadas para a área. "Não podemos ser pautados pelas pessoas que estão destruindo."
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Milanez fala do impacto que a gestão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contrário à ideia de sustentabilidade, pode ter ao restante do planeta; e também avalia a iminente revisão do Plano Diretor de Porto Alegre, prevista para começar neste ano e ser concluída até 2019. Ele sugere uma espécie constituinte exclusiva para o processo de revisão: "deveria ser com vereadores eleitos especificamente para isso".
Jornal do Comércio - Quais as propostas da Agapan para essa gestão e quais as demandas em andamento que se pretende dar continuidade?
Francisco Milanez - A grande demanda tem sido, pelo menos nos últimos 10 anos, a legislação ambiental, que se levou 40 anos para conquistar, e que infelizmente a maioria dos congressistas irresponsavelmente está destruindo. Exemplifico com o Código Florestal e com a tentativa de tirar a denominação da marca dos transgênicos nos produtos, e daí por diante. Isso são as demandas. Sobre projetos, a proposta da nossa chapa é, sobretudo, ocupar o lugar correto e tradicional da Agapan, cujo maior mérito é a experiência acumulada, de pautar a sociedade e não ser pautada por destruição, como tem sido. Temos várias propostas de trazer novas questões para serem discutidas, ensinadas, divulgadas, porque essa sempre foi a nossa marca desde o início, em 1971. A vida em primeiro lugar. Às vezes, nesses momentos obscuros da história, acabamos correndo atrás das emergências e deixando de fazer o que é importante. Nossa principal meta é voltar a fazer o que é importante e só cuidar das emergências na medida do possível. A ideia que tenho é, ao invés de ficar lutando para não regredir as leis, vamos propor leis novas. Não podemos ser pautados pelas pessoas que estão destruindo, temos que nos concentrar no que se tem de proposta boa. Parece um detalhe, mas faz uma diferença muito grande a forma de olhar.
JC - Há parcerias com entidades em outros estados para fortalecer as lutas?
Milanez - Sim, inclusive somos da coordenação do Fórum Brasileiro de ONGs (Organizações Não Governamentais) e sempre estivemos com os movimentos ambientalistas, dos quais a Agapan é uma espécie de avó. Este fórum é um exemplo, foi criado em torno de dois anos antes da Rio 92 para articular o Fórum Global da Rio 92, e neles se inseriram muitas entidades que até então eram só sociais e começaram a se denominar socioambientais, porque felizmente entenderam e acolheram a questão ambiental como uma forma essencial de lidar com as questões sociais.
JC - Uma demanda local é a aprovação da extinção das fundações pelo governo do Estado, como a Zoobotânica. Qual a posição da Agapan?
Milanez - É um absurdo, é difícil não usar um termo desses, mas beira a boçalidade a proposta de extinção das entidades de pesquisa gaúchas. A ignorância não é uma coisa que seja condenável, afinal ignoramos tanta coisa na vida. Ninguém é culpado por ignorar e ninguém é culpado de ser burro. Mas quando se assume a responsabilidade do Estado, não se pode ignorar o que está administrando. O que se tem visto - e inclusive levamos ao Ministério Público - é que as pessoas que propuseram a extinção não tinham e continuam não tendo nenhuma ideia do que esses órgãos faziam. Essa crise é uma oportunidade para entendermos que precisamos levar para a sociedade o conhecimento que é produzido. Não estou absolutamente culpabilizando as entidades de pesquisa gaúcha, mas é uma chance para não precisarmos viver esse tipo de coisa, e ao mesmo tempo fazer a sociedade gaúcha começar a entender e valorizar suas entidades, como a Cientec (Fundação de Ciência e Tecnologia), a Fundação Zoobotânica, a FEE (Fundação de Economia e Estatística) e tantas outras que produzem maravilhas, mas alguns não sabem. Isso não justifica o fato de as pessoas que administram o Estado assumirem essa responsabilidade se não sabem o que vão administrar. O povo não é culpado de ignorância, mas o administrador é.
JC - Em Porto Alegre, há a proposta de retirar da Secretaria do Meio Ambiente a responsabilidade pela concessão de licenciamentos ambientais...
Milanez - Aí vemos de novo como é importante o conhecimento, e como as pessoas que administram com responsabilidade têm a obrigação de conhecer as coisas que administram. Essa proposta é ilegal. Então não merece nem perda de tempo, basta dizer que é ilegal. A função do Sistema Nacional de Controle Ambiental é feita pelos órgãos competentes, e não pelos incompetentes.
JC - Caso passe a proposta, existe possibilidade judicial de derrubar?
Milanez - Claro, não tem valor nenhum. É lei menor, a municipal não pode contrariar a estadual ou federal, sob pena de nulidade.
JC - Está acompanhando a revisão do Plano Diretor de Porto Alegre?
Milanez - Temos que estudar o andamento. Discussão de plano diretor envolve interesses muito pesados, e o atual precisa de revisão, porque foi bastante inovador e, em tudo que se inova, se acerta e se erra. Não sei se não deveria ser com vereadores eleitos especificamente para isso, quase como uma assembleia constituinte. Com essa crise, a tendência é se perderem conquistas sociais. Em qualquer coisa feita apressadamente e sem participação, mandarão os interesses com maior poder econômico, que prejudicam até eles mesmos, como é com a especulação imobiliária. Por exemplo, se a população não tivesse se manifestado em manter a orla de usufruto de todos ali no que era o Estaleiro Só, se construiria um paredão de edifícios, e aconteceria que a parte continental - a avenida Icaraí, o Hipódromo - ficaria "fritando" com o calor e teria mais gasto de energia. O argumento de quem vende é ter vista para o Guaíba; mas, se construir na avenida Icaraí, mantém a orla de uso de todos, inclusive de quem morar nos prédios, e tem a mesma vista. Se um constrói ali, destrói com o que todos os outros construíram antes, é uma maneira de privatizar o acesso.
JC - Fala-se na contratação de uma consultoria para realizar o trabalho. Seria possível?
Milanez - No caso do projeto da orla, por exemplo, é um absurdo um cara como Jaime Lerner e sua equipe, que nem conhecem Porto Alegre, terem feito sem concorrência um projeto que todos os arquitetos de Porto Alegre iam gostar de participar. Na verdade, esse tipo de contratação é um esconderijo de má gestão de dinheiro. Então não duvido que façam esse mesmo tipo de coisa para a revisão do plano diretor. Porto Alegre é uma das cidades mais bem equipadas com bons urbanistas, inclusive dentro da prefeitura. Mas a função de arquitetos e urbanistas é resolver tecnicamente as decisões de uma população, e não propor. Podem propor como qualquer outro cidadão, mas nessa condição. Tem muito para se democratizar a cidade, e isso só se faz através de debates participativos.
JC - Pensando no atual momento global, surge um gestor como Donald Trump, que questiona o aquecimento global e revoga algumas decisões na área ambiental, na contramão de toda a evolução da discussão no setor. Como avalia isso?
Milanez - Não me surpreende, porque é a base do pensamento norte-americano, um pensamento desprivilegiado, por dizer assim. Principalmente um partido conservador, como o Republicano, controlado por petróleo e armas. A Nasa (agência espacial norte-americana) levou 30 anos para reconhecer o que falavam sobre aquecimento. Passou muito tempo dizendo que não tinha prova científica, o que é bobagem, até porque ciência não afirma uma coisa, o que ela afirma são negações. Por exemplo, nenhum cientista do mundo vai dizer que transgênicos são seguros. Vão dizer que, até agora, não conhecem motivos suficientes para dizer que não é seguro, mas afirmar que é seguro é uma atitude não científica. Ninguém inteligentemente capacitado em ciência vai dizer que transformação do meio ambiente não tem perigo. Vão dizer que é razoável uma alteração até tal nível, pelo que conhecemos, e amanhã poderá ser diferente. Por isso a precaução é para não fazer bobagem. Todas as pesquisas independentes mostram problemas, enquanto as pesquisas financiadas pelas próprias donas das patentes obviamente não mostram nada.
JC - Acredita que o legado a ser deixado por Trump na área ambiental poderá ter impacto em outras regiões do mundo...
Milanez - Claro. Vamos ver qual a história em relação ao clima: os EUA nunca assinaram, mesmo todo mundo clamando por uma convenção de clima. Até que assina em um governo Democrata - e não estou dizendo que são maravilhosos, só os outros não fazem isso de jeito nenhum por causa de seus financiadores -, mas muito a contragosto, porque a pressão e a cultura norte-americana é de "vamos detonar, porque dá mais lucro". Problema ambiental dá muito dinheiro, resolver problema ambiental também dá. Preferia não ter nenhum para resolver, mas, se eu olhar como consultor, meu interesse será contrário à preservação. Infelizmente, no meio ambiente, muita coisa não tem conserto, a gente só dá uma melhoradinha. O Trump reciclou as opiniões mais retrógradas do mundo, que são as norte-americanas. O grande mercado dos próximos anos - embora não seja a solução do transporte, mas é muito menos danoso - serão carros elétricos. A GM lançou o EV1 da Chevrolet, por causa de uma lei da Califórnia que quem não fizesse carro elétrico em tantos anos não poderia mais vender carro lá. Isso foi em 1997, era a Rio 5, e foi um sucesso. Mesmo assim foi eliminada em 2002, juntaram os carros todos e destruíram, porque conseguiram comprar os deputados da Califórnia e derrubaram a lei. E o que destruíram ali: a primazia e o pioneirismo dos EUA em produzir carro elétrico no mundo. Hoje, quem tem isso é o Japão.
JC - Falando da Rio 92, o que se tem de conquista e o que ainda está por se fazer?
Milanez - Quem conquista é a sociedade. Antes da Rio 92, já se falava sobre todas essas questões debatidas pela Agapan. Se olharmos o manifesto ecológico de 1975, que vinha sendo discutido desde 1971 na Agapan, está tudo dito. Infelizmente, a ONU (Organização das Nações Unidas), em 1971, evitou o debate sobre desenvolvimento. Era uma cúpula social de meio ambiente, porque estava tendo uma crise mundial de mortes em escala com acidentes industriais, e precisava fazer alguma coisa, que no caso era tratar os efluentes. O que a Agapan dizia é que precisava mudar o modelo de desenvolvimento. Claro que tem que tratar os efluentes, mas não só isso. A ONU disse não, por ser uma cúpula de meio ambiente. Vinte anos depois, ela reconheceu que devia ser uma cúpula de meio ambiente e desenvolvimento, com a Rio 92. Aí vem a Agenda 21, um trabalho importante, mas que evita temas polêmicos. Assim é a ONU, tem muita gente competente, mas com poder mínimo, que depende do maior pagante, que são os EUA. Então se faz as coisas com muita timidez e sempre com cuidados para não ofender os países, que infelizmente são controlados, em sua maioria, pela economia.

Perfil

José Francisco Bernardes Milanez é natural de Porto Alegre. Formou-se em Arquitetura e Urbanismo em 1983 e em Biologia em 1985, ambos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde fez mestrado em Ecologia. Atuou como agente de órgãos ambientais do Estado. Na década de 1990, filiou-se ao PT, e foi candidato a prefeito de Canoas em 1992. Foi assessor de Meio Ambiente do gabinete do prefeito de Porto Alegre Raul Pont (PT, 1997-2000), acumulando as funções de coordenador do Programa Guaíba Vive e do grupo de trabalho de desenvolvimento da orla do Guaíba. Em 2013, foi convidado pelo ex-governador Tarso Genro (PT) para coordenar o programa RS Sustentável, função que exerceu até o fim do governo petista. Ainda adolescente, ingressou na Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), ONG ecológica pioneira no País, fundada em 1971 por José Lutzenberger. Ativista na entidade por mais de 40 anos, foi presidente nos anos 1990 e retomou a função entre 2011 e 2013. No dia 29 de junho deste ano, foi eleito novamente para a presidência da Agapan, cargo que ocupará até 2019.